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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS

DOUTORADO EM LETRAS NEOLATINAS

DOS TEXTOS INSTITUCIONAIS AO AUTORRELATO:

um estudo discursivo sobre o professor de francês

Erika Noel Ribas Dantas

RIO DE JANEIRO

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Erika Noel Ribas Dantas

DOS TEXTOS INSTITUCIONAIS AO AUTORRELATO:

um estudo discursivo sobre o professor de francês

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como quesito para a obtenção do título de Doutor em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos – Opção Língua Francesa)

Orientadora: Profa. Dra. Angela Maria da Silva Corrêa.

RIO DE JANEIRO

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Dantas, Erika Noel Ribas. Dantas, Erika Noel Ribas.

D192d...Dos textos institucionais ao autorrelato: um estudo discursivo sobre o

...professor de francês / Erika Noel Ribas Dantas. – Rio de Janeiro: UFRJ, 2013. 206 f.: il., tabs. ; 30 cm

Orientadora: Angela Maria da Silva Corrêa.

Tese (Doutorado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Departamento de Letras Neolatinas, 2013.

Bibliografia: f: [198] - 202.

1. Língua francesa – Estudo e ensino 2. Língua francesa – Aspectos sociais 3. Língua francesa – Análise do discurso 4. Identidade social 5. Professores de francês - Formação 6. Educação – Brasil – Parâmetros curriculares nacionais

I. Corrêa, Angela Maria da Silva II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras III. Título

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a Deus, que está sempre presente em minha vida.

à minha querida mãe, Sandra Ribas, por estar sempre ao meu lado e por

me presentear com seu amor incondicional.

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AGRADECIMENTOS

À Professora Angela Maria da Silva Corrêa, minha orientadora, pela dedicação a este trabalho, pela orientação e pelo incentivo.

À Professora Maria Aurora Consuelo Alfaro Lagorio e ao Professor Décio Rocha, pelas sugestões valiosas no Exame de Qualificação.

Às professoras Dayala Vargens, Katia Fraga e Tânia Reis pelas contribuições ao longo de minha formação e por aceitarem compor a Banca Examinadora desta tese.

Meu reconhecimento profundo aos oito professores que se dispuseram a colaborar com a pesquisa concedendo entrevistas sem as quais este trabalho não existiria.

À Aliança Francesa pelo afastamento de minhas atividades de janeiro de 2012 a junho de 2013 a fim de concluir esta tese.

Ao Professor Geraldo Nunes, com quem tive o prazer de trabalhar no Setor de Convênio e Relações Internacionais da UFRJ, pela compreensão e pelo apoio.

A todos os colegas do SCRI. Agradeço especialmente à Giovana de Mello e a Vitor Amaral pelas discussões e diálogos travados.

À Katharina Jeanne Kelecom pelas leituras, sugestões e comentários enriquecedores.

À Sany Lemos, amiga e parceira de doutorado, pela amizade e encorajamento para desenvolver este trabalho.

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DANTAS, Erika Noel Ribas. Dos textos institucionais ao autorrelato: um estudo discursivo sobre o professor de francês. Rio de Janeiro, 2013. Tese (Doutorado em Letras Neolatinas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.

Esta pesquisa busca analisar as materialidades discursivas oriundas das entrevistas realizadas com oito professores não nativos de Língua Francesa atuantes em escolas públicas das redes estadual, federal e municipal e no curso privado Aliança Francesa com o objetivo de estabelecer um diálogo com os textos oficiais que orientam o ensino de línguas estrangeiras na cidade do Rio de Janeiro. Recorre-se à sociologia da educação de Pierre Bourdieu (1970, 1982) para instaurar um debate sobre as prescrições dos documentos oficiais acerca do ensino de Línguas Estrangeiras. Adota-se a Semiolinguística de Patrick Charaudeau (2008, 2009) como embasamento teórico para analisar o impacto das diretrizes do ensino na construção da identidade do profissional de Língua Francesa. Acredita-se que as entrevistas (ROCHA, DAHER e SANT’ANNA, 2004) possibilitam a recuperação de saberes constituintes dos

traços identitários do docente, permitindo um contraponto entre os discursos presentes nos documentos oficiais sobre o papel da educação e do professor na sociedade e as vozes desses profissionais que muitas vezes acabam se apropriando desses discursos enquanto normas orientadoras de suas práticas docentes. As conclusões da análise apontam para um perfil de professor vitimizado pelo sistema educacional pelo fato de não conseguir cumprir com as orientações presentes nos textos institucionais, fazendo com que a imagem projetada por estes seja divergente da auto-imagem que o professor constrói sobre si.

Palavras-chave: Ensino de Francês Língua Estrangeira. Traços identitários. Documentos

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RÉSUMÉ

DANTAS, Erika Noel Ribas. De textes institutionnels à l' auto-évaluation: une étude discursive à propos du professeur de français. Rio de Janeiro, 2013. Thèse (Doctorat en Lettres Néolatines) – Faculté de Lettres, Rio de Janeiro, 2013.

Cette recherche vise à analyser les matérialités discursives résultant des interviews réalisées auprès de huit professeurs non-natifs de langue française travaillant dans des écoles qui appartiennent aux réseaux publics (fédéral, municipal et de l’État de Rio de Janeiro) et dans un célèbre cours privé de Langue Française ayant comme but celui d'établir un dialogue avec les textes officiels qui guident l'enseignement de langues étrangères dans la ville de Rio de Janeiro. Nous avons eu recours à la sociologie de l'éducation de Pierre Bourdieu (1970, 1982) afin de lancer un débat sur les prescriptions des documents officiels sur l'enseignement des langues étrangères. Nous avons adopté la Sémiolinguistique de Patrick Charaudeau (2008, 2009) comme base théorique pour analyser l'impact des politiques d'enseignement sur la formation de l'identité du professionnel de la langue française. Dans ce cadre, les interviews (ROCHA, DAHER e SANT'ANNA, 2004) nous permettent de récupérer les types de connaissances qui constituent les traits identitaires des enseignants, ce qui rend possible de créer un lien entre le discours présent dans les documents officiels concernant le rôle de l'éducation et de l'enseignant dans notre société et les voix de ces professionnels, qui assument souvent le discours officiel en tant que des règles qui conduisent leurs pratiques d'enseignement. Les conclusions de la présente analyse révèlent le profil de l'enseignant en tant que victime du système éducatif puisqu'il n'est pas en mesure de suivre les instructions présentes dans les textes institutionnels, où l'image projetée de l’enseignant est différente de celle projetée par les enseignants eux-mêmes.

Mots-clés: L'enseignement de Français Langue Étrangère. Traits Identitaires. Documents

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DANTAS, Erika Noel Ribas. From the Institutional Texts to Self-Report: a discursive study about the French language teacher. Rio de Janeiro, 2013. Thesis (Doctorate in Neolatin Languages) – Faculty of Letters, Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.

This research analyzes the discursive materialities taken from the interviews with eight teachers – all non-native speakers of French, who work in municipal, state or federal public schools, as well as in the renowned private course of French Language – aiming at establishing a dialogue with the official texts that guide the teaching of foreign languages in the city of Rio de Janeiro. We have resorted to the Sociology of Education by Pierre Bourdieu (1970, 1982) in order to start a debate about the prescriptions of the official documents on the teaching of foreign languages. We have adopted the semiolinguistics by Patrick Charaudeau (2008, 2009) as the theoretical basis to analyze the impact of the teaching policies over the shaping of the professional identity of the French language professional. We believe that the interviews (ROCHA, DAHER e SANT’ANNA, 2004) allow us to recover the types of

knowledge that constitute the identity traits of the teachers, making it possible for us to create a counterpart between the discourse present in the official documents about the role of education and the teacher in society and the voices coming from those professionals, who many times assume the official discourse as guiding rules for their teaching practices. The conclusions of the present analysis reveal the profile of the teacher as victim of the education system as he/she is not able to follow the instructions present in the institutional texts, whose projected image of a teacher is different from the self-image that the teachers have of themselves.

