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CAPÍTULO II: O CURRÍCULO DO ENSINO BÁSICO EM MOÇAMBIQUE

2.7. Os Manuais escolares

O manual escolar pode se considerar uma declaração do currículo, por isso o estudo dos manuais escolares passou a converter-se num tópico central da teoria do currículo enquanto portador de grande potencialidade cultural, pedagógica e didática, (Cabral, 2005).

Se há quem vislumbre a sua primeira projeção a partir da criação das universidades e das corporações educativas da Idade Média, parece ser consensual atribuir a sua paternidade a Peter Ramus (1516-1572). No entanto é Coménio (1592-1670) o primeiro pedagogo a preocupar-se em registar, na sua didática Magna (1657) algumas das características que tornariam os livros mais apropriados para a transmissão de conhecimentos, (Oliveira, 1984). Nesta época, o manual adquire um papel inquestionável.

O passo decisivo na vulgarização do uso do manual nas escolas deu-se a quando da institucionalização das nações-estado da Europa, em meados do Séc. XIX, altura em que se organizaram os sistemas educativos por níveis e pró disciplinas, (Marquez & Beas, 1995). Apresenta-se então, como “uma comodidade especializada para educação de massas”.

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O manual38 escolar é um livro impresso, publicado, reconhecido, autorizado dentro do âmbito de

uma disciplina, área de conhecimento ou programa, com uma intencionalidade direcionada para a sua utilização na escola, quer seja pelo aluno, quer por um outro utilizador não definido, apresentando uma versão estruturada/ simplificada do conhecimento, para proporcionar a aquisição de conhecimentos ou auxiliar a planear e realizar o processo de ensino, (Cabral, 2005).

Entre as vantagens do manual escolar, no ensino, sobressai facilitar o aluno no acesso a um saber, inspirar e alargar o horizonte do aluno, permitir o desenvolvimento autónomo do aluno e entre as desvantagens salienta-se abordagem de conteúdos de forma muito empobrecida e esquemática, inclui conhecimentos, considerados, acabados e inquestionáveis, e não estimulam a investigação por parte dos professores, (idem).

Relativamente a modalidade da utilização do manual pelo professor39, sobressaem três,

precisamente: colagem submissa ao conteúdo, organização e sequencia do manual, em que o livro assume o papel de instrumento único de referência, aparecendo o professor com o perfil de consumidor, pois transmite os sempre em consonância com o manual e leva a cabo todas as atividades nele incluídas acrítica. Compromisso pendular com o manual concretizado em adaptações às continências concretas do contexto, estilo de extensão e de mediação, sendo o professor consumidor, esporadicamente, realizador, quer dizer, aqui o professor dá ênfase aos conteúdos, mas também as diferentes atividades que pretende que sejam adequadas aos alunos com quem interage e desenvolve outras propostas, invertendo por vezes a ordem dos conteúdos, introduzindo novos tópicos, geralmente, socorrendo-se de outros manuais

.

E, finalmente, uma postura refletida e crítica em relação ao manual, considerado apenas como um recurso entre outros, estilo reflexivo crítico ou criativo em que se poderá considerar o professor como realizador de determinado processo de ensino, portanto, o professor utiliza uma variedade de recursos, incluindo o seu próprio material, (Cabral, 2005).

38O manual é considerado um instrumento de democratização de acesso ao saber e à matriz consensualmente aceite,

capaz de levar à inserção do indivíduo no contexto social a que pertence, (Cabral, 2005).

39O professor é o principal determinante do que os livros fazem pelos alunos ou do que os alunos fazem com os

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2. 7.1 Os Manuais de educação Moral e Cívica em Moçambique

Torna-se necessário, antes de tudo, sublinhar que para o ensino dos conteúdos da disciplina de Moral e Cívica foram editados dois livros para a mesma classe, sendo um para o professor e o

outro para o aluno. Na verdade, os autores que elaboram o manual do aluno para a 6a classe são

os mesmo que também elaboram o manual do professor da mesma classe e, igualmente para a 7 classe. Sobre esse aspeto tanto o manual como o NPCEB não traz alguma justificação para tal, mas nós pensamos que pode ter se relacionado com a necessidade dos dois manuais podem apresentar uma abordagem similar.

