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O Ensino de FLE no presente e no futuro

No documento [ – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 151-157)

3. OS DOCUMENTOS OFICIAIS E OS REGIMES DE VERDADE

5.2 DISCURSOS SOBRE O ENSINO DE FRANCÊS COMO LÍNGUA

5.2.2 O Ensino de FLE no presente e no futuro

Nosso objetivo com a segunda pergunta do nosso bloco temático – E hoje, o que mudou? E no futuro, o que poderá mudar? – era o de conhecer o posicionamento dos profissionais da educação em relação ao futuro, visando assim estabelecer um contraponto com a situação do presente. Buscávamos resgatar nas falas deles traços do ensino de FLE na atualidade que deveriam se preservar no futuro, ou ao contrário, traços que deveriam desaparecer por terem a ineficácia comprovada. Destarte, acreditávamos que aspectos voltados para a prática docente, para as metodologias de ensino, para o público alvo, entre outros, pudessem vir à tona. Assim como fizemos com a massa de texto produzida pela pergunta anterior (seção 5.2.1), conduziremos nossa análise sob a ótica narrativa por julgarmos que nossos enunciadores narrarão suas experiências enquanto docentes e farão projeções futuras sobre o ensino de FLE.

Nessa perspectiva narrativa, poderíamos dizer que nossos enunciadores demonstram em seus autorrelatos certa insatisfação relacionada ao modelo de sala de aula que frequentaram enquanto alunos e ao modelo de sala de aula com o qual se deparam quando assumem o posto de docentes. Esses enunciadores narram suas experiências e até apontam hipóteses de fatores que teriam contribuído com essa perda de espaço do francês, sobretudo nas escolas situadas na cidade do Rio de Janeiro.

Estado Inicial Busca Estado Final

Enunciadores E, V, B, R, N, W, M e A. Insatisfação em relação ao cenário de ensino/ aprendizagem de francês. Identificar nessas comparações entre passado

e presente fatores que possam ter levado o ensino

de Língua Francesa ao desprestígio e apontar possíveis mudanças qualitativas para o futuro.

Êxito

Nas palavras dos enunciadores (exemplos de 46 a 53), vejamos o que têm a dizer sobre a realidade do ensino de francês nos dias de hoje e que projeções fazem acerca desse ensino.

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Exemplo 46: “Eu espero que possa haver mudança. Tem uma parte que precisa ser feita pelo

professor mas sem uma ajuda da escola é impossível. O ideal seria dividir a turma para as aulas de língua estrangeira com no máximo 15 alunos, ter uma sala específica para as aulas, uma estrutura mais propícia, um data show.” (enunciador E)

Exemplo 47: “Eu acho que teremos uma aparelhagem de som, data show e de DVD em nossa sala de

aula e não teremos que procurar uma sala que é disputada por vários professores de várias disciplinas que tenha esses equipamentos. A sala de aula continua sendo quadro de giz, ou quando tem o quadro branco não tem conservação, a carteira é desconfortável. Essa sala de aula é a mesma há 23 anos, nada mudou.” (enunciador V)

Exemplo 48: Todo o acesso que a gente tem hoje, a Internet mudou tudo. É mais atrativo, a gente

tem vídeos, filmes. Isso na escola particular.” (enunciador B)

Exemplo 49: “Eu não trabalho com isso, né? Mas eu acho que eles estão aprendendo menos. Do que

eu fazia e o que eu faço hoje... Eu tenho tudo marcado, o ano em que eu dava aquela matéria. Hoje eu não chego nem a metade.” (enunciador R)

Coincidentemente, tanto os enunciadores do colégio da rede federal (E e V) quanto os enunciadores da rede estadual (B e R), atribuem a dificuldade de desenvolver um trabalho de qualidade nas escolas ao fato de não disporem de estrutura física e material adequados. Entretanto, os enunciadores E e V agem de forma otimista e acreditam que algumas medidas poderiam ser tomadas a fim de solucionar esses problemas: “eu acho que teremos uma aparelhagem de som, data show e de DVD...”; “O ideal seria dividir a turma para as aulas

de língua estrangeira com no máximo 15 alunos, ter uma sala específica para as aulas...”. O

enunciador E ainda se mostra mais desejoso de mudanças, mostrando, implicitamente, que

não está contente com a falta de recursos. Talvez haja essa distinção bem delimitada nas falas dos enunciadores E e V pelo fato de E ainda estar em início de carreira e não suportar a ideia de passar muitos anos de sua vida profissional convivendo com a realidade apresentada. O

enunciador B deixa marcada a distinção entre os recursos para o seu trabalho na escola da

rede privada e na escola da rede estadual. O enunciador R concorda com seu colega sobre a ausência de material de apoio ao ensino e ainda acrescenta a qualidade do alunado, citando que o aluno aprende menos hoje do que no passado.