Key-Words: French teaching. French as a Foreign Language. Identity Traits. Prescriptive

Documents.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

TABELA 1 – Classificação dos Actantes ... 37

TABELA 2 – Contrato de Comunicação ... 41

TABELA 3 – Orientações Curriculares para o 9o ano (SME) ... 73

TABELA 4 – Currículo Mínimo 1a série do Ensino Médio (SEEDUC) ... 76

TABELA 5 – Projeto Político Pedagógico do Ensino Médio (CP2) ... 82

TABELA 6 Carta de um dos nossos enunciadores endereçada ao SEPE ... 90

TABELA 7 – Níveis Comuns de Referência (QECR) ... 100

TABELA 8 – Salários Profissões Diversas (2006) ... 104

TABELA 9 – Roteiro de Entrevista ... 112

TABELA 10 – Ficha do Colaborador ... 114

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ENEM

Exame Nacional do Ensino Médio

FLE

Francês como Língua Estrangeira

LDB

Lei de Diretrizes e Bases

LE

Língua Estrangeira

MEC

Ministério da Educação

PCNEM

Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino

Médio

PCNs

Parâmetros Curriculares Nacionais

PNLD

Programa Nacional do Livro Didático

PPP

Projeto Político Pedagógico

SEEDUC

Secretaria de Estado de Educação

SEPE

Sindicato Estadual de Profissionais de Educação

SME

Secretaria Municipal de Educação

QECRL

Quadro Europeu Comum de Referência para as

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SUMARIO

1. INTRODUÇÃO... 13

2. SER OU NÃO SER: EIS O DILEMA DA QUESTÃO IDENTITÁRIA ... 27

2.1. IDENTIDADE SOCIAL E IDENTIDADE DISCURSIVA... 31

2.2 O CONCEITO DE ETHOS NA TEORIA DE PATRICK CHARAUDEAU... 33

2.3 OS MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO... 34

2.4 O CONTRATO DE COMUNICAÇÃO E AS IDENTIDADES SOCIAL E DISCURSIVA... 40

2.5 O CONTRATO DE COMUNICAÇÃO NA SALA DE AULA... 43

2.6 ERA UMA VEZ UMA IDENTIDADE... 46

2.7 AS MÁSCARAS E OS TRAÇOS IDENTITÁRIOS... 47

3. OS DOCUMENTOS OFICIAIS E OS REGIMES DE VERDADE ... 52

3.1 PARAMETROS CURRICULARES NACIONAIS... 52

3.1.1 PCNs de Língua Portuguesa (Ensino Fundamental – 2º ao 5º ano) ... 52

3.1.2 PCNs de Língua Estrangeira (Ensino Fundamental – 6º ao 9º ano)... 57

3.1.3 PCNEM de Língua Estrangeira (Ensino Médio – 1ª a 3ª série)... 59

3.2 A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO DE BOURDIEU E AS DIRETRIZES DO ENSINO ... 61

3.2.1 Breves Comentários ... 61

3.2.2 Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio ... 68

3.2.3 Orientações Curriculares para a Rede Municipal ... 72

3.2.4 Currículo Mínimo elaborado pela Rede Estadual... 75

3.3 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO (PPP)... 79

3.3.1 PPP do Colégio Pedro II... 79

3.3.2 E os outros PPPs?... 86

3.3.3 (IR) Resolução Número 4746... 88

3.4 LEI DE DIRETRIZES E BASES (LDB 9394/96)... 93

3.5 O PROFESSOR DE FRANCÊS E OS PROCESSOS DE SELEÇÃO... 96

3.6 QUADRO EUROPEU COMUM DE REFERÊNCIA PARA AS LÍNGUAS: APRENDIZAGEM, ENSINO, AVALIAÇÃO... 98

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4.2 CONHECENDO OS ENUNCIADORES ... 116

4.3 CATEGORIAS DE ANALISE ... 118

5 CONJUGANDO ANÁLISES : PRÁTICAS DISCURSIVAS NAS FALAS DO PROFESSOR DE FLE E ENUNCIADOS SOBRE O TRABALHO ... 122

5.1 DISCURSOS SOBRE A FORMAÇÃO PROFISSIONAL... 122

5.1.1 Motivação para estudar a Língua Francesa na Faculdade de Letras... 122

5.1.2 Estudos Acadêmicos ... 126

5.1.2.1 Estudos Acadêmicos do ponto de vista Narrativo... 126

5.1.2.2 Estudos Acadêmicos do ponto de vista Argumentativo... 137

5.2 DISCURSOS SOBRE O ENSINO DE FRANCÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA ... 144

5.2.1 O Ensino de FLE no passado e no presente... 144

5.2.2 O Ensino de FLE no presente e no futuro... 149

5.2.3 O Status da Disciplina de Língua Francesa... 155

5.2.3.1 O Status da Disciplina de Língua Francesa do ponto de vista Narrativo.... 155

5.2.3.2 O Status da Disciplina de Língua Francesa do ponto de vista Argumentativo... 158

5.2.3.2.1 Do ponto de vista do próprio professor... 158

5.2.3.2.2 Do ponto de vista dos alunos (segundo os enunciadores)... 162

5.2.3.2.3 Do ponto de vista dos pais dos alunos (segundo os enunciadores)... 165

5.2.3.2.4 Do ponto de vista dos colegas de trabalho/direção da escola (segundo os enunciadores)... 167

5.2.3.2.5 Do ponto de vista das leis (segundo os enunciadores)... 172

5.2.4 Atributos do professor de FLE... 174

5.2.5 O Trabalho do professor de FLE... 180

5.2.5.1 Como o professor de FLE acha que seu trabalho é visto pelos alunos... 181

5.2.5.2 Como o professor de FLE acha que seu trabalho é visto pelos colegas... 183

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 191

7 REFERÊNCIAS ... 198

ANEXO A... 203

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A presente tese tem como objeto de interesse a relação entre o trabalho do professor não nativo de línguas estrangeiras, em especial de francês, e a construção de traços identitários deste profissional. Tal temática justifica-se pela constatação de que a maioria dos docentes com quem já convivi em minha carreira, em diferentes etapas da vida profissional, compartilham insatisfações e expectativas frustradas em relação ao ensino de língua e ao seu papel como trabalhadores da educação, e que também, muitas vezes ainda jovens, adoecem por conta do estresse, além de outros problemas como uma jornada de trabalho longa e sem a almejada remuneração. Enquanto pesquisadora oriunda da área de Letras, sinto-me motivada a refletir sobre os processos da construção identitária.

Obtive minha Graduação no ano de 2005, o que, segundo a divisão a ser por mim proposta nesta tese, coloca-me na condição de professora em início de carreira. Entretanto, por já trabalhado em diferentes instituições de ensino, acredito poder sustentar tanto a posição de pesquisadora, enquanto autora desta tese, quanto à de professora, o que me permite tecer comentários e reflexões provenientes de minha própria prática docente.

Grande parte da motivação para a elaboração desta pesquisa provém exatamente de minha experiência enquanto docente de Língua Francesa em diferentes instituições de ensino do Rio de Janeiro, conforme já mencionado anteriormente, o que tem permitido conviver com realidades distintas mas com insatisfações semelhantes. Dentre as instituições que compõem a rede pública de ensino, trarei para o âmbito da pesquisa escolas de cada esfera (estadual, municipal e federal) a fim de estabelecer comparações pertinentes ao ensino e ao complexo mundo do profissional de educação. Também exporei minha experiência enquanto professora da Aliança Francesa, curso privado de ensino de Língua Francesa.

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Nesse sentido, enquanto docente de língua francesa de escolas pertencentes às redes federal, municipal e estadual bem como do curso privado Aliança Francesa, farei, a seguir, um autorrelato sobre minhas impressões em cada uma das instituições nas quais atuei.

