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CAPÍTULO 4. TRANSFORMAÇÕES NO REGIMENTO COMUM: AS “FASES

4.1 FASE 0 – PERÍODO DE TRANSIÇÃO ENTRE 1988 E 1991

4.1.3 Legado das regras provisórias

Observando-se as regras instituídas nas sessões dos dias 26/04/1989 e 27/09/1989, é possível verificar que, de modo geral, a presidência do Congresso não foi muito além de enunciar os prazos e a sequência dos procedimentos a serem tomados enquanto a regulação definitiva não era aprovada. No entanto, dois conjuntos principais de regras se mantiveram nas regulações posteriores, as quais tratavam: (1) da rigidez do parecer da CMO frente ao Plenário; e (2) dos critérios de composição do órgão, conforme brevemente indicado acima.

No que diz respeito ao primeiro destes elementos, a fala do Senador Nelson Carneiro na sessão de 26/04/1989 estabeleceu, ao regular o calendário para a apreciação do PLDO de 1990, que o parecer da Comissão sobre as emendas apresentadas pelos parlamentares seria “conclusivo e final” – usando a mesa expressão presente no art. 66, §3º da CF/69. Assim, era necessário que 1/10 dos parlamentares apresentassem requerimento à Mesa para que eventual emenda fosse submetida a votos no Plenário do Congresso Nacional:

O parecer da comissão sobre as emendas [ao PLDO] será conclusivo e final salvo requerimento de 1/10 dos congressistas, apresentado à Mesa até o encerramento da discussão, para que a emenda seja submetida a votos. (BRASIL, 1989-a, p. 1114).

Como se discute no Capítulo 3, é importante reiterar que a CF/88, na redação de seu art. 166, §2º, não fez menção a um possível caráter “conclusivo e final” dos pareceres da CMO. Diz somente que “as emendas serão apresentadas na Comissão mista, que sobre elas emitirá parecer, e apreciadas, na forma regimental, pelo Plenário das duas Casas do Congresso Nacional”.

Como se observa, a regra instituída pela fala do Senador Nelson Carneiro assemelha-se, em realidade, ao tratamento conferido à matéria pela CF/69, “que previa a apresentação das emendas na Comissão mista e considerava seu pronunciamento conclusivo e final, salvo destaque de emenda em plenário assinado por mais de um terço dos senadores” e dos Deputados (ROCHA, 2014, p. 126). Considerando-se que no período constitucional anterior o Congresso praticamente não podia alterar a proposta orçamentária do Governo, essa proposição, como lembra Rocha, não tinha sentido prático relevante (idem).

Assim, ainda de acordo com Rocha, seria possível se entender de início – partindo- se tão somente da redação do novo texto de 1988 – que os novos dispositivos constitucionais tornavam a CMO um órgão mais opinativo do que deliberativo, diante da omissão a respeito de um possível ânimo definitivo de suas decisões (ROCHA, 2014, p. 126). Afinal, inexistente a exigência de um quórum mínimo, seria possível se entender que qualquer parlamentar poderia demandar que determinado dispositivo – como as suas emendas – fosse apreciado em Plenário.

A regulação mencionada, entretanto, conflita com esse entendimento. Ao estabelecer que o parecer da CMO sobre as emendas é conclusivo e final, esclarece que as decisões da Comissão possuem um caráter deliberativo e não apenas de uma instrução a ser eventualmente observada pelo Plenário. Nesse sentido, retira deste último a capacidade de receber e processar emendas por conta própria, bem como a de desconsiderar o conteúdo do parecer elaborado pela Comissão.

Essa regra somente é excepcionada por meio do requerimento qualificado de 1/10 dos Congressistas – e é neste ponto que a determinação do Senador Nelson Carneiro difere da CF/69, que era ainda mais restritiva: exigia-se não o requerimento de 1/10, mas de 1/3 dos Deputados e Senadores para que houvesse votação em separado.

Desde 1989, portanto, esta regra esteve presente em todos os regimentos da CMO93,

enrijecendo suas decisões frente ao Plenário do Congresso Nacional. A tabela a seguir compara os diferentes dispositivos da CF/69 e da CF/88, bem como das disposições regimentais:

Tabela 7. Comparativo entre a CF/69, CF/88 e Fases 0, 1, 2, 3 e 4 – Rigidez do parecer

Norma Dispositivo

CF/69 Art. 66 [...]§ 3º O pronunciamento da comissão sôbre as emendas será conclusivo e final, salvo se um têrço dos membros da Câmara dos Deputados e, mais um têrço dos membros do Senado Federal requererem a votação em plenário de emenda aprovada ou rejeitada na comissão.

