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CAPÍTULO 4. TRANSFORMAÇÕES NO REGIMENTO COMUM: AS “FASES

4.3 FASE 2 – A CPI DO ORÇAMENTO E AS REFORMAS DA RCN-2/1995

4.3.1 A CPI do Orçamento e o Projeto de Resolução nº 4 de 1995-CN

4.3.1.1 Formação da “CPI do Orçamento”

A “avalanche de denúncias” a respeito de desvios por corrupção na CMO começou, de acordo com Krieger et al, ainda em 1991, quando “os jornais descobriram o deputado João Alves [PFL-BA119] como um personagem interessante” (1994, p. 10).

118 O principal texto identificado por esta pesquisa a respeito da CPI do Orçamento é o livro de Krieger et al (1994),

também utilizado e citado por Praça (2010). A obra, que é produto de uma extensa investigação jornalística, já expõe no próprio título a crítica aos resultados da CPI: “Os donos do Congresso – a farsa na CPI do Orçamento”. Em sua posição os autores ressaltam que, ao final do processo, alguns poucos parlamentares foram sacrificados, “mas o Congresso continuaria. E a corrupção também” (1994, p. 19). Reprovam ainda o fato de que, além de não punir com rigor os parlamentares, a CPI não investigou as empreiteiras supostamente envolvidas no esquema.

O parlamentar, que naquele momento exercia o cargo de relator-geral da LOA (posição que ele mesmo ocupara também no ano de 1990), começou a ser alvo de uma série de reportagens apontando-o como o principal agente de um grupo de congressistas que estaria fraudando o Orçamento a partir da Comissão:

Primeiro a imprensa revelou que Alves usava a sua influência na Comissão de Orçamento em barganhas com o governo na distribuição de verbas para as cidades de sua base eleitoral. Depois, a descoberta de que Alves comprava o apoio de políticos no interior da Bahia pagando em dinheiro vivo e exigindo recibo da transação fisiológica. Finalmente, veio a revelação de que Alves não agia sozinho, mas era o líder de um esquema organizado para fraudar o Orçamento. (KRIEGER, RODRIGUES e BONASSA, 1994, p. 11).

A figura de Alves, destacada pela sua posição de liderança no suposto esquema, também chamava a atenção dos jornalistas pela sua curiosidade. Baixinho, medindo 1,62 m de altura, extravagante e falastrão120, o Deputado parecia “uma versão reduzida do ‘bem-amado’

coronel Odorico Paraguaçu” (KRIEGER, RODRIGUES e BONASSA, 1994, p. 23).

O grupo de parlamentares que o Deputado liderava também era bastante notório: os sete parlamentares mais proeminentes eram todos igualmente baixos, com 1,65 m de altura em média. Não demorou muito para que a imprensa viesse a chamá-los de os “sete anões do Orçamento”121.

120 Krieger et al ilustram a personalidade de Alves (que se orgulhava por trazer a “macheza” do sertanejo para o

Congresso) a partir de muitos casos peculiares. Dentre eles, chama a atenção uma passagem surpreendente, ocorrida quando os primeiros boatos contra o parlamentar começaram a vir a público em 1991. Na ocasião, Alves reuniu um grupo de jornalistas no Plenário da Câmara com o objetivo de oferecer uma resposta, por meio da imprensa, a seus acusadores, dentre os quais o então Senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Na sua fala, irritado com o colega parlamentar, disse aos jornalistas em tom ameaçador: “Vou dar um tiro na bunda deste canalha do Suplicy” (KRIEGER, RODRIGUES e BONASSA, 1994, p. 23). A ameaça nunca se concretizou, mas a fala, no entendimento dos autores, foi bem-sucedida em intimidar o Senador petista naquele momento.