Exemplo 50: “A escola vai mudar, algumas escolas da rede vão adotar o regime integral”; “agora

sobre a valorização, o reconhecimento vem para profissionais que estão fora de sala. Na área de educação, não só, mas também, você vê, os pedagogos não estão na sala de aula. Então eles criam um monte de teorias que não vão ajudar. Quem bota a mão na massa mesmo, esse não vai ter o reconhecimento.” (enunciador N)

Exemplo 51: “Acho que na verdade o que mudou foi a sociedade”; “eu acho que mudanças vão sempre acontecer. O problema das mudanças é que geralmente elas levam muito pouco em consideração o professor, aquele que sabe fazer. Normalmente é uma questão política , cada um quer deixar sua marca, sua contribuição. E às vezes gente que nem estava habilitada a fazer esse tipo de coisa resolve fazer mudanças que não vão melhorar em nada a escola.” (enunciador W)

Os enunciadores N e W, da rede municipal, assinalam uma questão de cunho mais político em relação ao ensino e as mudanças que nele poderão ocorrer. O enunciador N comenta a possibilidade de a escola oferecer aulas em regime integral, podendo esta ser uma medida benéfica para a educação. Todavia, alega que qualquer que seja a mudança, o professor nunca será beneficiado por ela. Para ele, quem dita as regras sobre como deve ser a educação são pessoas que não fazem parte da realidade escolar. Por isso, o que dizem fica sempre em um plano muito superior ao que realmente é possível desenvolver em sala de aula. Logo, como o professor não terá condições de alcançar as metas lançadas pelos pedagogos, por exemplo, ele será visto como aquele que não realiza seu trabalho com competência. O

enunciador W também vai ao encontro dessa perspectiva afirmando que as medidas tomadas

são políticas e não têm como finalidade melhorar a qualidade de trabalho do professor. Ele ainda acrescenta que a sociedade mudou e com ela a escola perdeu seu espaço como local de saber, de respeito.

Exemplo 52: Hoje nós temos tudo. Como se não bastasse DVD, televisão, som, nós temos agora o

quadro interativo, mas nada disso resolve. Eu acho que o que mudou foi o público, que tem outros objetivos. Então você pode oferecer mil coisas, cobrir o quadro de ouro que não resolve”; Talvez o ensino à distância. Acho que daqui a pouco as pessoas não vão nem mais querer sair de casa. Vai ser

tudo à distância e você vai ser só um instrumento.” (enunciador A)

Exemplo 53: “Eu acho que é o que você falou. É o público. Nós estamos aqui mas agora, por

exemplo, com o TBI, a gente só vai ser uma ferramenta. Tudo o que a gente faz aqui eles podem fazer em casa. Eles tem Cd, Internet, livro. A gente só tá aqui para tirar uma duvidazinha ou outra, auxiliar.” (enunciador M)

Contrariamente a todos os outros enunciadores, os professores do curso privado Aliança Francesa não se queixam da falta de material ou recursos didáticos, segundo os trechos das entrevistas (ex. 52 e 53). Eles dispõem de toda sorte de equipamentos, inclusive os mais modernos disponíveis no mercado para o ensino de língua estrangeira, porém, justificam que nem com todos esses suplementos conseguem atingir o aluno a ponto de fazê-lo despertar seu interesse para esse aprendizado. Para ambos, A e M, há uma forte tendência de que o ensino seja feito à distância e dentro desse processo, o professor será mais uma ferramenta a

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ser utilizada, assim como a Internet ou o TBI (quadro branco inteligente). Logo, na concepção deles, haverá uma significativa mudança em relação ao papel que o professor tinha, tem e terá futuramente, deixando de ser o centro da aprendizagem para ser um acessório.

