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O império do empenho: o incessante trabalho das aparências.

8. CAPÍTULO VII: A CONFECÇÃO DO CORPO NAS REVISTAS: TECENDO OS FIOS DESSA COMPLEXA MALHA

8.2. As capas das revistas: Hígia e Afrodite conciliadas em Hebe.

8.2.3. O império do empenho: o incessante trabalho das aparências.

A mensagem associa à luta incessante pelo corpo confeccionado - magro e jovem, com curvas na medida, sem saliências muito marcadas -, ao sucesso e à felicidade. É o ciclo de investimento no belo e saudável via disciplina e perseverança. O magro permitido e ressaltado pelas revistas não advém de qualquer possibilidade estética, posto que é certo tipo de magreza autorizada.

O corpo deve ser esculpido com rigor técnico, com finalidade fitness, que indica leveza e agilidade, própria de corpos que permanecem ativos, seja pela prática cotidiana de inúmeros esportes, a alimentação saudável composta por ingredientes funcionais e também pela utilização de tecnologias médico-estéticas.

“A atriz conseguiu melhorar – ainda mais - o que já parecia estar impecável: ela não apenas diminui medidas, como está com o corpo superdefinido. E mais: baixou do manequim 38 para o 34” (RCC 01);

“Revela nas próximas páginas como manter a silhueta enxuta, apesar das dificuldades” (RCC02);

O trabalho de elaboração da imagem repercute no plano da subjetividade, que também alimenta essa fantasia de a felicidade poder estar numa certa estética, indicativa de eterna juventude. A fragilidade, o circunstancial, a diferença, tudo cede lugar à constante disciplina indicada a todos. Assim, o compromisso com o corpo é revelado por passagens que apontam regras de empenho e dedicação.

“Levar uma dieta mais regrada durante a semana faz parte” (RCC10);

“A minha meta é manter os músculos no lugar, ganhar um tônus mais definido para usar roupas justas e deixar as pernas à mostra sem medo” (RCC06);

A disciplina também aparece na explicitação das medidas corporais num “quase lá”, mas sempre ainda “por fazer mais”, onde o padrão está por ser atingido, tendo em vista a luta diária em busca das formas tomadas como hegemonicamente belas e determinadas por padrões da área da saúde amplamente difundidos no cotidiano das mulheres.

“Dona de um corpo escultural com seus 49kg distribuídos em 1,70 revela que passou a se dedicar mais a ele.” (RCC06);

“Seu DNA privilegiado deu origem a um corpo escultural, mas o que vem primeiro, no caso dela, é a disciplina”. (RBF12);

Os médicos especialistas em beleza e boa forma são denunciados por Wolf (1992) em sua obra feminista de grande impacto nos anos noventa, como desviantes da liberdade dos corpos femininos, ou seja, classificam como doença atitudes supostamente “indisciplinadas”, vistas como indisciplina. Articulando tal assertiva com nossas investigações, abrir mão do controle rigoroso que o saber hegemônico propaga implica produzir novos modos de viver alheios e, portanto, marginais. Significa então distanciar-se do caminho que resulta na possível e idealizada obtenção do corpo entronizado pelas revistas e por seu público consumidor.

“Estou feliz com o meu corpo e a minha aparência. Tenho certeza de que isso é resultado dos cuidados que tenho no dia a dia”. (RBF10);

“Mesmo estando sequinha, não adianta, tenho que estar tonificada e com pique para aguentar a jornada dupla” (RCC08); “Mostra que conseguiu melhorar o corpo que já era espetacular: secou 3 quilos e está mais definida.” (RCC08);

“Nosso corpo é uma veste sagrada. Merece ser cuidado com muito amor”. (RBF04);

“Não existe fórmula mágica: o importante é ter bons hábitos, porque eles acompanham você pra sempre” (RBF09);

“A atriz, que sempre foi magra, começou um programa para ganhar músculos e diminuir o percentual de gordura” (RCC03);

“Não há milagre: é preciso comer direito e malhar.” (RBF02);

Percebemos a constante associação entre poder e trabalho das aparências, corpo lapidado, feito, por um trabalho de muita disciplina e persistência. O que revela o

corpo estampado nas capas das revistas com tais imperativos de superação? Através do aparato de difusão midiático, como ressalta Oliveira e Silva (2008), há um apelo para a produção de corpo perfeitos, com padrões juvenis. Percebemos facilmente tais evidências nas capas feitas com mulheres em destaque pelo investimento sub-reptício na imagem, seja aos dezoito ou aos cinquenta anos de idade, através de muita renúncia e disciplina. No debate conta o envelhecimento está em questão o medo de ficar velho, obeso e feio, sendo então o corpo espaço arquitetado como modelo de desejo e idealização.