CF/88 Art. 166 [...] § 2º As emendas serão apresentadas na Comissão mista, que sobre elas emitirá parecer, e apreciadas, na forma regimental, pelo Plenário das duas Casas do Congresso Nacional.

Fase 0

Regras sessão 27/09/1989

O parecer da comissão sobre as emendas [ao PLDO] 94 será conclusivo e final

salvo requerimento de 1/10 dos congressistas, apresentado à Mesa até o encerramento da discussão, para que a emenda seja submetida a votos.

Fase 1

RCN-1/1991

Art. 24. O parecer da Comissão sobre as emendas será conclusivo e final, salvo requerimento, para que a emenda seja submetida a votos, assinado por um décimo dos Congressistas, apresentado à Mesa do Congresso Nacional até o dia anterior ao estabelecido para a discussão da matéria em Plenário.

Fase 2

RCN-2/1995

Art. 31. O parecer da Comissão sobre as emendas será conclusivo e final, salvo requerimento, para que a emenda seja submetida a votos, assinado por um décimo dos Congressistas, apresentado à Mesa do Congresso Nacional até o dia anterior ao estabelecido para a discussão da matéria em Plenário.

Fase 3

RCN-1/2001

Art. 31. O parecer da Comissão sobre as emendas será conclusivo e final, salvo requerimento, para que a emenda seja submetida a votos, assinado por 1/10 (um décimo) dos Congressistas, apresentado à Mesa do Congresso Nacional até o dia anterior ao estabelecido para a discussão da matéria em Plenário.

Fase 4

RCN-1/2006

Art. 132. O parecer da CMO sobre emenda será conclusivo e final, salvo requerimento para que a emenda seja submetida a votos, assinado por 1/10 (um décimo) dos congressistas, apresentado à Mesa do Congresso Nacional até o dia anterior ao estabelecido para a discussão da matéria no Plenário do Congresso Nacional.

Fonte: CF/69, CF/88, Regras da sessão de 27/09/1989, RCN-1/1991, RCN-2/1995, RCN-1/2001, RCN-1/2006. Elaboração própria.

93 Aqui cabe uma pequena correção. Rocha afirma que desde a RCN-1/1991 “foi fixado em todos os regimentos

que cabe à CMO examinar e emitir parecer conclusivo e final sobre os projetos de sua competência” (2014, p. 126). De fato, a primeira resolução a incorporar esta norma corresponde àquela mencionada pelo autor, mas é preciso complementar a afirmação ao se observar que a regra já estava presente desde o período transicional que a antecedeu.

94 Note-se, no entanto, que a regulação em referência permanecia dúbia porque refere-se – em sua literalidade –

O segundo aspecto da fala do presidente Nelson Carneiro que se manteve presente nas regulações posteriores, como se viu, foi o conjunto de critérios para a composição da CMO. Assim, de acordo com o que foi decidido na sessão de 27/09/1989, determinou-se que:

A Comissão Mista de Orçamento a que se refere o dispositivo constitucional, diante de seu acréscimo de encargos e responsabilidades, fica acrescida de mais dois vice-presidentes e constituída por 84 (oitenta e quatro) parlamentares, sendo 63 (sessenta e três) deputados e 21 (vinte e um) senadores, além de 28 (vinte e oito) suplentes, sendo 21 (vinte e um) deputados e 7 (sete) senadores, que serão designados por esta Presidência por indicação das lideranças, respeitada a proporcionalidade partidária de cada Casa. (BRASIL, 1989-b, p. 3968).

Como é possível perceber desta passagem, as provisões acordadas estabelecem regras a respeito de três elementos relevantes: (1) o número de membros titulares e suplentes, divididos entre o Senado Federal e a Câmara dos Deputados; (2) os procedimentos para designação dos membros a partir da indicação das lideranças partidárias; e (3) a distribuição das vagas entre partidos segundo o critério da proporcionalidade.

No que diz respeito ao número de membros, como o próprio Senador Nelson Carneiro ressalta na sequência de sua fala, houve uma mudança em relação à regra geral então vigente no Regimento Comum (RCN-1/1970), que se aplicava à Comissão no regime constitucional anterior. Diante da edição de nova regra específica para o Órgão, alterou-se o número de membros da CMO de 60 para 84, incluindo-se duas novas vagas de vice-presidente, em um total de três. Estabeleceu-se, também, um critério de distribuição de vagas entre Câmara e Senado na proporção de 3 para 1, também aplicada entre os 28 suplentes.

