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CAPÍTULO III: EDUCAÇÃO BÁSICA EM MOÇAMBIQUE

3.6. Perspetivas históricas da Educação Básica em Moçambique

3.6.1 Educação Básica no período colonial

No período anterior a 1845 a educação dos filhos dos portugueses era garantida por padres, alguns professores particulares, escolas regimentais, já que somente em Agosto de 1845 é que foi estabelecido o regime das escolas públicas em Moçambique. Antes deste regime havia escolas primárias na Ilha de Moçambique em 1799, Quelimane e Ibo em 1818. A partir de 1845 o ensino primário passa a subdividir-se em dois níveis: o primeiro grau ministrado nas escolas elementares e o segundo grau nas escolas principais, (Almeida, 1979).

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A 30 de Novembro de 1869, através da reforma do ultramar decreta-se apenas o ensino primário obrigatório, sendo a instrução primária dividida em 1 e 2 grau, cada um com duas classes. O sistema educacional estava, principalmente, nas mãos das missões católicas. Em 1873, haviam 400 alunos matriculados em todas as escolas, na altura em Moçambique, (Goméz, 1999).

Contrariamente a tendência liberal que defendia a ideia de uma educação igualitária e o estabelecimento de sistemas de educação que servissem tanto os indígenas como os civilizados, surgem vozes que defendem a discriminação, ou seja um ensino separado. É nesta fase que a educação começa a ter um cunho rácico e marginaliza-te. “ Os primitivos deviam ter uma educação virada para o trabalho manual. Aos europeus não se podia ensinar-lhes os trabalhos manuais por causa do clima inóspito”, (Castiano, Goenha & Berthoud, 2005,p.14).

Um ano depois da proclamação da primeira república portuguesa em 1910, decreta-se a separação entre a Igreja e o Estado. São criadas missões civilizadoras e vai sendo promulgada uma legislação que prioriza uma formação literária, mas completada por aprendizagem profissional, para evitar que os escolarizados se transformassem em desapossados sociais, incapazes de desenvolver as suas comunidades e satisfazer as exigências fundamentais. Em 1921 é banido o uso das línguas africanas nas escolas. (Castiano, et. al, 2005)

Em 1917 foi promulgada a lei do indigenato, que definia o indígena como sendo o indivíduo da raça negra ou dela descendente que pela sua instrução e costumes se não distingue do comum daquela raça. O ensino indígena tinha por fim conduzir gradualmente o indígena da vida selvagem para a vida civilizada, formar-lhe a consciência de cidadão português e prepara-lo para a luta da vida o mais útil a sociedade e a si próprio.

Almeida (1979,p. 221), refere que na perceção das autoridades portuguesas era de que “os povos primitivos não podem ser civilizados, se não pouco a pouco que a população da colónia se compõe de elementos, uns civilizados, outros primitivos, [por isso] foram instituídos dois géneros de ensino primário: um para europeus e assimilados e o outro para primitivos”.

A propósito do indígena, Mondlane (1975), traz elementos caraterísticos:

A População africana foi dividida em duas categorias distintas: indígenas (africanos não assimilados) O indígena não tinha direito a cidadania, era obrigado a trazer um cartão de identidade (caderneta indígena) e estava sujeito a todas as regulamentações do regime do indigenato, que obrigava à prestação de trabalho,

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lhe proibia o acesso a certas áreas da cidade depois de escurecer e lhe autorizava um número reduzido de lugares de divertimento, (p.37).

Evidentemente que, entre os finais do Séc. XIX e as duas primeiras décadas do Séc. XX, a questão educacional não interessou muito aos estrategas da política colonial. Mas quando a educação ganhava qualquer relevo, pelo menos no discurso, era encarada como algo perigoso, um risco que não se devia correr, fazendo da ignorância dos povos africanos um instrumento de perpetuação da sua dominação, o que justificava a separação das pessoas em categorias sociais.