121 De acordo com Krieger et al, a expressão “apareceu em meados de 1989. O termo designava os sete

parlamentares mais importantes dentro da Comissão Mista de Orçamento, todos de baixa estatura. A terminologia começou a ficar popular em 1990. Pegou mesmo em 1991”. Ressaltam também que a lista de parlamentares deste grupo, diversamente do que se pode imaginar, não é fixa: “Ao todo, dez parlamentares já frequentaram o grupo”, justamente porque havia “um rodízio para se ocuparem cargos-chave dentro da Comissão Mista de Orçamento”. Os sete parlamentares que se destacaram, no entanto, como ressaltam os autores, foram aqueles que estavam envolvidos com a CMO logo antes de a CPI começar (KRIEGER, RODRIGUES e BONASSA, 1994, p. 76 e 77). Os parlamentares envolvidos no esquema liderado por João Alves (PPR-BA) eram o Senador Ronaldo Aragão (PMDB-RO) e os Deputados Genebaldo Correia (PMDB-BA), José Geraldo Ribeiro (PMDB-MG), Manoel Moreira (PMDB-SP), José Carlos Vasconcellos (PRN-PE) e Cid Carvalho (PMDB-MA). Este último foi o Presidente da CMO entre 1988 e 1990, durante o período de transição discutido na seção 4.2. Ironicamente, como se viu, foi Cid Carvalho quem festejou a iniciativa do Senador Nelson Carneiro em instituir um regramento provisório à CMO em 1989. A medida era importante, segundo o Deputado, para evitar perigos “para os destinos do País e para a estabilidade institucional” (BRASIL, 1989-a, p. 1122).

No mês que se seguiu à divulgação das primeiras acusações, Alves foi afastado da sua posição como relator-geral da LOA de 1992, sendo substituído pelo Deputado Ricardo Fiúza (PFL-PE), também participante nos desvios122. O Senador Eduardo Suplicy (PT-SP) e o

Deputado Jacques Wagner (PT-BA) articularam-se para coletar as assinaturas necessárias para a abertura de uma CPI. No entanto, como lembra Praça, a Comissão não chegou sequer a ser instalada “por conta do controle da Mesa Diretora” (2010, p. 48).

A decisão que rejeitou a abertura das investigações ocorreu meses depois que o pedido de abertura da CPI foi protocolado e fundamentou-se na justificativa de que as “providências necessárias” – especialmente o afastamento de Alves da CMO – já tinham sido tomadas. É o que se verifica na fala do Deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS)123:

Desta vez, foi Ibsen quem tomou a frente: “O assunto é muito grave para ser explorado politicamente. Nós já tomamos as providências necessárias para mudar o quadro da Comissão do Orçamento, afastando o João Alves. Mexer nisso de novo só iria piorar as coisas. O melhor é deixar as investigações que ainda sejam necessárias para a mesa do Congresso. Se alguma punição for necessária, a mesa saberá o que fazer”. (KRIEGER, RODRIGUES e BONASSA, 1994, p. 16).

Com a rejeição da CPI e a remoção de Alves da relatoria-geral, o caso parecia, naquele momento, encerrado. No entanto, algum tempo depois, em outubro de 1993, a prisão de José Carlos Alves dos Santos mudaria esse cenário. Como se menciona no Capítulo 1, o economista resolveu delatar o envolvimento de diversos parlamentares e autoridades com os desvios de João Alves na CMO, inclusive Ministros e Governadores.

Suas denúncias vieram a público na reportagem veiculada pela revista Veja no dia 16 de outubro124 de 1993, revelando detalhes do esquema, oferecendo os nomes de diversos

envolvidos e destacando a posição de liderança do Deputado João Alves (VEJA, 1993-a). Horas depois da publicação do texto, que teve grande repercussão em Brasília, a CPI foi finalmente instalada. A revista veiculou, ainda, nova reportagem na semana seguinte, esta com uma descrição ainda mais aprofundada dos eventos (VEJA, 1993-b).

122 Descreve-se brevemente, no item seguinte, o envolvimento de Fiúza.

123 Esta passagem, que descreve a sequência dos fatos ocorridos entre novembro de 1991 e maio de 1992, foi

redigida a partir da cronologia elaborada por Krieger et al, (1994, p. 231-235).

124 Embora a edição tenha sido veiculada no dia 16 de outubro, a data impressa na capa é 20 de outubro. Essa

diferença ocorre porque a revista, que possui periodicidade semanal, tradicionalmente imprime a data correspondente à quarta-feira como o dia oficial de publicação, ainda que seja lançada aos finais de semana.

As capas de ambas as edições são ilustradas abaixo e apresentam, respectivamente, o economista José Alves dos Santos e o Deputado João Alves (PFL-BA):

Figuras 3 e 4. Edições n. 1310 e 1311 de 20 e 27 de outubro de 1993 da revista Veja.

Fonte: acervo online da revista Veja, editora Abril. Disponível em <https://acervo.veja.abril.com.br/>. Acesso em 17/01/2017.