Embora a quantidade de membros tenha sido modificada pela RCN-1/1991, que ampliou ainda mais a composição do órgão para um total de 120 integrantes, a RCN-1/1993 logo restaurou as regras conforme originalmente prevista nesta fase transicional, como se discute na sequência. Essa regra manteve-se inalterada, desde então, até o advento da RCN- 1/2006, que reduziu ainda mais o tamanho do Órgão, o qual, na atualidade, conta apenas com 40 membros titulares (mas ainda na proporção de 3 para 1, isto é, 30 Deputados e 10 Senadores).

Também permaneceram praticamente idênticas as normas a respeito dos critérios para a designação de membros à CMO. Assim como previsto naquele momento, todas as resoluções preservam a regra da proporcionalidade partidária e atribuem aos líderes a prerrogativa de indicar os membros que devem compor os assentos do partido. Ademais, também lhes é conferida a prerrogativa de remover os componentes indicados a qualquer tempo,

independentemente da prática de atos que possam ensejar o desligamento do congressista da Comissão, ou, ainda, do encerramento de seu mandato junto ao Órgão95.

Em conclusão, este breve panorama das normas que vigoraram entre 1989 e 1990 permite verificar que, neste período de transição entre o regime civil-militar e a ordem constitucional de 1988, o Congresso Nacional exerceu sua competência no campo orçamentário a partir de normas “precárias” e provisórias. Estas, no entanto, estabeleceram certos contornos da regulação que estaria por vir – especificamente no que diz respeito à força de seus pareceres em relação ao Plenário e à composição do Órgão.

Autores como Greggianin, Santa Helena et al (2011, p. 130 e 131) ressaltam que a lentidão nesta fase inicial (isto é, em se estabelecer formalmente um novo regimento para a CMO) seria motivada, essencialmente, pelo interesse de atores que desejariam preservar o status quo anterior – havendo, portanto, conflito na aprovação de novas normas regimentais. Todavia, ainda segundo o seu entendimento, as pressões no sentido de regular e democratizar o Órgão acabaram por se tornar cada vez mais evidentes à medida que o desejo de exercer as novas prerrogativas constitucionais foi ganhando espaço no Congresso96.

Nesse contexto, votar e aprovar uma resolução para o processo orçamentário tornara-se, ao menos retoricamente, uma questão de força e prestígio do Legislativo. Era demonstrar o seu “verdadeiro poder”, ou melhor, decidir “se o Congresso tem poder ou não” – como disse o Deputado José Genoíno (PT-SP) ao debater o tema em Plenário. (BRASIL, 1991- c, p. 1657). Foi obra da RCN-1/1991 consolidar essa decisão.

95 A RCN-1/1991 estabelece que o critério da proporcionalidade será aplicado “quando possível”. Trata-se da única

resolução que estabelece uma ressalva desse tipo, que foi removida pela RCN-2/1995.

96 Os autores citam alguns exemplos de iniciativas que, no seu entender, corroboram essa afirmação: “Por outro

lado, a vontade de exercer suas novas prerrogativas constitucionais [do Congresso] foi ganhando força, a cada ano, dando margem a iniciativas como: (a) as amplas modificações propostas pelo deputado José Serra, na condição de relator da matéria, ao projeto de LDO para 1990 (o primeiro sob a nova ordem constitucional); (b) a apresentação do projeto de lei complementar sobre matéria orçamentária, pelo deputado José Serra, em março de 1990 (PLC nº 222, de 1990, publicado no Diário do Congresso Nacional de 9/5/1990); (c) a pressão dos parlamentares no sentido da instituição de normas estáveis de organização e funcionamento da Comissão Mista de Orçamento, contendo critérios para as relatorias na apreciação de projetos das leis do ciclo orçamentário, de que resultou a Resolução- CN nº 1, de 1991; (d) a substituição do deputado João Alves pelo deputado Ricardo Fiuza na função de relator- geral do PLOA para 1992, em meio a acirrado debate político; e (e) as inovações acrescidas nas sucessivas LDOs, com vistas à melhor estruturação dos orçamentos e à melhor fundamentação das alocações, expressas pela crescente demanda por informações complementares” (GREGGIANIN, SANTA HELENA, et al., 2011, p. 131).

4.2 FASE 1 – A RCN-1/1991 E A PRIMEIRA REGULAÇÃO DA CMO