De modo geral o manual do professor e do aluno da 6a classe apresenta a mesma estrutura no que

se refere aos capítulos, sendo cinco unidades designadamente: a família, a escola, o homem, a

sociedade e as relações entre Moçambique e outros povos. Enquanto os da 7a classe apresentam

apenas quatro capítulos.

A grande diferença que se nota entre o manual do professor e do aluno reside no fato deste trazer, de forma detalhada, as sugestões metodológicas para o ensino dos conteúdos da Moral e Cívica, como se pode conferir na citação a baixo.

O livro deve ser utilizado em todas as situações da aula. As gravuras e extractos de textos devem ser explorados no inicio da aula ou ser recomendado para ser explorado em casa. O professor deve usar o livro na sala de aulas para incentivar os alunos a participarem na aula. O uso do livro dispensa o ditado de apontamentos muitas vezes registados de forma deficiente pelos alunos. O professor na preparação da aula deve explorar as partes do texto que vai usar na sala de aulas. Em todas as situações o professor deve partir da realidade próxima do aluno. O debate deverá ser o método de ensino prioritário. Igualmente a leitura de textos inseridos no livro do aluno são um recurso importante. O uso de testemunhos de pessoas que não sejam docentes é importante para o enriquecimento do conteúdo e para a compreensão da aula, entre eles se destaca os líderes comunitários, os encarregados de educação. Um dos aspectos importantes para a leccionação da disciplina de Moral e Cívica é o próprio professor, que deve educar pelo exemplo: deve ser o primeiro a repudiar as práticas negativas, apresentando-se limpo e aprumado, sendo pontual e assíduo, observando as normas de conduta moral e cívica, demonstrando o seu afecto pelos alunos. A utilização de métodos activos é a estratégia mais correcta, este método assegura o domínio de conhecimentos formativos em vez de informativos, (Capece & Fenhane, 2001,pp.6,11e15

)

Pode- se, perfeitamente, admitir que o manual do professor apresenta sugestões relevantes para o ensino da disciplina, todavia os professores na sua maioria não seguem essas orientações por diversas razões, como seja: a insuficiência do manual, faz com que o professor sinta-se forçado a ditar os apontamentos aos alunos por formar a garantir que os alunos consigam ter o que ler para a compreensão das aulas. Noutras vezes, o professor tendo o manual não segue implementar

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todas as orientações por causa do fraco domínio das estratégias de ensino, pois em todas as aulas que tivemos o privilégio de assistir, no âmbito do estudo empírico, não se notou a utilização das imagens e recortes de textos que o manual do aluno possui. De igual modo presenciamos de forma repetida apenas aulas expositivas em vez de aulas ativas como recomenda o manual.

Ainda em torno das sugestões metodológicas, torna-se necessário mencionar que apesar do uso de testemunhos de pessoas que não sejam docentes possa se considerar importante para o enriquecimento do conteúdo e para a compreensão da aula, contudo as escolas não possuem verbas adicionais para o pagamento de serviços prestados por pessoal não docente. Este fato nos remete à abordagem feita quando analisamos o currículo local onde verificamos que a falta de pagamento aos conhecedores da cultura local impede-lhes de contribuir nesse sentido.

Quanto a relação entre o professor e o Manual segundo Cabral (2005), temos a colagem submissa ao conteúdo, organização e sequência do manual, pois aqui o professor não está obrigado a investigar ou no mínimo enriquecer abordagem do manual com outras abordagens no sentido de conseguir ter diversas formas de falar sobre a mesma matéria.

