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8. CAPÍTULO VII: A CONFECÇÃO DO CORPO NAS REVISTAS: TECENDO OS FIOS DESSA COMPLEXA MALHA

8.3 Deixando o corpo sempre em forma.

8.3.2. Giro na Academia.

Essa página da revista tem um formato parecido com a da seção anterior, mas bem mais especifica por ser voltada para atividades, produtos e dicas do mundo da prática de esportes na academia.

Todas as edições trazem imagens da mulher jovem, magra, sarada e em movimento, expondo a parte do corpo que o exercício evidencia. A proposta parece ser a de encher os olhos da leitora para a modalidade do fascículo daquele mês. Há clara divulgação de academias e redes que estão no mercado, voltadas essas linhas num verdadeiro comercial onde o serviço liga-se ao produto.

Courtine (2005) aponta que foi nos anos 80 que o mercado do músculo se desenvolveu, ligado à indústria de serviços e produtos para este fim.

Impérios industriais, com atividades diversificadas, ocuparam essa fatia do mercado relativa ao ferro, às vitaminas e ao suor, produzindo tanto aparelhos de musculação, quanto suplemento nutricionais, ou ainda publicando revistas especializadas sobre boa forma, saúde, os regimes alimentares e o desenvolvimento corporal. (p.84).

Encontramos a apologia ao mercado do corpo “sarado”23 na medida em que tudo se volta para trabalhá-lo pela via da tecnologia do suor. Nas diversas modalidades apresentadas, o pole dance é uma delas. Nomeado como “sensualidade que define” o corpo, apresenta uma modelo em posição acrobática com o movimento explicitado.

Entre na dança é um tópico em destaque sugestivo de exercícios difundidos por certa rede de academias que propõe 30 minutos ao dia de prática para “ficar em forma”.

Em Nocauteie o sobrepeso a dica é praticar artes marciais mistas, difundidas entre os homens e popularmente conhecida como MMA. Outra matéria trata de sugerir ioga em 26 posturas e liberar as toxinas.

Ainda segundo Courtine (2008), é preciso sofrer se distraindo. A dor do esforço e o tédio da rotina devem ser combatidos pela excelência do material tecnológico. Nós achamos que mais do que isso, é preciso não sofrer e ainda descobrir um prazer na dor de se exercitar. É preciso chegar ao ponto de descobrir que a liberação de “endorfina” dá satisfação e a “adrenalina” do ato de praticar exercício faz bem ao corpo, como crédito.

Pague pelo que usa é a proposta de uma rede de academias onde o preço, anuncia-se, “não pesa no bolso.” “Muito além das pancadas” indica o boxe como novidade de outra rede de academias e que desenvolve habilidades como força, velocidade, tempo de reação. Uma academia de praia proporciona treino onde o esporte é feito ao ar livre. Outro anúncio parecido é intitulado “com os cabelos ao vento” anuncia treino de corrida num grande parque de São Paulo, onde um centro de bem- estar lançou a proposta. “Para o alto e avante!” fala de treino de aventura, a escalada, também disponível em unidades do estado de São Paulo e que podem ser aliadas da mulher.

Percebemos que a proposta é vender, propagar novas modas a serem adotadas nas academias e reproduzir o modelo de corpo ágil, esguio, pronto para novos desafios, jovem e atlético, porém, sem músculos em excesso, como explicitado nas imagens anunciadas.

23 Interessante perceber que a expressão “sarado” vem de sarar, curar, tratar, restabelecer a saúde. A utilização do termo corrobora com a nossa indicação de que há certa colagem entre as expressões boa forma e saúde, reiteradamente usadas como sendo a mesma coisa, já que quem busca saúde parece seguir o caminho da boa forma. Os discursos da ciência médico estética são disseminados nas revistas com esse sutil deslocamento, gerando um peso enorme nas escolhas de consumo das leitoras e, como efeito, nos seus modos de subjetivação.

Chamou-nos a atenção o fato de que todas as mulheres que apareceram nas edições eram brancas, além de magras e jovens. Não há registro algum, seja na capa ou no interior das vinte e quatro revistas, de modelos de pele negra. Evidencia o fato de que mesmo com todo movimento de luta por igualdade racial, o modelo de beleza está bem longe do perfil étnico da(s)mulher(es) brasileira(s), delineado na diversidade de cores, de tamanhos e de texturas. Segundo Fry (2007), o mito da democracia racial existe junto com o da inferioridade negra e isso permite entender as diversas caras do racismo no país.

