Em nome da saúde: o alimento funcional aliado do corpo da beldade.

A saúde, propagada e endereçada como um atributo da boa forma, é apontada pela dieta rica em propriedades que dão agilidade e potencia ao corpo, ajudam a emagrecer e são explicadas por suas características funcionais.

“Adora grãos integrais, come carne, frango, peixe, além de frutas e verduras.” “Procura deixar as folhas já lavadas e secas na geladeira, para ser mais prático na hora de preparar o jantar” (RC06);

“O segredo da apresentadora é dar preferencia aos alimentos naturais em vez dos industrializados. É louca por frutas, saladas, legumes, (apenas ligeiramente cozidos), ovos, massas integrais e grãos como soja e quinua”. (RBF12);

Percebemos que o apelo à alimentação saudável é fortalecida pela indústria alimentar associada ao discurso dos especialistas em nutrição, que operam como os mais fortes estimuladores do consumo de comida dita “saudável”, “funcional”, que melhora a performance e que auxilia na perda de peso, na diminuição da gordura corporal e ainda no aumento de massa muscular20. As revistas vem num crescente estimulo à alimentação suplementar, com produtos que eram de um seleto grupo de esportistas, os chamados “marombados” e que, agora, estão disseminados no discurso da saúde.

20 _{Durante a escrita da tese, observamos a proliferação dos Nutricionistas com suas consultorias aos} mais variados segmentos esportivos nos sites de relacionamentos. O facebook tem sido o espaço onde mais aparecem profissionais com suas logomarcas associado cardápios personalizados. Em consulta a três dos profissionais encontrados no site, com preços entre 250 e 400 reais, recebemos cardápios voltados para a queima de gordura, diminuição do percentual de massa gorda e estímulo à ingestão de produtos como shakes de proteínas, barras de proteínas, energéticos, capsulas de aceleradores de metabolismo e consumo de pouco ou pouquíssimo carboidrato na dieta.

“Ela simplesmente excluiu da alimentação, a fritura, o leite e os carboidratos simples”. (RBF07);

“Tem pavor de imaginar que pode sentir fome. Por isso mesmo, para onde vai leva sua marmita.” (RCC 03);

“No jantar, moderação também, na forma de uma omelete de claras, uma salada igual a do almoço ou só um shake de wheyprotein”. (RBF11);

“Ela carrega diariamente uma lancheira com banana, wheyprotein, sanduíches saudáveis de peito de peru, queijo branca e requeijão e garrafinhas de água para onde quer que vá.” (RCC08);

Os produtos para suplementação estão cada vez mais difundidos entre os praticantes de atividades físicas e quando passam a ser veiculados nas revistas como também consumidos pelas celebridades, criam demandas de consumo entre o publico feminino que faz algum tipo de esporte e que também passa a desejar experimentar os produtos nomeados. É assim que o discurso medico-cientifico sofre um processo de incorporação e é difundido entre os consumidores. Falar de proteína magra, carboidrato complexo, baixo índice glicêmico, alto teor de vitaminas, nada disso é mais novidade entre famosos, sarados, atletas, a nova onda de malhados e esportistas.

“Para manter a silhueta em ordem sem cair em tentação, a loira não se esquece de carregar sua marmita express.” “Tomo café como um rainha, almoço como uma princesa e janto como um mendiga.” “Não vivo sem gelatina diet” (RCC 09);

“Mais segredos da dieta da Claudia: muita agua, leite de soja, cereais e sementes, comer de três em três horas”. (RBF05);

“Sempre opta por alimentos mais saudáveis, como frutas, verduras, legumes, grãos e pães integrais, além das carnes magras.” (RCC12);

“Ela da preferência ao trigo sarraceno (sem glúten) e ao grano duro”. (RBF03);

“No almoço é salada verde variada com uma proteína. No jantar, sempre como salada com um grelhado ou sopa de legumes com uma fonte de proteínas.” (RCC11);

“Dou preferência a carnes grelhadas, arroz integral verduras e legumes.” (RCC02);

“a atriz chegou para a sessão de fotos com duas garrafas: uma de água e outra, térmica, com sopa. São suas duas aliadas para manter o peso sempre entre 56 e 57 quilos.” (RBF04);

“O foco é a escolha de alimentos de melhor qualidade. Passou a consumir mais linhaça, aveia, castanhas (amêndoa, pistache, castanha-do-pará), frutas e vegetais crus e azeite extravirgem”. (RBF09);

Vimos nas falas das entrevistadas uma enorme preocupação com os contornos corporais e desta feita, muitas optam por levar a comida a tiracolo não correndo o risco de sucumbi às tentações.