De 2007 a 2009, tive o prazer de fazer parte do quadro do Colégio Pedro II como professora contratada. Para ingressar nesse renomado colégio, fui submetida a um processo seletivo que contou com algumas etapas, sendo as duas primeiras com caráter eliminatório. A primeira delas foi a análise curricular dos candidatos. A segunda se subdividiu em dois momentos: redação de um texto em Língua Francesa sobre o tema proposto pela comissão avaliadora acerca do ensino de língua estrangeira e entrevista feita pela banca, com foco pedagógico. A última etapa foi realizada pelo setor de recursos humanos e visava a traçar o perfil do candidato.

Ao integrar seu corpo docente, experienciei situações inéditas em minha jovem carreira. Assumir turmas com quarenta alunos (pré) adolescentes não é tarefa simples para uma “iniciante”. Mesmo tendo feito estágio de prática de ensino, não me sentia segura para assumir uma turma sozinha. Entretanto, o apoio recebido pela equipe de francês e pelos demais colegas foi crucial para minha permanência na escola e para o meu aprendizado profissional. Recebi desses colegas informações importantes sobre como agir em determinadas situações de sala de aula, como preparar as aulas, como preencher diários, etc.

Minha estada nessa escola certamente enriqueceu meu currículo e contribuiu decisivamente em minha formação. Durante esses dois anos de trabalho, posso relatar que a estrutura da escola funciona bem, tanto para docentes quanto para os técnico-administrativos. Primeiramente, o salário dos professores é um dos mais altos – se comparado ao magistério de outras redes públicas do Rio de Janeiro. Por outro lado, o trabalho do professor é bastante intenso.

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aula, etc. Diante desse cenário aqui apresentado brevemente, alguns professores expressavam suas insatisfações e exigiam melhores condições de trabalho.

Ainda em 2007, e até os dias de hoje, trabalho como professora de francês no curso Aliança Francesa. Para fazer parte do grupo de professores dessa associação, fiz um curso preparatório com duração de três semanas promovido pela própria instituição. Ao final delas, elaborávamos uma aula nos moldes dos ensinamentos da formação que tivemos. Vale a pena lembrar que nem todos os que participam dessa preparação são selecionados a trabalhar no curso. Se comparado à realidade das escolas, o ambiente de curso livre é mais tranquilo. Primeiramente, porque não há mais que quinze alunos por turma, as salas de aula são equipadas de data-show, computador, quadro interativo, aparelho de som e ar-condicionado. A maior parte do público-alvo frequenta as aulas porque deseja estudar francês e está ali com o objetivo de aprender o idioma, havendo raríssimos problemas de indisciplina. Entretanto, há uma cobrança extrema para que o professor prepare muito bem sua aula, crie muitas atividades dinâmicas, participe dos cursos de formação oferecidos pela Aliança, trabalhe aos sábados e esteja disponível para se locomover para qualquer uma das nove filiais do Rio de Janeiro, situadas em diferentes bairros como Barra da Tijuca, Recreio, Campo Grande, Botafogo, Ipanema, Copacabana, Centro, Tijuca e Del Castilho.

Em agosto de 2008, fui convocada pela Secretaria de Estado de Educação a assumir uma matrícula na rede após aprovação em concurso público no ano anterior. Para conseguir aprovação nesse exame, o candidato deveria acertar no mínimo trinta das sessenta questões de múltipla escolha. Dentre as sessenta questões, dez verificaram o conhecimento de Língua Portuguesa, dez testaram os conhecimentos pedagógicos, cinco avaliaram o conhecimento de legislação e trinta e cinco julgaram o conhecimento de Língua Francesa. Ao me apresentar na coordenadoria regional, fui informada de que teria que compartilhar três escolas para cumprir a carga horária de dezesseis horas semanais, ou seja, doze tempos em sala de aula. Entretanto, era de se esperar que isso acontecesse pois no mês de agosto, as vagas “ociosas” são poucas. O ideal seria ingressar no início do ano letivo, não só para alinhar o horário do professor ao da escola mas também para conhecer os alunos desde as primeiras aulas e estabelecer um ritmo de trabalho em conjunto.

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cinquenta alunos, a maioria com idade mais avançada do que a minha, com experiências de vida diferentes umas das outras, com outras preocupações e anseios, além do fato de lidar com alunos que trabalharam oito horas (ou mais) antes de chegar à sala de aula. O que mais me chamou a atenção foi o caráter disciplina. Durante as aulas, os alunos se comportavam muito bem, me respeitavam apesar de eu ser bem mais jovem do que eles. Apresentavam interesse em descobrir o francês e os aspectos dessa cultura. A aula transcorria sem ter que pedir silêncio ou colocar um aluno para fora de sala, como aconteceu muitas vezes comigo e outros colegas que trabalham no ensino fundamental e médio diurnos.

Por outro lado, senti que o foco das aulas tinha que ser outro, ou seja, diferente do público adolescente. Muitos alunos argumentavam que mal sabiam o português e que o francês seria ainda mais difícil. Diante desses comentários, pensei em partir para um trabalho de suporte à Língua Portuguesa. Nas primeiras aulas, trabalhava expressões de saudação, diálogos de apresentação, aspectos culturais. Em seguida, introduzia textos curtos e aplicava as técnicas de leitura instrumental junto aos alunos. Ao fim do ano letivo, vi alguns alunos progredirem e se encantarem com o francês. O problema é que no ano posterior esse aprendizado era interrompido, pois a língua oferecida para a série seguinte passava a ser o inglês ou o espanhol. Sobre as condições de trabalho, posso enfatizar que as escolas não dispunham de instalações próprias, já que eram compartilhadas com a rede municipal, as salas de aula eram compostas por cadeiras, quadro branco e alguns ventiladores, que ora funcionavam ora não, a situação dos banheiros também não era muito boa.

No que tange aos professores de disciplinas consideradas “essenciais”, e portanto, em maior número, muitos, como os professores de matemática, apesar de serem em quantidade bastante superior aos de língua estrangeira, não tinham um dia em comum para se encontrarem e refletirem sobre aspectos pedagógicos. Não havia preocupação em organizar o quadro de horário de maneira que colegas da mesma área e/ou de áreas afins pudessem se encontrar em um mesmo dia. No meu caso, por exemplo, em diversos momentos fui a única professora de francês da(s) escola(s) e não tinha com quem trocar experiências, elaborar provas, realizar planejamento anual, etc.

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porquê muitas vezes ficou sem estudar durante muitos anos consecutivos ou porquê chega à escola cansado de uma árdua jornada de trabalho e compreender que o ritmo de trabalho deve ser menos acelerado, até mesmo porque a carga horária das aulas é menor que a de um curso diurno.

Em 2011, fui também convocada a atuar na rede municipal. Dessa vez, a vaga era para professora de Língua Portuguesa, cabendo relembrar que desde 1992 não há concurso para professor de francês no município do Rio de Janeiro. Ao comparecer à coordenadoria regional, tive a sorte de encontrar uma escola de referência no bairro onde resido. A estrutura da escola era muito boa: equipe administrativa atuante, diretores presentes, integração entre pais e professores, merenda de qualidade, salas e banheiros limpos. A contrapartida era o número excessivo de alunos, quarenta e cinco em média, os ventiladores não eram suficientes para refrescar as salas, o trabalho exaustivo ao qual o professor era submetido, não só pela indisciplina dos alunos mas também pelos vários relatórios que deveriam ser preenchidos, por exemplo.

A questão salarial também era motivo de revolta entre os professores, os quais deveriam cumprir as mesmas dezesseis horas semanais, ou seja, doze tempos em sala de aula, mas a rede municipal demanda um maior engajamento do professor, fazendo com que ele elabore mais projetos pedagógicos, preencha formulários em que constem pormenores de sua preparação de aula e do desenvolvimento do aluno, atendimento aos pais com regularidade, etc. Talvez por essa razão o salário do professor da rede municipal seja mais elevado que o salário do professor da rede estadual. Aquela rede exige uma dedicação maior do professor para lidar com assuntos que extrapolam o espaço da sala de aula. Mais uma vez, me senti uma novata na arte de ensinar, já que nunca tinha trabalhado com Língua Portuguesa. No entanto, já havia tido experiência com os (pré) adolescentes e pude me servir dela para estabelecer um bom relacionamento com os alunos. Devo relatar que minha passagem nessa escola durou apenas três meses devido à aprovação em outro concurso.