Poderíamos justificar que as revistas têm se especializado no público negro, inclusive com produtos de beleza desenvolvidos para esta fatia de mercado que vem crescendo nos últimos anos. A linha de embelezamento, parece-nos, maquia os problemas através do investimento maciço na aparência. Entendemos ainda que se algumas mulheres negras estivessem estampando as revistas pesquisadas isso, por certo, não garantiria reconhecimento da diferença. A presença poderia ser apenas um fenômeno de mercado que muitas vezes silencia as discussões dos movimentos sociais para dizer-se “inclusivo”24.

Com as considerações que fizemos neste ponto, compreendemos que o modelo de beleza é baseado na imagem que se constrói ainda na infância, enredadas no mundo lúdico da fantasia de felicidade e completude. Sobre esse mundo, no imaginário ocidental o feminino liga-se o belo através de bonecas como a Barbie, por exemplo, fenômeno de venda desde muitas gerações. Os contos de fadas, que colorem a vida infantil das meninas, têm personagens marcadamente inocentes e com traços femininos de delicadeza e perfeição – cabelos longos, lábios corados, pele branca “como a neve”. A presença da figura masculina que tem a força e o poder de proteção está representada pelo príncipe em seu cavalo, ao guerreiro protetor, que salva a mocinha. Feitas tais reflexões, retomemos a seção da revista, sobre academias, mas que continua destacando a imagem da bela jovem branca lapidada pelos muitos produtos e serviços da malhação.

O anúncio de equipamentos mais recentes lançados no mercado fitness aparece na página, em breve nota, com a imagem do produto e a descrição de suas qualidades.

24 Dizendo isso, lembramos a participação de pessoas negras nas novelas brasileiras, ainda em personagens estereotipados; propagandas como as de produtos que incluem famílias, de fraldas descartáveis com crianças negras, brancas, orientais, fazendo parecer respeito à diversidade. Afinal, como nos diz Fry (2007), os redatores dos textos publicitários são formados em grandes universidades onde a discussão sobre racismo acontece e é condenado. A busca por lucro se baseia em parâmetros culturais, certamente.

São modelos de bicicletas, aparelhos de musculação versáteis, eletrônicos, esteiras, plataformas vibratórias e o elíptico, tudo na intenção de popularizar os produtos e atingir o público leitor.

Beldades aparecem em fotos na parte inferior direita da página, sorridentes e depondo sobre como se exercitam. Modelos, atrizes, apresentadoras, todas expõem breve nota enaltecendo o valor da atividade física para seus corpos.

“Sinto a minha barriga bem mais sequinha.” (RCC08);

“O esporte (jiu-jitsu) diminui o estresse, define o corpo, aumenta a resistência e a flexibilidade.” (RCC07);

“Os braços, as pernas e o abdome, que são meu foco na malhação, estão ficando do jeito que eu gosto.” (RCC11);

“Faço musculação diariamente” (RCC12);

“Quando tenho disponibilidade, aproveito para conhecer aulas diferentes.” (RCC06);

“Gosto de ginástica localizada e runningclass, mas a minha preferida é a de spinning, que trabalha a parte aeróbica e os membros inferiores.” (RCC10);

“Hoje, malho todos os dias. Gosto bastante de correr, capricho nos abdominais e na série para o bumbum. Com essa rotina estou superfeliz com o meu corpo”. (RCC03);

Evidente que a proposta publicitária é passar a mensagem de cuidado com o corpo, zelo e acima de tudo, prazer e satisfação em malhar, em treinar. A informação, além de incentivar a prática cotidiana de exercícios como um “bem”, ainda sugere em suas mensagens, a necessidade de sentir prazer e não sacrifício, por isso. Assim, não é suficiente se exercitar de qualquer modo, mas é preciso ter gosto pela prática, muito empenho, compromisso com os resultados.

“Sempre gostei de esportes. Também adoro correr: alivia a ansiedade e me dá energia.” (RCC04);

“No inicio eu não gostava muito da atividade física. Mas a liberação de endorfinas me faz sentir tão bem que tomei o maior gosto pela prática.” (RCC02);

“Sempre que minha agenda permite, vou à academia todos os dias. Faço powerjump, treinamento funcional, ioga, aulas de abdominal, entre outras.” (RCC01).

