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CAPÍTULO III: EDUCAÇÃO BÁSICA EM MOÇAMBIQUE

3.6. Perspetivas históricas da Educação Básica em Moçambique

3.6.2 Educação Básica durante a Luta de Libertação Nacional

Em toda a história da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) existe uma constante preocupação, uma verdadeira obsessão pela formação de quadros. Esta necessidade decorria da pesada herança colonial, como vimos nos pontos anteriores, o ensino básico abrangia uma ínfima minoria da população.

Foi na reunião do Comité Central da FRELIMO realizada em 1966 que a questão sobre a educação básica, no geral, aparece de forma clara. Nesse encontro foi decidido: criar as escolas de formação de quadros técnicos, de formação política, promover a alfabetização de adulto e aumentar o número de escolas primárias, (Goméz, 1995).

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A visão da FRELIMO sobre a educação era de se lhe dar maior importância, porque ela era considerada essencial para o desenvolvimento da luta, visto que o empenhamento e apoio da população aumentam na medida em que crescia a sua compreensão da situação, em segundo lugar um futuro Moçambique independente teria a necessidade de cidadãos educados que fossem guias na via do desenvolvimento. Mondlane, (1975, p.135) carateriza o papel da educação na FRELIMO no seguinte especto:

Para criar condições para uma luta armada bem sucedida, tínhamos, por um lado, que preparar a população de Moçambique; e, por outro lado, recrutar e treinar pessoas para as responsabilidades que tal luta viria impor. Havia já, em Moçambique, os rudimentos duma estrutura através da qual o trabalho de preparação poderia continuar. O problema de treino não envolvia apenas o aspecto militar. As deficiências do sistema educacional português significavam que o nosso movimento tinha uma enorme falta de quadros em todos os campos. Podíamos compreender que o bom resultado da futura acção armada criaria a necessidade de gente com qualificações técnicas e certo nível de educação básica. [...] o estado de ignorância no qual quase toda a população tinha sido mantida dificultava o desenvolvimento da consciência política e ainda mais o desenvolvimento do nosso país depois da independência. Tínhamos e temos, a tarefa de recuperar anos de diligente negligência sob o domínio português. E, assim, foram concebidos lado a lado um programa militar e um programa educacional, como aspectos essenciais da nossa luta.

Foi assim que nas zonas ocupadas pela FRELIMO (zonas libertadas da influência colonial) foram instituídas escolas da FRELIMO, o pensamento dominante era dessas escolas virem a ser modelos de educação depois da independência.

Mazula (1995,p.113) traz mais pormenores no que toca o ensino básico nas zonas libertadas da seguinte forma:

A educação formal, destinada a crianças e adolescentes que viviam nas zonas libertadas, abrangia quatro níveis: pré-primário, ministrado em centros infantis, o primário, de quatro séries ministrado em escolas do interior do país e na Tanzânia. O ensino primário compreendia as disciplinas de Português, Aritmética, Geografia, Ciências, História, Trabalhos Práticos, Política, Educação Artística e Educação Física.

As zonas libertadas iam-se constituindo em lugar, momento e espaço de perspetivação de um projeto de uma sociedade nova e de exercício de poder, que exigiam mudanças de mentalidade e de vida, de aprendizagem de novos valores para formação de uma sociedade, não baseada em racismo, tribalismo, regionalismo e outro tipo de preconceitos negativos, (Mondlane, 1975). Elas, deixavam de ser espaço restrito a um grupo, a uma categoria social, a uma comunidade linhageira ou aldeã, para se tornar espaço nacional mais aberto, caminhando para relações sociais trans-etnicas e inter-raciais, (Mazula, 1995).

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Novas escolas primárias para além do Instituto Moçambicano foram Bagamoyo, Rutumba e Tunduro no território Tanzaniano. A partir de 1965 foram criadas algumas escolas em Cabo Delgado e Niassa em que se pretende albergar crianças órfãs e depois filhos dos combatentes. Aqui as infraestruturas tinham a função social e educativa. Paralelamente surgiram centros

pilotos onde se ensinava até 4a classe, (Castiano, et. al. 2005). De modo geral, a formação nessas

escolas é geral com orientação para artes e ofícios. No ensino era privilegiado o método de trabalho em grupo.