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conseguirmos traçar um panorama de como é o trabalho do professor de francês na cidade do Rio de Janeiro, quais desafios ele precisa enfrentar e quais objetivos ele gostaria de alcançar.

Esta tese, portanto, conta com uma motivação particular baseada em observações que fiz em minha atuação enquanto professora em diferentes instituições de ensino no Rio de Janeiro. Dentre as instituições, estão elencados tanto colégios de prestígio social quanto aqueles com menos notoriedade.

Em muitos momentos, dentro dessas instituições, deparei-me com algumas reclamações recorrentes vindas de professores. Algumas delas tangiam à questão financeira, à carência de material para trabalhar, à falta de infraestrutura, à jornada intensa de trabalho, à desvalorização profissional, entre outras. Certamente, essas questões de cunho mais prático fazem parte do cotidiano de muitos professores, incluída aí minha própria experiência pessoal. Confesso ter ficado um pouco decepcionada ao ver que os professores de instituições de renome se queixavam de problemas semelhantes aos das outras instituições. Essa decepção é decorrente do fato de pensar que, para o professor de francês, o auge da carreira seria passar em um concurso para uma dessas escolas federais, considerando-se que o salário é mais alto que nas outras esferas públicas e que algumas dessas escolas ainda conservam certo prestígio na sociedade. Para outro grupo, talvez o ápice da carreira seja a de professor universitário. Entretanto, alguns fatores o distanciam desse objetivo. Dentre eles, o fato de que para seguir carreira acadêmica, exige-se, com muita frequência, que o candidato possua um diploma de doutorado e, infelizmente, muitos professores não dispõem de tempo para dar continuidade aos estudos.

Comecei então a questionar de onde viria esse prestígio, já que os problemas eram comuns e as queixas semelhantes. Falando em prestígio, pude notar que trabalhar no curso privado Aliança Francesa também era sinônimo de fascinação, de importância social, enquanto o trabalho nos outros cursos privados de língua não era tão bem reconhecido.

Minha experiência em diversas instituições permitiu-me sentir de perto esse reconhecimento/desprezo, essa indiferença da sociedade. Não entendia a razão dessa conceitualização, uma vez que eu achava que fosse a mesma professora, com a mesma formação, com os mesmos ideais, mas em ambientes distintos.

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dessa temática. Em Língua Espanhola e em Língua Inglesa, consegui descobrir alguns trabalhos, mas em Língua Francesa, poucas dissertações e teses abrangiam o trabalho desse profissional.

Nessa mesma época, estava pensando em começar o curso de doutorado. Não hesitei em propor à minha orientadora uma proposta tão desafiadora quanto à de querer analisar o trabalho do professor de Língua Francesa na cidade do Rio de Janeiro tendo em vista suas angústias e seu status social.

Em nossas pesquisas, pudemos notar que, nos últimos anos, a sala de aula foi objeto de estudo em diversas tentativas de melhor compreender as práticas educacionais, a aprendizagem escolar e a eficácia no ensino. Há alguns ensaios sobre metodologias de ensino, dissonâncias entre teoria e prática, reformulação de currículos, entre outros. Os resultados desses estudos apontam questões que merecem ser analisadas, tais como as políticas escolares, a formação inicial e continuada dos professores, bem como o trabalho do professor e o ambiente em que circula na execução de suas tarefas profissionais (MOITA LOPES, 1996; DAHER E SANT'ANNA, 2009; FREITAS, 2010; COSTA, 2012), etc.

Considerando-se que o trabalho, a linguagem e a vida humana estão intimamente relacionados e a todo instante passam por um processo de reelaboração e transformação, buscamos com essa pesquisa realizar um estudo sobre a formação identitária do professor de francês língua estrangeira atuante em um renomado curso de Língua Francesa e nas escolas públicas das esferas estadual, federal e municipal da cidade do Rio de Janeiro o qual, após concorrida seleção em concurso público, já inicia sua trajetória consciente da “crise educacional” – presente nos discursos midiáticos e pedagógicos, assim como no dia a dia escolar.

Para alcançar os objetivos propostos, seguiremos como primeiro passo metodológico a realização do mapeamento dos professores formados na cidade do Rio de Janeiro a partir do ano 2000 – que serão considerados em início de carreira – e professores que estejam, no máximo, há dez anos de se aposentar – que serão considerados em fim de carreira. Após essa inicial configuração do panorama no qual se insere o trabalho dos professores na cidade do Rio de Janeiro, os limites impostos pela presente investigação exigirão a definição de nossos sujeitos de pesquisa.

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professores de francês do Rio de Janeiro em início e fim de carreira poderá ser traçado, a fim de conhecer melhor esse profissional da educação em sua amplitude e contribuir para que algumas inquietações possam ser apaziguadas e novos rumos pleiteados.

Dentre os temas que se destacam no meio acadêmico no que tange às línguas estrangeiras, tais como manuais didáticos, estratégias de ensino-aprendizagem, compreensão leitora, identidade do professor, entre outros, indagamo-nos, portanto, quais razões têm levado alguns pesquisadores a estudar a questão da identidade do professor aliada ao seu campo de trabalho.

Decerto, a questão identitária do profissional aliada ao campo de trabalho merece destaque na presente tese, visto que é através da fala do professor sobre a sua atividade docente que esperamos recuperar possíveis sentidos que se inscrevem na realidade discursiva e que permitem o acesso a uma melhor compreensão da organização do trabalho.

De antemão, devemos considerar que, no atual contexto de mudanças culturais, sociais, econômicas, políticas e tecnológicas, a temática das identidades vem ganhando espaço. Amplamente debatida na área das ciências sociais, a chamada “crise da identidade” associada à ideologia da globalização é vista como parte de um processo de mudança que, segundo Stuart Hall (1998, p. 7), “está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social”. O enfrentamento da heterogeneidade da vida humana e a tentativa de compreender as grandes transformações aludidas anteriormente possibilitam que o interesse pelas questões identitárias da vida social contemporânea conquiste um lugar de destaque, tanto nas diversas disciplinas acadêmicas, como nos meios midiáticos (MOITA LOPES, 2003).

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...a questão do aperfeiçoamento não é mais um empreendimento coletivo, mas individual; são homens e mulheres individuais que as suas próprias custas deverão usar, individualmente, seu próprio juízo, recursos e indústria para elevar-se a uma condição mais satisfatória e deixar para trás qualquer aspecto de sua condição presente de que se ressintam. (BAUMAN, 2001, p.155)

Nesse sentido, a questão do êxito profissional, nos dias atuais, é deslocada para o âmbito da vida pessoal, isto é, trata-se, sobretudo de um empreendimento individual, cujas supostas conquistas ou derrotas são atribuídas ao esforço de cada um. Segundo Bauman (2001), em tempos de enorme instabilidade e precariedade das condições de trabalho, este, elevado ao posto de principal valor na modernidade, perde cada vez mais o seu status de eixo seguro em torno do qual se envolviam identidades e projetos de vida, dando lugar a sua utilização precária e de curto prazo.

Em nosso país, as precárias condições de trabalho atingem de uma forma aguda os profissionais da educação. Neste caso, tal precariedade não se dá exclusivamente no âmbito da remuneração financeira, mas também no das condições básicas oferecidas para que o trabalho se realize. Referimo-nos à precariedade das condições sociais em sentido mais amplo que se reproduzem no ambiente da escola e no contexto em que ela se insere de várias maneiras.

É diante deste panorama, designado por Coracini (2003, p. 14) como uma época em que “a identidade do sujeito-professor parece perdida em um contexto de perdas – perda de poder aquisitivo, perda de reconhecimento, perda de respeito, perda de ânimo...”, que consideramos como desafio refletir sobre os traços da identidade profissional do professor de francês.

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formação do alunado, a começar pela carga horária, pela distribuição dos horários e por sua falta de destaque durante os “famosos” Conselhos de Classe, momento esse em que professores e coordenadores pedagógicos discutem sobre o rendimento escolar dos alunos.

