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Famílias ideológicas e campo associativo

M AIS A BST RAT O , MAIS V AGO | (denotativo ou não figurado)

3.2 Famílias ideológicas e campo associativo

Mas as palavras não se irmanam apenas pela sua comunidade de origem, como acabamos de ver em "famílias etimológicas": associam-se também pela identidade de sentido, constituindo então o que é de hábito chamar-se de "famílias ideológicas", isto é, séries de sinônimos afiliados por uma noção fundamental comum. Citemos o exemplo que nos dá Celso Cunha (Manual de Português, 3a e 4a séries, p. 166):

"a) casa, domicílio, habitação, lar, mansão, morada, residência, teto, vivenda; b) mar, oceano, pego, pélago, ponto."

"O estudo sistemático dos grupos de sinônimos — acrescenta Celso Cunha — é, como o das famílias de palavras, de capital importância para a aquisição e domínio do vocabulário da língua. Não se deve, porém, esquecer que esse estudo não consiste apenas em juntar palavras enlaçadas pelo sentido; é indispensável que nele se considerem também os matizes que as distinguem." A seguir transcreve o Autor um trecho do Dicionário de

sinônimos, de Antenor Nascentes, um dos melhores, se não o melhor, de que dispõe a

nossa língua:

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"Mar é uma vasta extensão de água salgada que cobre grande parte da superfície da Terra. Em sentido restrito, é parte do domínio marítimo geral, a que seus limites geográficos precisos ou certas particularidades de seu regímen, tais como marés, correntes, etc. constituem uma sorte de individualidade: Mar do Norte, Mar Báltico. / Oceano, em sentido geral, é a vasta extensão do mar e, em sentido restrito, grande espaço marítimo, cuja constituição é ou parece sensivelmente uniforme: üá no largo Oceano navegavam,'

(Lusíadas, I, 19, 1). Oceano Atlântico, Oceano Pacífico, Oceano Indico. / Pego, forma

popular do latim pelagu, é a parte mais profunda do mar: 'Deitando para o pego toda a armada' (Lusíadas, v. 73, 4). / Pélago, palavra erudita, é o alto-mar. / Ponto é a designação do mar, de origem grega, aplicada especialmente ao Ponto Euxino, isto é, o mar Negro

(Eúxeios Pontos)."

Mas as palavras se associam também por uma espécie de imantação semântica; muito freqüentemente, uma palavra pode sugerir uma série de outras que, embora não sinônimas, com elas se relacionam, em determinada situação ou contexto, pelo simples e universal processo de associação de idéias, pelo processo de palavra-puxa-palavra ou de idéia-puxa- idéia. É o agrupamento por afinidade ou analogia, que poderíamos chamar de "campo associativo" ou "constelação semântica". A palavra mar, por exemplo, pode evocar-nos uma série de outras não necessariamente sinônimas, como nos ensina Souza da Silveira em A

língua nacional e o seu estudo:

"Tomemos a palavra mar e vamos registrando as idéias que ela nos sugerir:

vastidão, amplidão, imensidade, infinito; mobilidade; horizonte; planície, campo, e aqui se

recordarão expressões como azul campina, cerúleo campo, com que os poetas às vezes designam o mar, e, ainda dentro da comparação deste com um campo, indicaremos o verbo

arar, em frases como mares nunca arados de estranho ou próprio lenho. E assim como a

no dorso das águas; é o fiiso, listão ou esteira. Mas esteira é, além disto, aquela espécie de rede de prata ou de ouro que a lua e o sol estendem na superfície do mar; chama-se-lhe também tremulina.

"A superfície do mar ora ondula brandamente: o mar está banzeiro; ora empola-se em ondas, vagas, marouços, escarcéus, que por vezes se levantam tão alto, que os poetas os comparam a seiras, e a vales as depressões que entre eles se cavam: o mar está

encapelado, agitado, revolto, crespo, alterado; ora varejada de vento teso, a face das águas

apenas se eriça em carneirada, que recorda um bando de ovelhas pastando.

"Pode, debaixo de seu sorriso azul, esconder perigos aos nautas; mencio-nar-se-ão, a propósito, os baixos ou baixios, bancos de areia, sirtes, vaus, marachões; pode semear-se de fi'agas, penhascos, rochedos, penedos, rochas, penhas, cachopos, abrolhos, recifes,

pareéis; pode crescer na preamar, minguar na vazante, na baixa-mar, que são movimentos

da maré; agitar-se com as ressacas, com os macaréus, e com o encontro do caudal de um rio rebentar e rugir nas pororocas.

"O vocábulo mar evoca-nos ainda um quadro comum: roçando a líquida esmeralda passam as gaivotas, e num bafejo de vento palpitam as velas brancas de um barco. Acodem-nos então expressões com que se designam as velas das embarcações: pano, brim, grandes

lenços, asas...

"De asas, significando velas, se passa, muito naturalmente, a nadantes aves, com que Camões designou navios, embarcações, a que os poetas chamam ainda lenho, madeiro,

pau, pinho, faia. O mastro se diz án>ore, o conjunto deles arvoredo, e daí a expressão nau desai-vorada. Os movimentos que o bulir das águas imprime à embarcação enunciam-se

com os verbos balançar ou balouçar, arfar, zimbrar. Se o barco inclina um lado, adema, e está varado quando se acha em seco ou encalhado.

"Do mar disse José Agostinho de Macedo Wasto imperio do vento tormentoso'. Tem, pois, lugar referir os nomes de ventos: Bóreas, Àquilo, Aquilão, Noto, Austro, Euro, Zéfiro, que além de vento de oeste designa vento brando: Africo ou ávrego; vento galerno, ponteiro, soão, nortada, nortia; tufão, rajada, pegão, ou pé-de-vento; viração, terral, terreno ou terrenho, aragem, aura, brisa..."

Os professores nos impressionamos a todo momento com a pobreza do vocabulario dos nossos alunos, que se sentem incapazes de traduzir idéias ou sentimentos a respeito das suas relações sociais, a respeito do mundo que os cerca. São incapazes, por exemplo, de caracterizar o comportamento, a atitude, o caráter, os sentimentos dos colegas, porque lhes faltam palavras para isso. Por que, então, não lhes pomos ao alcance, em exercícios que não seriam assim tão numerosos, recursos de expressões para as impressões que a experiência cotidiana lhes fornece a todo instante? Tais exercícios não constituiriam, de

forma alguma, outro dicionário analógico, porque abrangeriam apenas certas áreas semânticas relacionadas com a experiência e as necessidades de comunicação dos jovens (jovens e adultos cultos) de certo nível mental, na faixa dos dezesseis aos vinte anos. Eis aí uma tarefa que gostaríamos de realizar — e é possível que o façamos com o material que vimos reunindo nestes dois últimos anos. Mas, se não dispusermos de meios ou tempo para isso, os exercícios correspondentes a este capítulo (ver 10. Ex., 220-46) talvez sirvam de amostra ou padrão para outros que os professores queiram organizar.