Em relação a orientação da formação para artes e ofícios nas escolas da FRELIMO, importa sublinhar que parece ser um modelo tirado da filosofia da educação em voga na Tanzânia, pois, Os alunos deviam aprender na escola a respeitar o trabalho prático e trabalho manual. Aqui a ideia era dos alunos serem capazes de irem trabalhar no campo depois de se formar e não ficarem amarados aos empregos bem pagos nas cidades. Assim, o currículo do ensino básico deveria permitir que o aluno ao terminar o ensino básico fosse capaz de empregar-se ou criar o autoemprego e não na perspetiva de ser propedêutico para o ensino superior, (Castiano, et. al, 2005).

O instituto moçambicano foi criado pela família Mondlane, como um empreendimento privado, com o seguinte objetivo: atrair jovens moçambicanos refugiados que tivessem capacidade e idade para continuar os estudos e formar uma base de apoio para a formação de quadros para a FRELIMO e Moçambique independente. Era uma alternativa de acesso ao ensino primário, secundário e superior que eram impossíveis em Moçambique. Ele funcionou 4 anos e conheceu uma crise conjuntural que provocou o seu encerramento e originou a criação da escola

secundária de Bagamoyo em 1970, bem como a introdução da 4a classe em Tunduru (1970),

onde até 1969 o ensino não ia para além da 3a classe, (Zawangoni, 1998)

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Comparando o Instituto Moçambicano com outras escolas, pode se afirmar que os conteúdos estavam melhor elaborados do que na escola de Bagamoyo, porque por vezes o próprio presidente (Eduardo Mondlane) ia dar palestras e muitos professores daquele instituto tinham

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O centro de Tunduru, evidenciou-se com o avanço da luta, este fato contribuiu para que fosse transformado em escola primária completa e centro piloto de ensino primário e de capacitação pedagógica dos professores, através de cursos de curta duração e seminários de formação, (idem)

A partir de 1969,a escola de Bagamoyo e Centro de treinos de Nachinguwea tornaram-se centros pilotos de ensaio da formação do Homem Novo que se devia identificar com a revolução e desenvolver a consciência patriótica, (idem).

Quanto aos mecanismos de funcionamento das escolas criadas nas „„zonas libertadas‟‟,

Mondlane (1975) refere que por falta de recursos humanos devidamente preparados, o grau de instrução ministrado nas referidas escolas não passava do rudimentar, orientado para necessidades das crianças tendo em conta o seu contexto cultural, aliado ao contexto da luta nacional. Incluía disciplinas como a Língua Portuguesa, História e Geografia de Moçambique, e, entre várias matérias, destacava-se a leitura, a escrita, aritmética e o civismo. Paralelamente ao ensino, as escolas praticavam agricultura e outras atividades afins.

No que se refere aos conteúdos das disciplinas a História devia privilegiar as lutas de resistência contra a penetração e a dominação colonial, esses conteúdos tinham como propósito fazer entender aos alunos as razões do desencadeamento da luta armada. A Geografia, estava centrada nos aspetos económicos, como a riqueza nacional. A Educação política cumpria objetivos detalhados segundo a idade. Às crianças nas escolas primárias devia-se transmitir os fundamentos da política, causas do desencadeamento da luta armada, conceitos do colonialismo, neocolonialismo, imperialismo etc.

Como se pode constatar, trata-se de uma educação profundamente ideológica, enquanto lugar privilegiado de inculcação de ideais da FRELIMO para o ensino dessa disciplina exigia-se o uso de exemplos da vida real para os alunos não decorarem a matéria, (Castiano, et. al.2005).

A maioria dos professores tinha uma educação elementar, geralmente, 4a classe e poucos tinham

a formação profissional obtida nos centros de formação de professores, mas com o avanço da luta, cresceu o número de professores qualificados, fato que contribui para a introdução de todas as classes do ensino primário, (idem).

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Aos alunos adultos acrescentava-se exercícios paramilitares, tal como a construção de trincheiras e, por vezes mobilizados para campanhas de educação de adultos. O princípio da ligação da teoria e prática justificava-se, pois os alunos podiam ser chamados a interromper os seus estudos para participarem na guerra, na perspetiva de auto sustento e autossuficiência das escolas e dos internatos, (Castiano, et.al, 2005).