Um outro exemplo é o do concurso para professores realizado no Estado do Rio de Janeiro em 2008. Além das poucas vagas oferecidas para a disciplina em questão, alguns diretores de escolas se recusaram a receber concursados, alegando que aceitariam somente professores de inglês ou espanhol. Nesse sentido, há um consenso de que o “tempo” do francês já passou, que sua fase áurea se extinguiu. Isso nos faz pensar na existência de diferenças identitárias e discursivas entre o professor de inglês, de espanhol e de francês. A constatação de que o francês está démodé também foi feita pelos órgãos responsáveis pelo Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM), que limitou a opção de língua estrangeira em inglês e espanhol nos anos de 2010, 2011 e 2012. Infelizmente as provas a serem aplicadas em outubro de 2013 também não oferecerão a Língua Francesa dentre as opções de língua estrangeira. Em contrapartida, para minha surpresa, a recepção do francês pela maioria dos alunos das escolas da rede estadual em que trabalho é bastante satisfatória. De uma maneira geral, os alunos do curso noturno são interessados e têm consciência de que o mercado de trabalho está cada vez mais exigente quanto à qualificação do profissional.

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opção de estudo de apenas uma língua estrangeira, que elegia o inglês devido à influência norte-americana, é não perceber qualquer modificação benéfica na vida dos alunos. Nas palavras do próprio autor:

... Não fora melhor, por uma vez, deixar as coisas como estão, ou então modificar não as matérias do ensino, mas os seus métodos? Tínhamos a sorte de existirem em nossos programas duas línguas-chaves, poderosos veículos de cultura, não ligados a nenhum forte bloco de imigrantes e incapazes, pois, de ajudar a formação de quesitos resistentes ao abrasileiramento; meios de expressão de duas civilizações de efeitos fecundos enquanto se completam e se equilibram, ligando-nos à Europa e à América, harmonizando o antigo e o novo, fundindo tradições e amizades. Se não estivesse ao nosso alcance, teríamos de inventá-los. (RÓNAI, 1992, p. 64)

Aliás, Pierre Bourdieu (1970, 2008) também fez uma crítica feroz à estrutura escolar meritocrática e democrática que supunha que por meio da escola pública todos os indivíduos concorreriam com condições iguais e aqueles que se destacassem ocupariam carreiras de destaque na hierarquia social, supondo assim a existência de uma escola “neutra” que faria sua seleção de forma “racional”. Bourdieu questionou as ações pedagógicas no contexto escolar, ressaltando que essas ajudavam a reproduzir a cultura dominante e reforçavam suas relações de força, legitimando a desigualdade entre as classes. Ao fazer essa constatação, o autor aponta a necessidade de uma análise mais aprofundada do currículo escolar, dos métodos pedagógicos e da avaliação escolar.

... Se não é fácil perceber simultaneamente a autonomia relativa do sistema de ensino e sua dependência relativa à estrutura das relações de classe é porque, entre outras razões, a percepção das funções de classe do sistema de ensino está associada na tradição teórica de uma representação instrumentalista das relações entre Escola e as classes dominantes, enquanto que a análise das características de estrutura e de funcionamento que o sistema de ensino deve à sua função própria tem quase sempre tido por contrapartida a cegueira face às relações entre a Escola e as classes sociais, como se a comprovação da autonomia supusesse a ilusão da neutralidade do sistema de ensino. (BOURDIEU e PASSERON, 2008, p. 229)

Em relação à “extinção” da Língua Francesa, há um paradoxo latente. Nunca vimos tantas empresas francesas investindo no Brasil, e até mesmo instalando aqui suas filiais, tais como Carrefour, Sanofi-Aventis, Peugeot Citroën, Renault, Medley e outras 4951, o que demanda profissionais qualificados que tenham domínio dessa língua estrangeira. Além da crescente procura por cursos de Pós-Graduação que solicitam o conhecimento instrumental de línguas estrangeiras, sendo em alguns casos, a Língua Francesa. Citamos ainda que a flexibilidade das universidades francesas em receber alunos estrangeiros tem atraído muitos

1 Dado fornecido pelo diretor-geral no Brasil da Ubifrance (Agência pública Francesa para o Desenvolvimento

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brasileiros. Para visualizarmos em números, o que estamos dizendo, 40% dos convênios assinados entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro e as instituições estrangeiras com as quais estabelece o intercâmbio de alunos foram firmados com a França, segundo os dados veiculados pelo Setor de Convênios e Relações Internacionais da UFRJ (SCRI) no ano de 20112. Não podemos negligenciar que parte desse resultado tem a ver com o fato de as universidades francesas não cobrarem taxas (mensalidades) dos alunos brasileiros oriundos de universidades parceiras. De qualquer forma, a atração com a França continua a se fazer presente.

Há pois uma crescente procura pelo idioma cujo estudo, no passado, estava aliado ao poder aquisitivo do interessado, sendo consensual a opinião de que somente ricos e cultos escolhiam tal língua. Entretanto, atualmente, vemos a política de expansão das Alianças Francesas, apostando fortemente em áreas jamais atendidas, como nos bairros de Del Castilho, Barra da Tijuca e Recreio, e a reabertura de filial de Campo Grande, que conheceram enorme sucesso.

Mesmo diante de algumas afirmações, que aqui não julgamos verdadeiras ou falsas, não queremos pensar o professor, mais especificamente os dedicados ao ensino da Língua Francesa como língua estrangeira na cidade do Rio de Janeiro, como vítima das políticas educacionais. Optamos por pensar de que modo ele tem dialogado com essas vozes que desvalorizam seu trabalho.

Acreditamos que investigar como os professores de francês rememoram seu processo de aprendizagem da Língua Francesa: os manuais utilizados, os métodos, as habilidades desenvolvidas, a ênfase em tal ou qual habilidade, o que a aprendizagem do francês representava para eles (à época) e a importância desse aprendizado para sua trajetória profissional e mesmo existencial, fazendo um mapeamento da mentalidade que os caracteriza, nos ajudaria a recuperar possíveis saberes que se entrelaçam na criação dos traços da identidade profissional desse professor e dialogam com a trajetória docente. Em outro âmbito, desenvolver o mesmo trabalho com professores de Língua Francesa em início de carreira nos faria projetar uma “memória do futuro”, visando assim reconstruir as relações entre as práticas linguageiras que constituem o mundo do trabalho, de tal modo que novos saberes possam constituir o trabalho dos docentes que iniciam sua trajetória profissional.

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Ao propor uma análise acerca da construção identitária, esperamos contribuir para a compreensão dos traços da identidade profissional do professor de língua estrangeira, promover o conhecimento de assuntos ligados ao ensino e ao professor de língua estrangeira em diferentes etapas da vida profissional e colaborar para o desenvolvimento teórico e metodológico de pesquisas voltadas para a recuperação de “sentidos” através da fala do trabalhador sobre o seu ofício.

Ao trazer as vozes dos professores para esse trabalho através dos autorrelato, seremos levados a conhecer as impressões desse profissional em relação a sua prática pedagógica ao longo da história bem como recuperar os discursos circulantes na sociedade e nos documentos oficiais norteadores do ensino, permitindo-nos assim fazer um mapeamento da representação imaginária do tema sob o olhar daquele que fala sobre o seu próprio agir, sobre o seu próprio trabalho.

Para o desenvolvimento deste trabalho, propomos uma organização em cinco capítulos. Iniciando a discussão, trazemos, no segundo capítulo, alguns aspectos teóricos sobre a questão identitária à luz da análise do discurso de base enunciativa, sobretudo levando em consideração a atividade do profissional de Língua Francesa. Teremos como apoio alguns princípios preconizados por Patrick Charaudeau (1992, 1993, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009), sobretudo no que tange aos conceitos de linguagem, discurso e identidade.

