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2. CAPÍTULO I: ALGUMAS PERSPECTIVAS DA HISTÓRIA DO CORPO FEMININO NO OCIDENTE

2.3 Concepções de corpo no Renascimento: da medicina popular ao saber científico.

2.3.2 Um pouco de Brasil em tudo isso

Del Priore (2011), em pesquisa sobre historias íntimas no período do Brasil Colônia, nos diz que eram leis imperativas que regulavam um país provisório, com desconforto e pobreza, onde a água só em rios, poços e lombos de burros. A erótica tinha suas regras reguladas por condutas internalizadas.

Vestida com mínimos pedaços de tecidos, as mulheres do Brasil andavam nuas e isso não tinha o apelo erótico que hoje se revela na nudez. Essas moças, bem moças, gentis, de cabelos pretos como graúna, compridos e igualmente belos. Montadas sobre animais exóticos como jacaré ou tartaruga, as índias daqui eram registradas pelos

3 No site: www.ego.glogo.com é possível ver as grávidas famosas de 2010, como Sheila Carvalho, Adriane Galisteu, Vanessa Loes, esposa de Thiago Lacerda. Vanessa, já entrando no nono mês, expõe sua barriga enorme, mas um corpo praticamente inalterado pelo estado gravídico, no carnaval do Rio, num camarote vip de marca de cerveja famosa. Sheila Carvalho, no mesmo site, declara, uma semana após dar a luz, que tem lutado para perder os 15 quilos ganhos. Já faz dietas e tratamentos estéticos para recuperar a forma com aparelhinhos que ajudam. Ainda durante a gravidez, revelou que se comer como rainha, vira um rei momo e por isso continua a malhar todos os dias, durante a gravidez. Já Galisteu declarou o quanto a gravidez foi difícil pelo aumento de peso. Limitada pela situação gestacional, a apresentadora e atriz diz que só tem comido, mas o seu consolo é que tudo isso passará. No sétimo mês, ela dá entrada em SPA no interior de São Paulo e segue fazendo exercícios de baixo impacto idealizados por seu personal trainer até o parto. Mais recente, tivemos o aparecimento da top Gisele Bündchen, depois de um mês de ter o seu segundo filho, ainda mais magra do que antes.

gravadores do Renascimento. Nuas em pelo, as “americanas” exibiam-se, também, “nas múltiplas gravuras que circulavam sobre o Novo Mundo, com seus seios pequenos, os quadris estreitos, a cabeça coroada por plumagens ou frutas tropicais” (p.16).

O nu referido não era ligado à sexualidade, mas ao despojamento, à pobreza dos recursos. Muitas vezes essa nudez também era despossuída de gordura, outro traço de beleza ausente. Contudo, através dos escritos de Caminha e de outros registradores das descobertas tropicais, essa erotização começa a ser fabricada pela descrição na nudez com emoções singulares e olhares desejosos. “As linhas, os volumes, as superfícies, o frescor desse território corporal margeado por traços desconhecidos, cores impensáveis, luminosidades constantes eram fixados por outras referencias que aquelas do Ocidente europeu” (SOARES, 2008, p. 70).

Os jesuítas, por seu turno, aprofundavam a satanização dos índios tanto pela nudez quanto pela aproximação ao mundo dos animais irracionais. A falta de vergonha e o sexo fácil davam ao corpo a interpretação trazida pelo colonizador daqueles tempos, que eram os personagens representantes da Igreja e restava a esse mesmo corpo ser exorcizado pela luxúria, os pecados da carne e a libertinagem para só então ser catequizado e glorificado pelo ajuste aos modos prescritos por Deus.

O corpo da mulher brasileira no Brasil Colônia não se resumia aos das índias certamente, já que com a chegada dos colonizadores, mulheres brancas européias seguiram para a terra a ser desbravada e seus modos de viver e morrer foram também importados com a emigração. A mulher negra também trouxe à vida colonial um legado que se misturou a outros modos de viver e se comportar. A condição feminina por aqui era então fabricada à luz do modelo econômico escravagista e exploratório português, de onde o esforço de colonização passava por hegemonicamente tomar todas as mulheres que habitavam a colônia portuguesa.