“É muito difícil hoje alguém dizer que não sabe quais os alimentos fazem mal a saúde ou que engordam.” “Quando sinto que passei da conta tomo sopa no almoço e no jantar durante dois dias” (RCC10).

Este discurso revela que a possibilidade de sair da linha já vem associada a uma recuperação imediata da disciplina e dos cuidados. Na matéria, a atriz expõe a receita da sopa milagrosa de que faz uso para “limpar o organismo.”

“Acho muito frustrante a proibição. Logo, se tenho vontade, eu como ou bebo e depois sigo a lei da compensação.” (RCC08).

A marca da lei imposta pelo dispositivo discursivo, aparentemente suplantada, retorna através do sacrifício posterior, compensatório dos excessos.

“Você perguntou como eu me mantenho magra? Então, eu não como nada disso.” “Não é que não goste das coisas boas da vida, como tomar um bom vinho, provar um doce, saborear com vontade um sorvete, mas tudo isso engorda quando você passa dos 30, então o jeito é me privar mesmo.” (RCC11).

Há aqui a clareza de que viver se dando a possibilidade de viver as coisas boas implicará em engordar e sair da linha, se desregrar.

“Eu não faço dieta. Mas evito comer doces durante a semana. Chego até a abrir mão da sobremesa, a menos que vá almoçar ou jantar fora.” (RCC05).

Percebemos ai que mesmo querendo transmitir que leva uma vida sem muitas regras, o que revela é muita disciplina, tendo em vista evitar alimentos que ela classifica como prejudiciais a sua boa forma e que podem comprometer seu empenho. Denegando o sacrifício, as famosas vão revelando uma vida cheia de regras dietéticas.

Para os casos em que é necessário comer ou quando a vontade bate e não há outra possibilidade, temos depoimentos como esse:

“Eu apenas provo, mato a vontade e acabou” (RCC08);

As beldades confessam que em alguns casos e situações podem furar a dieta e exceder na alimentação, mas:

“Se tenho vontade eu como e bebo e depois sigo a lei da compensação.” (RCC08);

“A saída que a atriz arrumou para evitar um maior consumo de alimentos gordurosos é dividir as porções.” (RCC02);

“Deixa as regalias gastronômicas para curtir com o marido apenas no fim de semana.” (RCC01);

Mas há ainda as que não saem da linha nunca e são destacadas pela matéria como disciplinadas, focadas, com a conotação de ascese corporal pela renúncia ao que comprometeria a forma, por mais tentador que pareça ser:

“No dia a dia ela consegue ser assim, determinada, focada em tudo que faz.” “Para continuar magra é preciso ser disciplinada”. Comigo não tem essa de lei da compensação. Por isso, raramente saio da dieta.” (RCC11);

“Não que isso seja fácil, pois mudar hábitos é difícil, mas quando se alcança o resultado, essa vitória é um incentivo para continuar na dieta” (RCC09);

O controle dos prazeres visto aqui como a capacidade de controlar os impulsos gustativos aparece como uma submissão do corpo aos ditames atuais da magreza e mesmo que pareça se tratar de uma escolha, na verdade, trata-se é de assujeitamento pela obrigatoriedade ao modelo de beleza e forma que vem sendo disseminado e ditado.

Percebemos nas falas que há cotidianamente a busca por alimentos que ajudem a manter a forma e “revelem saúde”, como os integrais, os naturais, as carnes magras. A possibilidade de fugir do proposto para manter a beleza passa a ser possível – numa provável aproximação da beleza ideal revelada às leitoras – mas não por muito tempo. Assim, há a construção do plano a ser seguido pelas mulheres comuns desde que elas se empenhem e, num escorrego provável, não desistam.

8.2.5. O corpo esculpido: exercícios físicos como técnica de confecção de