Finalmente, Giro na academia apresenta 5 motivos para experimentar..., onde modalidades de treino são apresentadas em suas qualidades e os motivos para

aderir ao treino, explicitados. O que se repete na sugestão de experimentação é sempre o alto gasto calórico num tempo breve, a melhoria da resistência cardiovascular, com o tom do “bom para a saúde”, a diminuição do estresse, o aumento da agilidade, da concentração, coordenação motora, entre outros.

O embelezamento do corpo através de tantos recursos reafirma, paradoxalmente, sua posição objetalizante, como máquina, engrenagem móvel e ágil que deve funcionar com excelência e seguir sem falhar. O autogerenciamento do corpo, de acordo com o que nos sugere Lefevre (2009), o inscreve não mais como “patrimônio” com o qual se vem ao mundo. De destino, ele passa a ser meio para seu próprio beneficio, já que pode ser esculpido, lapidado, reformado ou como estamos denominando em nossa tese, confeccionado.

Ainda no bloco de matérias de Corpo em Forma, a seção permanente Hits de

Fitness trata puramente de apresentar produtos esportivos em circulação no mercado, elegendo um item a cada mês, em suas várias versões, cores e modelos. Desde equipamentos de esportes radicais ao ar livre, relógios, roupas para treino esportivo, bonés, óculos, tênis, maiôs, mochilas, legging, jaquetas corta vento, garrafas de hidratação, equipamentos para o verão, tudo merece destaque de acordo com a estação. Tais produtos estão sempre acompanhados de seus preços e marcas, com as especificações de (multi) uso, deixando ao deleite da leitora as variadas possibilidades de escolhas para manter a forma. Trata-se de um gigantesco comercial de produtos, para todos os gostos!

Quem cria e seleciona os produtos para serem veiculados nas edições das revistas tem o mesmo interesse, de vender. A venda tem relação estreita com a captura dos valores hegemônicos. Isso passa pela construção imaginária das representações dos próprios consumidores, ou seja, é preciso saber o que estes desejam e como representam o mundo para, então, fabricar tais sonhos. Para Shaw (2003), “o corpo tem um papel central na construção desses anúncios: é um veículo de estórias culturais sobre amor, sexualidade, sucesso entre outras.” (p192).

Em arsenal anti-fadiga, a matéria anuncia que “depois de algum tempo de treino, o corpo vai se rendendo ao cansaço e o desempenho tende a cair”, mas há uma “boa noticia”, “itens esportivos já contam com tecnologias que retardam o desgaste.”

(RCC08).

As opções incluem bermudas que exercem pressão nos músculos e atenuam microtraumas, câimbras e distensões. Há ainda camisa que possui efeito sombra ou

legging emborrachada que ajuda a corrigir a postura e melhorar a performance. Tem o top que sustenta os seios e combate a fadiga. Tudo com alta tecnologia em saúde – supostamente – para que o que é bom fique ainda mais completo, para que o corpo seja beneficiado. A ciência sempre se encaixa nas entrelinhas a favor do aumento das potencialidades. Percebemos que é mais uma página ditando modelos de consumo vinculados a estilos de vida e modos de ser. Os detalhes de descrição dos produtos chegam embalados com a funcionalidade como sendo o grande “diferencial”. Tudo para aumentar a capacidade de movimento e desempenho, tornando o corpo mais ágil, ativo e cheio de vida.

Finalmente, a seção analisada tem como matéria fixa a cada edição o Treino da

famosa. Muito parecida com a abordagem que traz a famosa na capa da revista, o destaque agora é para o treinamento, exclusivamente. Com chamadas do tipo: “gata poderosa”, “curvas à prova de correria”, “linda e serena”, “corpão poderoso”, “furacão carioca”, “muito além do rebolado”, a ideia é evidenciar o trabalho corporal rígido e os resultados revertidos em beleza e notoriedade.

A imagem das beldades recheia a capa inteira e elas aparecem nos seus locais de treino para mostrar a “realidade” que vivem. Seja no tatame para a ioga, no ringue para o box e o jiu-jitsu, na academia de ginástica para a malhação ou nos equipamentos de pilates, todas disponibilizam à leitora seus treinos e explicam como fazem para manter ou melhorar a forma considerada escultural.

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