O ensino indígena foi dividido em três tipos: ensino primário rudimentar destinado à civilizar e nacionalizar os indígenas da colónia, difundindo entre eles a língua e os costumes portugueses. Ele compreendia três classes e era dirigido para crianças dos 7 aos 12 anos e estava estruturado da seguinte forma: um primeiro nível, ensino rudimentar compreendia a iniciação da 1a a 2a

classe e um segundo nível: ensino primário compreendia 3a e 4a classes e um exame de admissão

para ingressar no ensino secundário, (Goméz, 1995).

Depois de passarem o exame de admissão, os alunos africanos, podiam em teoria ingressar no ensino liceal ou escolas técnicas de nível secundário. Na prática, os poucos que conseguiam completar o ensino primário apenas podiam ingressar no ensino profissional indígena ou no ensino normal ou nos seminários.

Os limites de idade de ingresso nos estabelecimentos constituíram obstáculo para a maioria entrar no sistema educacional, impedindo que os africanos tivessem acesso a níveis de ensino mais avançados.

O ensino profissional tinha por fim preparar os indígenas de um e de outro sexo, maiores de 10 anos para adquirirem, honestamente, os meios de manter a vida civilizada e contribuírem mais eficazmente para o progresso da colónia. Era realizado nas escolas de artes e ofícios para os rapazes e nas escolas profissionais para as raparigas indígenas. Os rapazes aprendiam fundamentalmente os ofícios de serralheiro e ferreiro, de alfaiate, de sapateiro enquanto as meninas aprendiam costura e economia doméstica, (Castiano et. al, 2005).

Três pontos importantes são de fixar nesta lei: os indígenas só podem frequentar três anos da escola rudimentar, depois vão para uma escola de artes e ofícios. Os indígenas são, exclusivamente, capacitados para as profissões ligadas a trabalhos manuais, para permanecerem

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no seu meio. O objetivo do ensino rudimentar é colocar a criança indígena em condições de aprender a civilização portuguesa por meio de conhecimento da língua portuguesa. Este ensino estava destinado aos indígenas dos 7 aos 12 anos de idade, era gratuito e obrigatório para esta faixa etária. Uma escola devia ser frequentada por crianças que viviam até o raio de 3km.

A formação profissional era feita de uma forma separada para os rapazes e raparigas, para os rapazes os cursos duravam 2 anos e que compreendiam uma formação primária e profissional. As condições de ingresso para raparigas incluíam a idade entre 12 e 16 anos, uma vez terminada a terceira classe, os órfãos gozavam de prioridade e uma melhor classificação constituía uma vantagem.

Em 1940 a Concordata e o Estatuto Missionário atribuíam as missões católicas a tarefa de dirigir o ensino indígena, passando a assumir o estatuto de moralizador do indígena. Compreendendo por moralização o abandono da ociosidade e preparação de futuros trabalhadores rurais e artífices que produzam o suficiente para as suas necessidades básicas e para suprir os encargos sociais, (Mazula, 1995).

Em 1946 o Boletim Oficial n4 de 16 de Novembro, refere que o objetivo do ensino rudimentar é civilizar e nacionalizar o indígena por meio da língua portuguesa e gradual compreensão da doutrina e moral cristã. O elemento novo „moral cristã‟ aparece como um meio civilizador, (Gomez, 1995). O canto coral, aprendizagem de canções religiosas, a moral e doutrina crista, o hino português e outras atividades vem reforçar esta tendência nacionalizadora e missionaria, (Castiano, et. al, 2005).

Quanto a estratégia colonial de se juntar à Igreja, Eduardo Mondlane refere que “ os portugueses acreditam que há mais probabilidade de um africano se tornar português completo se for católico”( Mandlane, 1975,p.70), essa aliança também era uma forma que o governo colonial encontra para ocupar melhor o espaço geográfico e social que vinha sendo conquistado pelas Igrejas Protestantes, consideradas missões desnacionalizadoras dos nativos.

Em 1961 é abolido o estatuto missionário por causa do contexto do inicio da luta em Angola. Em 1962 foi introduzido o ensino de adaptação, conforme a portaria no 13 de 31 de Março de 1962. Ele destinava-se a colocar o aluno em condições de se servir suficientemente da língua

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portuguesa e adquirir os requisitos indispensáveis para frequentar o ensino primário comum, (Castiano, op. cit).