No terceiro capítulo, abordamos, em uma perspectiva discursiva da linguagem, o que dizem os documentos oficiais que norteiam o ensino em nosso país no que tange ao ensino de língua estrangeira e ao papel do professor, fazendo-os dialogar com os conceitos trazidos por Pierre Bourdieu (1970, 1979, 1982, 1994, 1998), tais como violência simbólica, capital cultural e habitus. Resgataremos o conceito de globalização, de maneira geral, segundo o olhar de Jameson (2001). Em um segundo momento, discutiremos a presença deste conceito nas entrelinhas dos documentos prescritivos cujas propostas estão relacionadas à implementação de abordagens metodológicas “inovadoras” como condição essencial para o sucesso do aluno e da Educação, atribuindo mais uma vez ao professor a responsabilidade pelo processo educativo.

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A entrevista, concebida como um dispositivo metodológico capaz de propiciar a fala dos professores sobre seu trabalho (LACOSTE, 1998), ocupa lugar de destaque na presente investigação. Seguindo a concepção dialógica da linguagem (BAKHTIN, 1992, 2000), nessa etapa, não temos como objetivo a revelação de verdades encobertas, mas propiciar um espaço de diálogo entre pesquisador / trabalhador e mais, um diálogo entre os possíveis sentidos que constituem os discursos – anteriores à situação de entrevista- sobre o trabalho do professor. Em seguida, durante a atividade de coleta de dados propriamente dita, os enunciadores leram textos sobre a temática da educação e exprimiram sua opinião sobre o assunto, além de responderem a um questionário por escrito narrando suas práticas enquanto docentes.

No quinto capítulo, examinamos os dados obtidos nas entrevistas à luz de Patrick Charaudeau (2008) e os diferentes procedimentos de enunciação aliados aos modos de organização discursivos, relacionando esses dados às questões que aqui trazemos e aos objetivos dessa pesquisa e apontando possíveis traços da construção da identidade do profissional da educação.

Concluímos expondo uma comparação entre os diferentes grupos de colaboradores da pesquisa, comentando o papel do professor nos dias de hoje.

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Nesse capítulo, temos como objeto de interesse promover a discussão sobre o conceito de identidade. Não temos a ambição de defini-lo nem de trazer informações conclusivas, já que esse é “demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco compreendido na ciência social contemporânea para ser definitivamente posto à prova.” (Woodward, 2000). Tentaremos expor a opinião de alguns autores acerca desse tema e aliá-las ao nosso objeto de estudo, buscando assim desvelar pedaços do “mosaico” constituintes da identidade do professor de francês na cidade do Rio de Janeiro.

Logo de início, nos deparamos, dentre as perspectivas identitárias, com o embate existente entre a abordagem essencialista e a abordagem não essencialista (Woodward, 2000). Para os essencialistas, a identidade é fixa, imutável. O sujeito nasce com uma identidade e ao longo de sua vida permanece com ela, unificada e estável. Dessa concepção provém o desejo de querer “desvendar” a identidade do sujeito. Vale lembrar que no Iluminismo o sujeito era visto como indivíduo dotado de razão, de consciência e cujo centro era a sua identidade. Dessa inspiração deve ter nascido a corrente essencialista.

Rebatendo essa corrente com pressupostos “individualistas”, a contracorrente surge para revelar uma nova face do sujeito. Os não essencialistas defendem a ideia de sujeito fragmentado, composto de inúmeras identidades, até mesmo contraditórias. A identidade é vista como algo em construção, mutável de acordo com as relações do sujeito com o mundo. Também podemos destacar que essa forma de conceber a identidade está pautada na ideia de sujeito pós-moderno, variável, problemático. Segundo Hall (1998), o sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando-nos para diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas.

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de diferentes culturas, as identidades terminariam se desvinculando, se fragmentando, não podendo mais se pensar em uma identidade completa, segura.

Assim, a globalização poderia ser vista como um processo capaz de modificar contextos, de romper barreiras locais e atravessar as fronteiras nacionais, integrando e conectando culturas, tornando o mundo mais interconectado.

Decerto que as recentes reformas no modelo educacional levaram em consideração as premissas do “mundo moderno” decorrentes do fenômeno da globalização. Dentre as preocupações que tangenciam a Educação no país, uma das inquietações latentes nesse momento para os estudiosos deste campo é descobrir como a escola se adequará a esse novo perfil de alunado e de que meios disporá para preparar o profissional da educação para essa nova realidade.

Com o avanço tecnológico, as tecnologias da educação e da informação estão fortemente presentes na vida de grande parte dos cidadãos. Crianças e jovens são habituados a ter contato com equipamentos tecnológicos desde cedo e esses acabam se tornando “indispensáveis” às suas vidas. Com isso, os alunos criam a expectativa de que a escola se tornará um laboratório de alta tecnologia, que as salas de aula serão equipadas com os mais modernos recursos didáticos e que o professor dominará todas as ferramentas colocadas à sua disposição com facilidade.

Entretanto, esse modelo de escola ainda está bastante distante da realidade da maioria dos alunos brasileiros. Certamente que a escola brasileira precisa estabelecer estratégias que mobilizem o aluno a ter interesse pelos estudos, que dialogue com as expectativas do seu público-alvo. Os documentos oficiais que norteiam o ensino no país têm abordado essa questão e reconhecem a necessidade de renovação, de modificação no sistema escolar. Porém, na prática, o professor acaba sendo responsabilizado pelo fracasso no ensino por não conseguir despertar o interesse do aluno, por não ministrar uma aula “espetacular”. Todavia, o que não se comenta é que o professor não recebeu formação para lidar com esse novo público nem dispõe de recursos e tempo para preparar uma aula nos moldes dos textos prescritivos sobre Educação.

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autores, não se deve falar em identidade, uma vez que o sujeito é plural, composto de inúmeras identidades. Assim, em cada situação e momento da vida, o sujeito assume diferentes identidades. Para Hall (2000, p. 109), as identidades se constroem dentro do discurso, “locais históricos e institucionais específicos, no interior de formações e práticas discursivas específicas.”.

Seguindo a orientação de Hall, é chegado o momento de introduzirmos os estudos das identidades do sujeito do ponto de vista discursivo. Tomando por base a teoria de Patrick Charaudeau e seu trabalho na área de análise do discurso de base enunciativa, buscamos em sua obra textos que abordassem a questão identitária.

No artigo Identidade social e identidade discursiva, o fundamento da competência comunicativa (2009), Charaudeau postula a existência de um sujeito construído por dois tipos de identidade: a social e a discursiva. Segundo Charaudeau, identidade é o que permite ao sujeito tomar consciência de sua existência, implicando assim a tomada de consciência de si mesmo. Para ele, o sujeito se constrói através de sua identidade discursiva mas explica que a mesma é proveniente de uma identidade social, ou seja, a identidade discursiva se constrói na base da identidade social.

Seguindo essa linha de raciocínio, para que haja essa tomada de consciência, o sujeito precisa perceber que é diferente em relação ao outro. Após essa constatação, sua consciência identitária poderá vir à tona, visto que ele vai “ser o que o outro não é”– e quanto mais forte for essa consciência do outro mais fortemente se construirá a sua própria identidade. Eis o princípio da alteridade. Vale a pena ressaltar que essa relação ao outro poderá fazê-lo se reconhecer semelhante ou diferente.

Para que um se reconheça como semelhante ao outro, é preciso que compartilhem as mesmas motivações e intenções, ainda que parcialmente. Ao contrário, para que o sujeito se reconheça como diferente do outro, é preciso que cada um desempenhe o seu papel com intenções diferentes das do outro. Pensamos, como ilustração para essa explicação, em um contexto acadêmico em que ocorra uma palestra. O palestrante tem a intenção de trazer alguma informação nova e o participante a de aprender algum dado novo.

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o que está buscando debater, que “não há eu sem tu, nem tu sem eu, o tu constitui o eu.” (Charaudeau, 2009, p. 309)

Sem dúvida que o sujeito, ao analisar o outro e se reconhecer diferente, vai iniciar um processo de atração e de rejeição ao outro. O de atração porque tenha desejado ser como o outro, de se reconhecer inacabado. No entanto, ao se perceber imperfeito, poderá se sentir ameaçado, uma vez que o outro é o que ele não é, deixando-o inseguro, o que gera o processo de rejeição.