Há ainda a associação, em dez exemplares, de um adicional ao exaustivo trabalho de culto corporal para a saúde e a beleza: a maternidade. Se outrora a mulher teve que renunciar a tudo para exercer tal função, hoje é imperativo dar conta de mais este papel social, sem que isso atrapalhe a luta em busca da manutenção da beleza, da saúde e da magreza. É urgente recuperar as formas e ter tempo para resgatar a esbeltez. Mãe, mas acima de tudo, bela e magra.

“Resultado de tanto cuidado? Seis semanas depois do parto, Gisele voltou ao trabalho: pousou para uma campanha de moda om o corpo impecavelmente em forma.” (RBF02);

“Apesar das duas gestações, está com o corpo ainda mais incrível.” ; “Mesmo depois de dar à luz ao Joaquim, eu mantinha a rotina de exercícios – musculação e corrida – nos seis dias da semana.” (RCC5);

“Aos 35 anos e mãe de gêmeos, a modelo e apresentadora está em todas as rodas quando assunto é corpo perfeito”. (RBF12);

“Como pode, aos 31 anos e com um filho pequeno, ter um corpo tão bonito, tão perfeito?” (RBF02);

“Não exagerei em nada e mantive uma dieta bastante saudável pensando, inclusive, no bem-estar do bebê. Fiz ioga, caminhada e transport até o nono mês. E, uns 20 dias depois do parto, já voltei a caminhar.” (RBF07);

Eis a marca do controle corporal, como nos aponta Miskolci (2006). A busca de adequação tem fortes consequências sociais, econômicas e também subjetivas. A tensão produzida também inaugura novas formas de maternidade, dada a crescente disciplina e ajustamento dos corpos aos modelos estabelecidos de saúde e beleza. A ascese não é espiritual, é somática. É preciso por o corpo em movimento com urgência e

mesmo depois de um parto, não há tempo a perder! A geração saúde de outrora tem novas configurações e impõe disciplina e empenho aos que pretendem dar-se ao pobre e desprezível comportamento de preguiça e deseixo.

“Ela consegue estar com o corpo ainda mais enxuto e definido do que antes da gravidez” (RCC11);

“Eu acordo as crianças às 6:30, apronto os dois para irem à escola, acompanho o café deles, durmo até 9:30. Levanto, tomo café e vou malhar” (RCC05);

“A atividade física esteve presente durante toda a gravidez: Gisele fez ioga três vezes por semana e kung fu até duas semanas antes do parto”. (RBF02);

“Ela não dorme antes das duas da manhã, levanta para ver o Lucas antes de ir para a escola, volta para a cama, acorda às 11 horas, brinca com o pequeno Lorenzo e só depois que o alimenta e ele dorme é que ela vai fazer os exercícios do dia.”; “Também me exercitei durante os nove meses. Quando saí da maternidade, tinha 10 quilos para mandar embora”. (RBF11);

A proliferação de clinicas de estética, de academias de ginástica e tantos outros templos que abrem nas grandes e também pequenas cidades do país em nome da boa forma e da saúde são iguais quanto ao discurso que as autoriza: o científico. Com profissionais de várias áreas e com suas especialidades em cada região do corpo, com benefícios para a vida em geral, a autoestima, a tecnologia médica articulada via mídia, define sonhos, projeta investimentos e desenha modos de ser bela, de ser magra, de ser saudável, de ser feliz, de ser.

Tais escolhas não podem ser feitas por qualquer pessoa: um profissional da área da saúde que conheça a fundo os efeitos e oriente para o melhor resultado e de forma personalizada, é essencial, segundo as mensagens que as matérias expõem e transmitem às leitoras. Os inúmeros modos apontados para zelar pela saúde – jargão de grande sucesso nas páginas exploradas – sob precisa supervisão profissional aparecem recorrentemente.

Com Chaui (2007), sabemos que “não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer circunstância” (p.19). Os especialistas sabem então transformar seus dizeres em verdades, respaldados por um campo de saber supostamente científico, que tem a linguagem institucionalizada.

8.2.4. Em nome da saúde: o alimento funcional aliado do corpo da

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