A noção de adaptação é aplicada às crianças não assimiladas que não falassem o português, pressionando aquelas em cerca de três anos para estarem em condições oficiais de ingressarem no ensino primário comum.

Um elemento interessante é que numa das suas alíneas autorizava o uso das línguas africanas no ensino de adaptação como instrumento de ensino da língua portuguesa. As experiências e a política do INDE quase coincidem com este posicionamento hoje em dia. O ensino de adaptação tinha a duração de três anos letivos.

Enquanto o ensino de adaptação era para crianças dos 7 aos 12 anos, e obrigatório, terminava

com um exame de 4a classe, o ensino primário, era para os brancos e assimilados, dos 6 aos 10

anos de idade.

Aqui verifica-se que a mudança do nome de ensino rudimentar para ensino de adaptação foi apenas cosmética. Na prática, o sistema manteve-se discriminatório para a população nativa de Moçambique.

As escolas de adaptação poderiam funcionar mesmo nas casas dos professores enquanto que as escolas oficiais só podiam funcionar em edifício próprio, convenientemente mobilado e dotado de material didático. Elas deviam ser construídas em local central e bem arejado, de fácil acesso, sem vizinhanças incómodas. As escolas de adaptação poderiam funcionar em qualquer local, ( Castiano, et.al, 2005).

Como se pode depreender, de facto a mudança foi cosmética na medida em que enquanto as escolas de adaptação podiam funcionar em qualquer local incluindo nas casas dos professores, as escolas oficiais só podiam funcionar em lugares bem arejados com mobiliário e sem vizinhanças incómodas.

A segunda reforma foi objeto do decreto n 45.908 de 1964 que promulga as reformas do ensino primário elementar a ministrar nas províncias ultramarinas e alarga a ligação com a Igreja Católica no ensino, reconhecendo a cooperação realizada por essa Igreja.

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No âmbito desse decreto substitui-se o termo adaptação pelo ensino pré-primário que visava a aquisição correta da língua nacional. Isso decorre do facto de se pensar que os nativos não tinham conseguido dominar o suficiente a língua portuguesa no âmbito do ensino pela Igreja, daí a introdução das línguas africanas para auxiliar na compreensão do português (Mazula, 1995).

Em 1964, Portugal reestruturou o ensino, passaram a existir dois tipos de ensino: o oficial e o oficializado. O Estado passou a assumir na educação um papel mais dirigente, tirando a igreja católica o monopólio do ensino primário, criando as escolas do posto e as escolas do ensino primário. Estas últimas ofereciam a 4 classe e a última classe do ensino primário. As do posto apenas leccionavam a pré-primaria e as três primeiras classes. Em termos de currículo fez-se uma certa africanização dos conteúdos das primeiras classes, (Goméz, 1995,p.64).

Uma outra reforma foi a substituição do Ensino Rudimentar pelo ensino elementar dos indígenas para as zonas rurais. A 4a classe desse ensino correspondia a 3a classe do ensino oficial. Na realidade, o aluno da escola elementar precisava de frequentar mais uma classe nestas escolas para poder se matricular nas escolas subsequentes que só funcionavam nas cidades sendo esta uma barreira geográfica para as crianças indígenas, (Castino, et.al, 2005).

Em relação à Igreja Católica determinava-se que as autoridades missionárias teriam plena liberdade de ação missionária em todas as escolas primárias. E, o Estado forneceria monitores e professores por si pagos. Essas reformas aparecem por causa da conjuntura internacional marcado pela descolonização e pela luta das colónias pelas independências.

Em torno das metodologias de ensino para as escolas rudimentares os professores batiam nas crianças, insultavam nas, faziam nas trabalhar nos seus campos, ficavam de joelhos, puxavam as orelhas. Quando se visitava uma escola moçambicana no tempo colonial invariavelmente dois aparelhos de castigos: pau ou chicote e uma palmatória, (Johnston, 1989).