Woodward (2000) comenta uma história contada pelo escritor e radialista Michael Ignatieff ocorrida na antiga Iugoslávia, em que servos e croatas, dois povos com mais de cinqüenta anos de unidade política e econômica, continuam se considerando “inimigos”. Ao conversar com um miliciano sérvio, descobriu que a razão desse conflito provém do fato de os croatas se postularem melhores que os sérvios apesar de “serem os mesmos”. No entanto, o soldado sérvio reconhece que ambos pertencem a uma mesma unidade nacional, já que “são os mesmos” mas não se reconhecem “os mesmos” no dia a dia pois cada grupo apresenta suas particularidades. Dentre essas, ele cita que soldados croatas fumam cigarros croatas e soldados sérvios fumam cigarros sérvios. Mais uma vez notamos que os símbolos marcam a identidade. Logo, a identidade sérvia depende da identidade croata para existir, pois ser um sérvio é ser um não croata. Aí reside a diferença, diferença essa pautada na negação da existência de traços comuns às duas identidades.

Segundo Silva (2000), não há como definirmos identidade sem pensar na diferença pois “a diferença é parte ativa da formação da identidade”. Nesse sentido, ao definirmos “o que somos” deixamos claro também “aquilo que não somos”. Por isso, ao delimitarmos essa fronteira, acabamos por demarcar uma relação de poder entre “nós” e “eles”.

É nessa situação contraditória que se constrói a identidade. Precisamos do outro em sua diferença para nos darmos conta de nossa existência. Porém, para nos sentirmos menos ameaçados, tentamos ser semelhante ao outro ou tentamos rejeitá-lo, o que eliminaria a diferença. Nos dois casos há um risco direto na construção da identidade do sujeito, pois ao rejeitar o outro, elimina-se a diferença que é fundamental para que o sujeito defina sua identidade, e ao se assemelhar ao outro, perca sua própria consciência identitária. Daí, podemos notar que o conceito de identidade não é tão simples assim de ser definido.

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existe em consonância com duas outras noções: as de sujeito e de alteridade. Para sujeito, entende-se que haja a existência de um ser pensante que diz “eu” e para alteridade, conforme havíamos citado anteriormente, postula-se que não haja consciência de si sem consciência da existência do outro e que é na diferença de “si” e do “outro” que se constitui o sujeito.

Ao se relacionar a noção de identidade com a de sujeito falante, podemos dizer que esse sujeito se caracteriza por um número de traços que lhe conferem uma identidade enquanto produtor de um ato de fala, ou seja, os traços característicos da identidade social e da identidade discursiva é que vão construir uma identidade para esse sujeito.

Vislumbrando melhor compreensão sobre os traços de identidade citados acima, faremos uma breve explicação sobre as particularidades intrínsecas à identidade social e identidade discursiva, segundo Patrick Charaudeau (2009).

2.1 IDENTIDADE SOCIAL E IDENTIDADE DISCURSIVA

A identidade social precisa ser reconhecida pelo outro e é ela que confere a legitimidade ao sujeito. O outro tem que reconhecer no sujeito alguém que tem a propriedade de agir ou falar daquela maneira. Para ilustrar, citamos um exemplo: o professor de francês foi formado para utilizar a Língua Francesa, seja para falar, para escrever, para ouvir ou para produzir um texto e para ensiná-la. Quando um professor entra em sala de aula, o aluno pressupõe que aquele sujeito é detentor de um saber, que possui um diploma naquela área, o que o legitima. Digamos que o professor não tenha aprendido a fonética da Língua Francesa durante sua formação e que tenha dificuldades na pronúncia. A legitimidade desse professor poderia ser questionada. Segundo Charaudeau (2009), a profissão está protegida pelas regras da instituição.

Há ainda outro tipo de legitimidade, aquela que é atribuída a alguém por demonstração de um “saber fazer”. Por exemplo, poderíamos citar o caso de um pedreiro que salva uma pessoa vítima de um alagamento. Ele será reconhecido como herói, ainda que não seja um integrante do corpo de bombeiros.

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A identidade discursiva é construída pelo sujeito falante, que deve ter consciência de como deverá articular seu discurso para se adequar a determinada situação de comunicação. Dentro de cada contrato de comunicação, os participantes podem recorrer a certas estratégias discursivas numa tentativa de consolidar o seu projeto de fala, atingindo assim suas metas em relação aos seus interlocutores e construindo sua identidade discursiva. Charaudeau informa que existem inúmeras estratégias, não excludentes, mas prefere reuni-las em dois grupos: de credibilidade e de captação.

A estratégia de credibilidade impõe ao sujeito falante a necessidade de defender a sua imagem perante o outro, se fazendo digno de que o outro deposite nele sua confiança, sua crença. Ele precisa lançar mão de algumas atitudes discursivas para “ser levado a sério” pelo outro, tais como:

- Atitude de neutralidade: o sujeito falante tenta eliminar do seu discurso qualquer traço de avaliação pessoal ou de julgamento;

- Atitude de distanciamento: o sujeito falante tenta não esboçar nenhum sentimento em relação aos fatos, agindo de forma controlada e mecânica;

- Atitude de engajamento: o sujeito falante tenta optar por uma tomada de posição ao escolher seus argumentos e palavras na busca pela persuasão do outro.

A estratégia de captação visa a que o sujeito falante convença o outro de sua intenção, fazendo-o compartilhar de suas opiniões. Para o êxito dessa estratégia é crucial que ambos os participantes do ato comunicativo estejam em relação simétrica, ou seja, que um não ocupe uma posição de hierarquia superior a do outro. Caso isso acontecesse, bastaria atribuir-lhe uma ordem para que fosse prontamente cumprida. Nessa tentativa de convencer o outro, o sujeito pode fazê-lo recorrer à razão, pelo caminho da persuasão ou fazê-lo sentir, através do recurso da sedução. Nesse sentido, o sujeito falante poderá recorrer a outras atitudes discursivas, tais como:

- Atitude polêmica: o sujeito falante tenta apagar do seu discurso possíveis argumentos que poderiam ser refutados pelo outro, evitando assim uma situação de conflito;

- Atitude de sedução: o sujeito falante tenta aproximar o seu discurso da realidade do outro, fazendo com que ele se sinta um personagem importante;

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Assim, a identidade discursiva está pautada na organização enunciativa do discurso, na manipulação dos imaginários sócio-discursivos, é como se o sujeito pudesse fazer suas próprias escolhas para definir a sua identidade, mas essa está, a todo o momento, atrelada aos fatores que constituem a sua identidade social.

2.2 O CONCEITO DE ETHOS NA TEORIA DE PATRICK CHARAUDEAU

Importante trazermos para essa discussão o conceito de ethos. Assim como Patrick Charaudeau, Benveniste, Goffman e Kerbrat-Orecchioni também não haviam feito uso desse conceito. Em 1984, Oswald Ducrot integra esse termo às ciências da linguagem dentro da teoria polifônica da enunciação. Para ele, o ethos corresponderia à imagem do locutor como ser do discurso. Entretanto, em 2005, Charaudeau retoma esse termo dando-lhe nova significação, questionando se ele se aproximaria da imagem projetada pelo locutor ou pelo enunciador, sendo este ligado à imagem projetada e aquele ao ser de palavra, conforme descreveremos no item 2.4 no qual apresentaremos o contrato de comunicação. Segundo este autor, o ethos está relacionado com o cruzamento de olhares, tanto o olhar do outro em relação ao que fala quanto ao olhar daquele que fala em relação à forma como imagina ser visto por seu interlocutor. Não podemos ignorar que o interlocutor muitas vezes se apoia em dados pré-existentes ao discurso para construir a imagem do sujeito falante e em outros dados trazidos pelo próprio ato de linguagem, visto que, nas palavras do próprio autor:

A finalidade do ato de linguagem (tanto para o sujeito enunciador quanto para o sujeito interpretante) não deve ser buscada apenas em sua configuração verbal, mas, no jogo que um dado sujeito vai estabelecer entre esta e seu sentido implícito. Tal jogo depende da relação dos protagonistas entre si e da relação dos mesmos com as circunstâncias de discurso que os reúnem. (CHARAUDEAU, 2006, p.24)

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Faremos, a seguir, uma breve exposição dos modos de organização do discurso buscando mostrar a presença do modo enunciativo em todos os outros. Vale a pena esclarecer que de acordo com as finalidades discursivas do ato de comunicação, o sujeito se utilizará de categorias de língua agrupadas em quatro modos de organização: Enunciativo, Descritivo, Narrativo e Argumentativo.