Na realidade, educação na FRELIMO era condição para o avanço da própria luta, pois o estado de ignorância no qual toda a população tinha sido mantida dificultava o desenvolvimento da consciência política e ainda o desenvolvimento do país depois da independência, (Goméz, 1999).

De acordo com Mazula (1995,p.110) educação básica nas zonas libertadas assumia uma função política de:

Criar, desenvolver e consolidar uma sociedade nova, assente numa mentalidade nova que oriente atitudes e práticas para a construção de um Moçambique unitário, internacionalista, económico, cultural, político e militarmente, auto-suficiente, próspero e independente; formar o Homem Novo, com plena consciência do poder da sua inteligência e da força transformadora do seu trabalho na sociedade e na natureza. O Homem Novo livre de concepções supersticiosas e subjectivistas; rejeitar todas as tendências individualistas bem como a corrupção. Se a educação não realiza esta tarefa não serve as massas e aparece como instrumento para oprimir e explorar o povo; fazer assumir a capacidade de participar na produção, de respeitar o trabalho manual, de libertar a capacidade de iniciativa, desenvolver o sentido de responsabilidade.

Como se pode ver tratava-se de uma educação ideológica, enquanto lugar privilegiado de inculcação de ideias da FRELIMO. Educação crítica, revolucionaria que se articulava com o trabalho e patriotismo, visando desenvolver a consciência nacional e construir a unidade nacional, (DEC, 1970,p.15).

Sustentando a educação ideológica, (Mondlane, 1975,p.139), sintetiza a nos seguintes termos: A educação política é parte preponderante do treino, no decorrer do qual adquirem alguma experiência de falar em público e do trabalho dos comités, enquanto também aprendem rudimentos de discussão política e das bases históricas e geográficas da luta. Assim, o próprio exército se tornava agente importante na mobilização política e na educação da população.

No que toca a relação escola/comunidade dizia-se que a escola deve satisfazer as necessidades da sociedade fornecendo o conhecimento verdadeiro que se adquire através da descoberta da natureza, da sociedade e das leis que as regem. “A escola deve fornecer soluções para os problemas que surgem na vida quotidiana da comunidade”, (FRELIMO, 1970,p.21).

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A escola deve aprender da comunidade, pois, a escola que se fecha dentro de si mesmo, ao negar sair das paredes que a limitam, ou ao julgar-se detentora de todo o saber, mais cedo ou mais tarde, será ultrapassada. A escola deve saber extrair toda a experiência da comunidade a fim de estuda-la e interpreta-la para mais tarde voltar a devolve-la à comunidade já mais desenvolvida na forma e no conteúdo.

Nesta perspetiva, os alunos produziam nas machambas da escola, igualmente iam trabalhar nas machambas da população, produziam diversos artigos de artesanato. Em contrapartida a comunidade ajudava o centro em comida e emprestava à escola os instrumentos de trabalho. Em síntese, a relação escola/comunidade consistia na troca de experiências e habilidades, (Goméz, 1995). Como dissemos, este pensamento para além de estar ligado a necessidade dos alunos produzirem para auto- alimentação e para alimentarem a guerra, decorria do princípio da educação básica em vigor naquela altura na Tanzânia segundo o qual, os alunos deviam aprender na escola a respeitar o trabalho prático e para depois se inserirem facilmente na comunidade.

O grau de desenvolvimento das escolas era desigual, dependendo do nível de organização e consciência política atingido pela zona libertada onde se situavam as escolas. Sobre a ligação escola/comunidade nos interessou citar o seguinte:

A escola realizava os seus objectivos na sua ligação com o povo, com o trabalho. Nisso é o povo que realiza a revolução e assume o processo da sua transformação e mudança social. Dessa ligação surgiu o princípio da ligação escola - comunidade. Não se tratava de qualquer trabalho, mas do trabalho produtivo que faz o homem tornando o sujeito da história. É unindo-nos no trabalho, que nos unimos realmente. Por isso, professores a alunos devem trabalhar lado a lado, em todas as tarefas, porque na revolução não há grandes ou tarefas pequenas, há apenas tarefas revolucionárias. Porque as palavras não vivem sem a prática, um corpo sem carne é esqueleto, um corpo sem ossos não se aguenta em pé por si; é necessário transformar continuamente a afirmação da unidade em prática da unidade. É no esforço comum, no suor vertido no mesmo tempo, no tronco arrancado pela combinação da nossa força, na dança concebida pela criação comum de inteligência, é ai que se materializam a compreensão e conhecimento e se consolida a unidade”, (Machel, 1970,pp.6/7).