Conforme os autorrelatos acima, fica nítido que a maioria dos enunciadores se coloca como paciente das transformações no ensino/aprendizagem. O professor até reconhece algumas falhas em sua prática docente e demonstra o desejo de acertar, como vimos no trecho da entrevista do enunciador E: “Tem uma parte que precisa ser feita pelo professor”, mas logo esbarra em problemas de proporções maiores e repara que não tem competência suficiente para resolvê-los. Os enunciadores N e W comentam que as instâncias superiores até enxergam algumas dessas adversidades existentes na seara da educação. Todavia, segundo eles, as medidas tomadas não têm como real propósito dar melhores condições de trabalho ao professor para que ele disponha de meios para executar a ação de dar uma aula com a qualidade que gostaria e foi capacitado para fazê-la. De certa forma, subentende-se que o professor tem como dever cumprir as mudanças estabelecidas pelos governos para que tenha sua prática legitimada, uma vez que quando um professor da rede estadual, por exemplo, entra em sala, ele representa esse poder público.

Vale a pena discutirmos ainda a diferente tomada de posição dos enunciadores das redes federal e estadual em relação aos da rede municipal. Podemos ir mais adiante e dizer que a visão dos enunciadores do curso privado Aliança Francesa é completamente distinta da dos outros. Para os enunciadores E, V, B e R, grande parte do fracasso na eficácia do ensino de Língua Francesa se deve à falta de recursos didáticos. Para os enunciadores N e W, atuantes na rede municipal, a responsabilidade encontra-se nas mãos dos órgãos públicos que não implementam meios eficientes no campo da educação. Cabe dizer que talvez os professores do município tenham se queixado menos da questão do material de apoio pelo fato de terem sido contemplados recentemente com o manual “Et Toi” distribuído gratuitamente a todos os alunos da rede. Os enunciadores A e M, da Aliança Francesa, parecem estar à frente dos outros em relação aos recursos didáticos de que dispõem e à metodologia de ensino à qual são submetidos pela direção do curso para preparar suas aulas. Eles dialogam com as falas dos outros enunciadores mostrando que o sucesso no processo de ensino/aprendizagem não está na tecnologia de última geração tão desejada pelos colegas das redes públicas. Segundo eles, o que mudou foi o público. Os alunos não são tão motivados quanto eles eram quando ocupavam uma cadeira de aluno diante de um professor de francês.

Além disso, já antecipam a consequência da aplicação da abordagem metodológica acional – última tendência no ensino de línguas estrangeiras e em vigor nesse curso – aliada aos modernos equipamentos, deslocando o professor para um papel periférico no ensino. Esses enunciadores assinalam ainda a mudança do público-alvo como um oponente ao desenvolvimento de suas atividades profissionais. Talvez pelo fato de não estarem preparados para encarar todos os anseios dos alunos da maneira almejada por eles. Sem falar na tendência projetada para o futuro em que os alunos terão aulas à distância, ou seja, terão ainda menos contato físico com o professor.

Diante de todos esses relatos, somos direcionados a concluir que os enunciadores se colocam como vítimas do sistema, da falta de estrutura escolar para desempenhar sua função, da carência de recursos didáticos e administrativos. Na verdade, na concepção desses enunciadores, eles gostariam de desempenhar o papel de Benfeitores – aquele que leva um benefício a alguém, os alunos desempenhariam o papel de beneficiários – aquele que é afetado positivamente pela ação de outro actante e a escola, os recursos didáticos, a estrutura escolar seriam aliados nesse processo de ensino-aprendizagem. Entretanto, as falas revelam uma realidade bem distinta daquela idealizada pelo professor. Ele se vê envolvido em um contrato no qual os meios para que possa realizar seu trabalho com êxito lhe são suprimidos. O professor se vê alvo de uma ação orquestrada com o objetivo de extinguir o francês do currículo, ainda que essa ação seja feita de forma insidiosa e astuta. Por se verem impossibilitados de desenvolverem sua função de benfeitores colocam em cena um outro contrato no qual identificam-se como vítimas do sistema educacional.