Relativamente ao manual do aluno da 6a classe, no que se refere aos conteúdos das cinco unidades destacamos o seguinte:

 A primeira unidade, trata conteúdos referentes a família procurando caraterizar os tipos família, tipos de sociedades (matrilineares e patrilinares) e, indica a importância da família na educação das crianças;

 A segunda unidade aborda a escola, incidindo no estudo do regulamento interno da escola com o acento nos direitos e deveres de todos os membros da escola e, termina organograma da escola;

 A terceira unidade fala do homem e o meio, destacando a conservação do meio ambiente, a adolescência, regras de higiene pessoal e pública. Com menor destaque fala do comportamento adequado na via publica e o trabalho como dever cívico;

 A quarta unidade concentra-se nos direitos e deveres dos cidadãos, a organização política do Estado, a constituição, os símbolos nacionais, os órgãos de soberania e exercício da democracia;

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 A quinta unidade aborda as relações entre Moçambique e outros países com destaque para as organizações internacionais em que Moçambique faz parte e a declaração dos direitos humanos e de cidadão

O manual do aluno da 7a classe, apesar de excluir a primeira unidade que trata da família, segue

a mesma sequência e designação das unidades do manual da 6a classe, mas com conteúdos

diferentes, como a seguir se pode conferir:

 A primeira unidade é referente a escola e os conteúdos relevantes são: o direito a educação, educação em Moçambique, o papel da escola na formação integral do aluno, a escola, a família e a comunidade na educação moral e cívica e religiões na educação moral e cívica;

 A segunda unidade trata a questão do Homem e o meio, salientando o corpo humano (saúde e higiene), primeiros socorros, adolescência, relações com as outras pessoas, equilíbrio ecológico (exploração da natureza, poluição e erosão, queimadas, o desflorestamento, exploração racional dos recursos, os parques nacionais, os lugares sagrados, desastres naturais: seca e cheias, depressões atmosféricas e engenhos explosivos);

 A terceira unidade a borda a sociedade, destacando-se a constituição da república, os símbolos nacionais, os órgãos de soberania, direitos deveres dos cidadãos, a declaração dos universal dos direitos humanos, acordo geral de paz, formas de participação popular na vida política do país, a preservação da paz: ONU e UA;

 A última unidade fala de Relações de Moçambique com outros povos, com destaque para a contribuição de Moçambique para a libertação da África Austral (Zimbabwe, Namíbia, África do Sul), apoio que Moçambique recebeu da Tanzânia e Zâmbia, OUA e por outros países do mundo no contexto da independência.

Fazendo uma leitura atenta aos conteúdos da disciplina de Educação Moral e Cívica em vigor no NPCEB pode-se constatar que há mais conteúdos de História e Ciências Naturais que da Moral e

Cívica, pois no programa da 6a classe apenas a segunda, a quarta e a quinta unidade possuem,

com predominância, conteúdos referentes a disciplina de Moral e Cívica. A primeira unidade possui conteúdos que podiam ser melhor enquadrados na disciplina de História enquanto a

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terceira unidade congrega, maioritariamente, conteúdos que podiam ser bem enquadrados na

disciplina de Ciências Naturais. Igualmente para a 7a classe a segunda unidade possui conteúdos

que podiam ser melhor abordados na disciplina de Ciências Naturais enquanto a última unidade apresenta conteúdos da disciplina de Ciências Sociais.

Portanto, das nove unidades que supostamente corporizam a disciplina de Moral e Cívica no Ensino Básico, apenas cinco possuem conteúdos maioritariamente de Moral e Cívica enquanto as restantes quatro unidades congregam maioritariamente conteúdos das disciplinas de Ciências Naturais e Sociais. Igualmente, nota-se uma repetição dos mesmos conteúdos nas duas classes como é o caso da sociedade, o Homem e o meio e relações de Moçambique com outros povos.

Um outro aspeto interessante é da ausência de uma unidade que procura, mesmo que de forma sumária, abordar o conceito de cidadania/ cidadão com o propósito de fazer entender ao aluno que faz parte de cidadãos de um país chamado Moçambique e que na história da humanidade nem todas as pessoas possuíam este estatuto.

Há, porém, uma pergunta que, nesta altura, se pode fazer: por que a predominância de conteúdos de Ciências Naturais e Sociais na disciplina de Moral e Cívica? A resposta a esta questão é meramente difícil, mas tentamos ler o perfil dos autores dos manuais e verificamos um deles, que achamos ser o autor principal, foi formado em ensino de História e Geografia. Por isso, na nossa opinião, se sente confortável na abordagem de conteúdos das disciplinas de Ciências Sociais e Naturais.

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