2.3 OS MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO

Para melhor entendermos os modos de organização do discurso, recorremos à

Grammaire du sens et de l’expression (1992) de Patrick Charaudeau. Para esse autor, os modos de organização do discurso constituem os princípios de organização da matéria linguística, princípios que dependem de uma finalidade comunicativa própria do locutor, podendo ter como finalidades uma descrição, uma narração ou uma argumentação. Para Charaudeau (Patrick Charaudeau, verbete modo de organização do discurso”. In: Charaudeau, P. e Maingueneau, D, 2004, p. 337-338), trata-se de “distinguir as operações linguageiras que são postas em funcionamento em cada um dos níveis de competência: o nível situacional de reconhecimento das coerções psico-sócio-discursivas da situação de comunicação; o nível discursivo dos modos de organização; o nível semiolingüistico da composição textual.”

Em relação ao modo de organização enunciativo, o autor o define como aquele que organiza as categorias da língua ordenando-as quanto à posição do locutor em relação ao interlocutor, em relação a ele próprio e em relação aos outros. Este modo está sempre presente, articulando-se aos outros três modos de organização, argumentativo, descritivo e narrativo, e os comanda. O locutor, a partir do conhecimento sobre os contratos de comunicação, deverá saber como se portar em cada situação pressupondo a existência de um TU para quem ele fala. Há três maneiras de posicionamento do locutor quanto à situação de comunicação:

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ELOCUTIVA: o locutor situa seu propósito em relação a si mesmo, sem envolver seu interlocutor. As formas linguísticas, como pronomes em 1ª pessoa e o uso de frases exclamativas são comuns neste tipo comportamento;

DELOCUTIVA: o locutor tenta se afastar do propósito, fazendo com que este se imponha como tal. A utilização da forma impessoal ou o uso da terceira pessoa identificam este comportamento.

Segundo Charaudeau (2008), no comportamento ALOCUTIVO, o sujeito falante se enuncia em posição de superioridade ou inferioridade em relação ao seu interlocutor. Visando cumprir seu propósito, este comportamento se utiliza de categorias modais de Interpelação (IP), Injunção (IJ), Autorização (AT), Aviso (AV), Julgamento (JG), Sugestão (SG), Proposta (PP), nas quais o locutor se coloca em posição de superioridade em relação ao seu interlocutor e as categorias de Interrogação (IT), Petição (PT), colocando-se em uma relação de inferioridade em relação ao seu interlocutor.

Para o autor, o ponto de vista do sujeito falante sobre o mundo (ELOCUTIVO) pode ser especificado como:

-Ponto de vista do modo de saber, que especifica de que maneira o locutor tem conhecimento de um Propósito. Corresponde às modalidades de “Constatação” e de “Saber/Ignorância”.

- Ponto de vista de avaliação, que especifica de que maneira o sujeito julga o propósito do enunciado. Corresponde às modalidades de “Opinião” e de “Apreciação”.

- Ponto de vista de motivação, que especifica a razão pela qual o sujeito é levado a realizar o conteúdo do Propósito referencial. Corresponde às modalidades de “Obrigação”, “Possibilidade” e “Querer”.

- Ponto de vista de engajamento, que especifica o grau de adesão ao Propósito. Corresponde às modalidades de “Promessa”, “Aceitação/Recusa”, “Acordo/Desacordo”, “Declaração”.

- Ponto de vista de decisão, que especifica tanto o status do locutor quanto o tipo de decisão que o ato de enunciação realiza. Corresponde à modalidade de “Proclamação”.

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Aceitação/Recusa (AR), Concordância/Discordância (CD), Declaração (D), Proclamação (PC).

O ponto de vista em que o sujeito falante testemunha a maneira pela qual os discursos de terceiros se impõem a ele (DELOCUTIVO) pode ser analisado pelo seu modo de dizer, seja enquanto asserção ou discurso relatado. A primeira estaria relacionada à maneira de apresentar o propósito e a segunda dependeria da posição dos interlocutores, das maneiras de relatar um discurso já enunciado e da descrição dos modos de enunciação de origem.

Para o comportamento delocutivo, as categorias modais priorizadas para a asserção são as mesmas do comportamento elocutivo, exceto as de Promessa, Concordância e Proclamação, visto que essas implicam um parecer subjetivo do locutor. Porém, nesse comportamento, o ser falante se distancia do discurso, não expressando assim sua própria opinião. No que tange ao outro viés do delocutivo, o discurso relatado, poderíamos analisá-lo a partir da posição dos interlocutores e pela maneira de relatar (discursos citado (DC), integrado (DI), narrativizado (DN) e evocado (DE)). Para melhor compreendermos o discurso relatado, faremos agora uma breve apresentação sobre as diferentes maneiras pelas quais um discurso pode ser relatado por seu locutor:

a) Discurso citado: o discurso de origem é citado quase que em sua integralidade através dos recursos dos dois pontos e das aspas, também conhecido como “estilo direto”;

b) Discurso integrado: o discurso de origem é parcialmente integrado ao relato do locutor, sem a utilização dos recursos dos dois pontos e das aspas, também conhecido como “estilo indireto” ou “estilo indireto livre”;

c) Discurso narrativizado: o discurso de origem se integra totalmente, ou mesmo desaparece no dizer daquele que relata. Nas palavras de Charaudeau (2008), o locutor de origem torna-se o agente de um ato de dizer;

d) Discurso evocado: o discurso de origem aparece como um dado evocador do que o locutor de origem disse, seja através dos recursos das aspas, dos travessões ou parênteses.

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O modo narrativo permite “organizar a sucessão das ações e dos eventos nos quais os seres do mundo estão implicados” (CHARAUDEAU e MAINGUENEAU, 2004, p. 338). Para haver narração, é necessária a presença de um narrador que queira transmitir alguma coisa a alguém, sendo este alguém seu destinatário, e que haja um contexto para o desenvolvimento de uma seqüência de ações que se encadeiam progressivamente. O modo de organização narrativo organiza o mundo de uma maneira sucessiva e contínua, em uma lógica cuja coerência é marcada pelo seu início e fim. A lógica narrativa conta com três componentes:

1 - ACTANTES : Segundo o Dicionário de Análise do Discurso (2004, p. 33), o termo actante serve para designar os diferentes participantes que estão implicados em uma ação e que têm nela um papel ativo ou passivo. Dentre os actantes, temos aqueles diretamente ligados à ação: AGENTE (aquele que executa a ação) e o PACIENTE (aquele que sofre a ação). A partir dessa diferenciação feita em relação à postura do actante frente à ação principal, Charaudeau (2008, p. 162-163) propõe que o agente pode executar a ação atuando como:

Agressor

– comete um malefício

Benfeitor

– transmite um benefício;

Aliado

– associa-se a um outro actante para auxiliá-lo ou defendê-lo, seja agindo diretamente sobre o adversário do actante, seja agindo ao mesmo tempo que este.

Oponente

– contraria os projetos e as ações de um outro actante;

Retribuidor

– oferece a outro actante uma recompensa ou punição.

Segundo o autor das categorias, os papéis acima mencionados podem ser realizados de maneira a) VOLUNTÁRIA (consciente); b) INVOLUNTÁRIA (inconsciente); c) DIRETA (afrontamento direto) e d) INDIRETA (por meio de fingimento ou de intermediário).

Entretanto, se o actante sofre a ação, ele a recebe como:

Vítima

– é afetado negativamente pela ação de um outro actante.

Referências

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