Observemos abaixo a tabela ilustrativa com os respectivos papéis desempenhados por nossos enunciadores, bem como os aliados e oponentes que cruzam seus caminhos.

Actantes Agente Paciente

Agressor Benfeitor Aliado Oponente Vítima Beneficiário

E, V, B, R, N, W, A e M.

Turmas cheias;

Falta de estrutura física e recursos didáticos. E Sistema educacional Sistema educacional

Falta de estrutura física e recursos didáticos. V Sistema educacional Falta de recursos didáticos. B Sistema educacional Falta de recursos didáticos; Mudança no público alvo. R

154 Sistema educacional Regime de estudos integral Falta de valorização do profissional N Sistema educacional W Mudança na sociedade; falta de políticas públicas âmbito da educação. Sistema educacional Acesso a todo tipo de recurso didático. Mudança do público alvo; professor como instrumento no ensino. A Sistema educacional Acesso a todo tipo de recurso didático. Mudança do público alvo; professor como instrumento no ensino.

M

Gostaríamos de fazer uma reflexão a respeito da concepção dos professores em relação ao ensino de Língua Francesa Ontem, Hoje e Amanhã com base nas categorias professor em início de carreira e professor em fim de carreira que havíamos proposto no início da tese. Surpreende-nos o fato de não termos nos deparado com trajetórias de ensino tão díspares entre os professores recém-formados e aqueles formados há mais tempo. Entretanto, a informação que salta aos nossos olhos é a rapidez com que se deu a mudança do público estudantil. Tanto os enunciadores com mais tempo de experiência quanto os com menos tempo trazem em suas falas a lembrança da época em que foram alunos e relembram a relação de respeito existente entre professor-aluno.

Hoje em dia, revelam o quão diferente é a relação deles com seus alunos, segundo os enunciadores A, R e B, sendo o último recém-formado. Os enunciadores N e M, o primeiro representante da rede municipal e o segundo representante do curso privado Aliança Francesa, ambos com menos tempo de carreira que os outros colegas das respectivas instituições em que atuam, salientam que seus professores “cobravam de verdade.” Os enunciadores E, V, B e

R, os dois primeiros atuantes no Colégio Pedro II e os dois últimos na rede estadual,

lamentam a falta de recursos didáticos, embora muitas vezes circule nos imaginários sócio- discursivos que os colégios da rede federal ofereçam melhor infraestrutura e qualidade de ensino que as outras redes públicas, haja visto o número de vagas reduzido para ingresso de alunos nessas escolas . Em relação ao curso privado Aliança Francesa, poderíamos presumir que talvez o enunciador em fim de carreira pudesse relatar dificuldades em manusear os inúmeros recursos tecnológicos e que fosse até mesmo contrário à utilização dos mesmos.

Todavia, o enunciador A não comenta qualquer complexidade no manuseio desses aparelhos. A lástima dos enunciadores A e M, atuantes no curso privado de Língua Francesa, é verificar que toda essa modernidade não foi capaz de recuperar o interesse do aluno em aprender a Língua Francesa, de fazê-lo enxergar o novo saber com aquele brilho no olhar que eles demonstravam quando ocupavam o lugar de alunos.

Antes de passarmos para as duas últimas perguntas desse segundo bloco temático, achamos conveniente comentar um assunto bastante recorrente nas falas dos enunciadores acerca do ensino de francês. Estávamos conscientes de que ao falarem do ensino de francês no passado, certamente, o ponto de comparação seria o presente. O mesmo aconteceria com as falas voltadas para o ensino no futuro. Entretanto, os enunciadores fizeram questão de destacar o ensino de francês no presente tal como ele é concebido dentro do espaço escolar. Foi muito marcante nesses discursos o status da disciplina de Língua Francesa face às outras, não apenas pela direção da escola, mas também por colegas e alunos. Assim, abriremos um longo parêntese para expor o recorte que fizemos nas falas dos enunciadores sobre esse assunto que tanto os incomoda e os faz sentir inferiorizados. Acreditamos que essas análises nos conduzirão a melhor entender os posicionamentos dos enunciadores no âmbito geral, sobretudo nas perguntas que ainda estão por vir. Como o material a ser analisado é bastante extenso, optamos por criar uma nova seção intitulada O Status da Disciplina de Língua Francesa.

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