Nesta citação está evidente a preocupação da direção máxima da FRELIMO em procurar mostrar que todas pessoas deviam contribuir o máximo que pudessem para cimentar a união. Na medida em que unidos em todas as tarefas e frentes facilmente conseguiriam conquistar a vitória desejada.

No processo da criação de escolas do tipo novo devia-se valorizar, seriamente, o trabalho manual como uma das fontes do conhecimento. Isto explica a preocupação da FRELIMO de combinar o

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ensino ao trabalho produtivo socialmente útil. Essa ação visava criar no aluno um novo tipo de Homem, uma mentalidade de trabalhador e de que o trabalho socialmente útil constitui a fonte, terreno e espaço privilegiado de aquisição de conhecimentos.

Mazula (1995) caraterizando as zonas libertadas refere que deixavam de ser espaço restrito a um grupo, a uma categoria social, a uma comunidade linhageira ou aldeã, para tornar-se espaço nacional mais aberto, não sem contradições, caminhando para relações sociais trans-étnicas e inter-raciais.

Na educação dizia-se que se pretendia criar uma escola do tipo novo, onde se devia valorizar o trabalho manual como uma das fontes de conhecimento, o objetivo era criar no aluno desde os primeiros anos de escolarização uma mentalidade de trabalhador. Em segundo lugar, mentalizar no aluno que o seu trabalho deve ter uma dimensão económica, com uma mentalidade de produtividade, rompendo com a mentalidade tradicional da economia de subsistência, (Reis & Muiauane, 1975).

A educação devia representar a ruptura com o sistema colonial e com os aspetos negativos da sociedade tradicional. Devia contribuir para a formação duma sociedade nova, de um novo tipo de relações de produção sem exploração humana. Implicava um novo relacionamento entre o

professor e aluno e novas formas de ensino e formação de professores

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Na realidade, um dos grandes desafios da política educativa da FRELIMO assentava-se no nível da competência técnica, pois, existia uma contradição entre o que se pretendia fazer e a capacidade da sua materialização. Tratava-se da relação entre o compromisso político e a competência técnica. Nesta fase, a inadequação entre os fins e os objetivos se devia à resistência da parte dos professores em assumir um novo tipo de educação, devido a falta de conhecimento e prática dos professores dado o seu nível de formação ser extremamente deficiente, (Goméz, 1999).

A maioria dos professores tinha uma educação elementar, geralmente, 4a classe e poucos tinham

a formação profissional obtida nos centros de formação de professores, (Zawangoni, 2007). Os professores tentavam resolver o seu défice através do trabalho coletivo, preparavam em conjunto as aulas. De modo geral, verificou-se a falta de conhecimentos seja de ordem política ou técnico-

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científica, por causa do peso da herança colonial, (Goméz, 1999). Por isso, Mondlane (1975) acrescenta que por falta de recursos humanos devidamente preparados, o grau de instrução ministrado nas referidas escolas não passava do rudimentar, orientado para necessidades das crianças tendo em conta o seu contexto cultural, aliado ao contexto da luta nacional.

Pode-se, perfeitamente, admitir que durante o decurso da luta pela independência de Moçambique o grande desafio da política educativa da FRELIMO deu-se ao nível da competência técnica, já que a maioria dos professores tinha uma formação elementar, todavia, passados 40 anos depois da independência parece-nos que este problema está longe de ser resolvido, o que pode significar fraco empenhamento político para a paulatina solução.

Apesar de tudo, o processo de formação da FRELIMO na Tanzânia significou, por um lado, o culminar de um longo período de resistência do povo moçambicano contra o colonialismo português e, por outro lado, o início de novos desafios e novas contradições que levariam à construção e consolidação da unidade nacional e edificação de um Estado-Nação.

Finalmente, a escola nascida da luta pela libertação deveria formar o homem moçambicano, livre da opressão e de alienação coloniais, capaz de recuperar, individualmente e coletivamente, a sua história e dignidade.