Os poucos alunos africanos que conseguiam ultrapassar a barreira do ensino primário, eram canalizados, na sua maior parte, para os níveis mais baixos de formação profissional. E, quando chegavam no ensino secundário eram canalizados para as escolas técnicas.

O objetivo da educação colonial era manter os africanos na ignorância política para que não se tornassem politicamente conscientes.

A mesma característica verificou-se também em Portugal, pois depois de 1926 a cultura viveu o saque, a educação considerada um mal e um perigo para a docilidade tradicional do português, as

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grandes reformas da república foram extintas, os debates à volta dos problemas pedagógicos, proibidos, as associações de professores reduzidas a pó, (Fernandes, 1981).

O colonialismo exigia, essencialmente, o desnível das raças e das culturas, um objetivo de exploração económica servido pela dominação política a qual geralmente se exprime pela diferenciação entre cidadãos e súbditos, (Almeida, 1979, p.315-6).

A educação colonial para africanos consagrava e legitimava, na sua estrutura e nos seus objetivos e conteúdos, a desigualdade, a descriminação económica, política e social da população africana. O ensino visava a submissão dos africanos, intitulados nos documentos e legislação coloniais de dignidade, nunca o seu desenvolvimento cultural científico. “Todo o sistema de ensino africano é delineado para produzir não cidadãos mas servos de Portugal”, (Mondlane, 1975,p.75).

Apesar disso, essa educação trazia algumas vantagens a minoria africana: ser isenta de alguns abusos coloniais mais frequentes e poder subir alguns degraus na pirâmide social, permitindo lhe obter o emprego e um certo reconhecimento por parte dos colonialistas. Era um caminho que lhe permitia fugir à triste sorte em que se encontrava a maioria do povo africano.

Este fato fez com que os camponeses recusassem enviar os seus filhos à escola, por considerarem que ela os afastaria deles para sempre. Consideravam o ingresso dos filhos na escola uma vantagem sem retorno.

3.6.1.1 Educação Básica oficial

O ensino oficial colonial continuou, pois, a ser ministrado aos filhos dos colonos brancos e aos assimilados, ele dividia-se em ensino primário e liceal. O ensino primário abrangia dois graus de educação: elementar e complementar. O ensino elementar era obrigatório para todos os portugueses, não indígenas. Destinava-se a habilita-los a ler, escrever e contar, compreender os fatos mais simples da vida e exercer as virtudes morais e cívicas. Este ensino estava previsto para as crianças dos colonos que tinham completado 7 anos. Quanto à idade respetiva o regulamento é

muito preciso ao afirmar que aos 7 anos corresponde a 1a classe, aos 8 anos 2a classe, 9 anos 3a

classe e aos 10 4a classe. Mas, acrescenta que a frequência de uma classe por alunos com menos

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administrar todo o ensino primário no lar doméstico, para além de escolas particulares, (Castiano, et. al, 2005).

Em resumo pode se considerar que a educação básica colonial era discriminatória na base da cor da pele. A maioria negra africana estava sujeita a uma educação de baixa qualidade com o propósito de lhes manter ignorantes. Na visão colonial, essa estratégia iria lhes impedir de ter uma visão correta sobre o mundo e os fenómenos. Neste sentido, os negros, iriam-se manter colonizados por longo tempo.

Contrariamente a educação reservada para a maioria dos negros, os brancos e mulatos tinham a oportunidade de ter uma educação de boa qualidade que lhes iria permitir manter a posição de classe dominante.

Infelizmente, essa realidade de existência de dois tipos de ensinos para dois tipos de alunos marcou e continua a marcar a história de educação de Moçambique, com maior incidência a partir da altura em que o ensino ficou liberalizado. A única diferença que se nota no momento atual relativamente à época colonial é de não ter como base de descriminação a cor da pele, mas a posse económica. Evidentemente, uma minoria pertencente à classe alta e média em Moçambique estuda em escolas privadas onde as condições de ensino (salas, professores) são melhores que nas escolas sob gestão do Estado. Este facto, parecendo simples, contribui para a manutenção da posição de classe dominante.