As desigualdades de gênero foram marcantes desde sempre, dando a mulher os característicos papeis femininos de dona do lar, acompanhante da sombra do marido e mãe devotada. Certamente, essas atribuições na constituição do papel feminino não deixavam as mulheres no mesmo patamar, dadas as diferenças de raça, credo e seguimento econômico. Assim, é na herança intercultural do escravismo às modas da metrópole que a condição da mulher brasileira, de seu corpo, se forja.

No Brasil colônia, a preocupação com a aparência, mesmo com todos os mecanismos de repressão advindos da Igreja, não era de se desconsiderar. Forjando meios de conciliar as questões da natureza próprias do belo sem a necessidade de

investimento explícito, as mulheres encontravam meios para se produzir e se embelezar astuciosamente, não abrindo mão da vaidade. O investimento maior era concentrado no rosto, um importante cartão de visitas e de apreciação.

Consequência direta dessa valorização, o embelezamento facial recorria a certa incipiente técnica cosmética. A preocupação maior era, em primeiro lugar, tratar a pele com remédios. Seguia-se a maquiagem com pós, “besuntos” e tintas brancas e vermelhas” (DEL PRIORE 2000 p.29)

Aqui podemos trazer um detalhe de muito valor em nossos estudos tendo em vista que já havia algum prenúncio da associação entre certa visão médica da saúde e da beleza com a cosmetologia, visando tanto esconder os males quanto afastar-se da feiúra pelo embelezamento com recursos artificiais. O limite entre a cosmética saudável, a que trata dos males e das mazelas e a cosmética do embelezamento, era estreito.

No processo de adestramento do corpo da mulher no Brasil, fortes instrumentos entram em ação: o discurso sobre os padrões violentamente importados da Europa e que diziam dos ideais de comportamento a serem seguidos e discurso normativo médico sobre o funcionamento do corpo feminino. A mentalidade da colônia foi sendo marcada por esses modelos de verdade, por um lado, dando “especial sabor normativo aos sermões dominicais, às palavras ditas pelo padre no confessionário, aos ‘causos’ moralizantes, aos contos populares” (DEL PRIORE, 2009, p. 23). Por outro, o discurso médico garantia o religioso, pois asseverava, cientificamente, o lugar da mulher no campo da procriação e sem a maternidade, advinham explicações para as doenças dos nervos, a melancolia, a luxúria e a condenação à exclusão.

Se nos centros de pesquisa europeus, outro Colombo, que não o Cristóvão, descobria outra “América”, aliás, outro continente, o clitóris feminino, a descoberta era absorvida de forma cautelosa nos meios científicos e nem chegava a operar alterações na concepção do corpo física e moralmente inferior. Com a visão da mulher sempre inferior, portadora de um pênis mínimo, endossando a teoria de que as mulheres tinham as mesmas partes do homem, as projeções para dentro indicavam a falta de calor vital. Esse corpo era capaz de produzir seres monstruosos e de onde seus sucos e pêlos davam a ela a face do mal.

Inferior, arriscado e diabólico, o corpo feminino na tradição judaico-cristã – que ainda resiste, não esqueçamos – era muito pouco apontado em sua beleza carnal. Com um poder enganador, com diz Lipovetsky (2000), a mulher deve despertar menos a

admiração que a desconfiança. Sobre a aparência feminina, por toda a Idade Média, estendeu-se essa compreensão de descrédito e desconfiança. Próxima à imagem de satã, o corpo da mulher não desperta desejo sem antes gerar medo. Só a Virgem, inócua de beleza, é poupada de simbolizar a mulher, já que sua representação é de mãe, geradora e pura.

2.4 O estatuto do sujeito no século das Luzes: as construções cartesianas na

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