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3. A questão sobre o estatuto da matemática nos séculos XVI e XVII

3.1. A escola de Pádua

3.1.2. Francesco Barozzi

A grande defesa epistemológica da matemática na Pádua do século XVI vem de Francesco Barozzi267. Desde que iniciou a sua actividade intelectual, F. Barozzi

265 Catena 1556, 96-97. Veja-se Giacobbe 1973a, 189; 1973b, 33-35; 1974, 205-206; 1981, 83. Catena só

surpreende por não citar Proclo a propósito da controvérsia, mas citações em outros passos mostram estava familiarizado com o filósofo neo-platónico (veja-se Giacobbe 1981, 45 n. 35).

266 Noutro passo ainda, Catena afirma que a demonstração matemática não oferece a causa do ser da

conclusão: “Actu autem et simpliciter scitur per geometricam inductionem, quae semper ex veris primis causis illativis conclusionis et ex magis notis procedit, non autem ex immediatis semper neque ex causis quae dant esse, sed ex his tantum quae dant propter quid illationis...” (Catena 1556, 26-28). Veja-se Giacobbe 1973b, 27-29.

267 Sobre a vida de Francesco Barozzi, veja-se Spiazzi 1964, Boyer 1970, Rose 1977, Baldini-Napolitani

1992, I.2, 12-13. Nasceu em 1537 em Creta, de uma família veneziana de origem nobre, que aí possuía terrenos. Por volta de 1555 cursou artes na Universidade de Pádua. Aí estudou matemática com Marco Antonio de'Passeri e frequentou, muito provavelmente, as lições de matemática de Pietro Catena. Na universidade onde estudara, acabou por leccionar matemática no ano de 1559, em curso paralelo ao curso oficial, ensinado por Catena. É a oração inaugural do seu curso que informa que havia estudado matemática durante oito anos. Neste curso, que apenas durou um ano, abordou tópicos relacionados com a Esfera de Sacrobosco e com o comentário ao primeiro livro dos Elementos de Euclides de Proclo.

empenhou-se na defesa da superioridade da matemática em relação às outras ciências, como se pode ver pelo seu primeiro trabalho (Oratio ad Philosophiam Virtutemque, 1557), onde defende que a alma se realiza pelo estudo da filosofia e que a matemática, sendo a parte mais importante da filosofia, devia ser estudada com particular empenho.

A sua defesa da matemática toma força com a publicação do seu Opusculum de 1560, dividido em três partes268. A primeira contém a lição inaugural na Universidade de Pádua no início do curso que aí leccionou em 1559, e em que pretende demonstrar a utilidade da matemática. A segunda é intitulada Quaestio de Certitudine

Mathematicarum e nela pretende refutar cada ponto da argumentação antimatemática de

A. Piccolomini. A terceira parte possui uma Quaestio de Medietate Mathematicarum, onde Barozzi pretende mostrar que Platão e Aristóteles concordam quanto à importância da matemática na ciência.

A parte mais importante é, sem dúvida alguma, a parte onde trata da quaestio. Nela Barozzi defende a tese tradicional e contrária à de Piccolomini de que a certeza das matemáticas deriva em simultâneo da nobreza do seu objecto e da certeza das suas demonstrações. O texto será aqui brevemente analisado porque ilustra as dificuldades sentidas pelos defensores da matemática e a debilidade da sua argumentação. Por outras palavras, esta análise mostrará que a defesa da matemática no âmbito da teoria aristotélica da ciência implica tantas concessões que ela acaba por fortalecer ainda mais a tese dos adversários269.

Contra o primeiro argumento, por exemplo, Barozzi não tem mais nada a dizer, senão que Piccolomini generaliza sem fundamento a sua afirmação de que as

Existe um manuscrito autógrafo contendo seis destas lectiones, e nelas destacava-se o facto de Proclo combinar a teoria da demonstração científica de Aristóteles com a crença platónica na superioridade da matemática (veja-se Rose 1975, 125; a edição crítica destas lições pode encontrar-se em De Pace 1993, 339-430). Há algo de singular em relação ao seu professorado em Pádua visto que uma lei de 1477 proibe os nobres venezianos de ensinar naquela instituição. No ano seguinte fez publicar a primeira tradução latina do texto de Proclo, que teve larga difusão, amplo reconhecimento, e enorme influência na filosofia da matemática no final do século XVI. Muito activo nas academias e universidades a que esteve ligado, em Pádua, Bolonha ou Creta, criou laços fortes com académicos de topo. Levou uma vida de estudo consagrado à matemática pura e aplicada, mas mais que matemático criativo, foi muitíssimo relevante como filólogo matemático. Em 1587 é condenado por práticas ligadas a ciências ocultas. Ignora-se quando ocorreu a sua libertação. Morreu pouco depois em 1604. A sua formação, científica e letrada, é exemplo típico da formação humanista abrangente italiana.

268 O título da obra é Francisci Barocii Patritii Veneti Opusculum, in quo una oratione, et duae

quaestiones: altera de certitudine mathematicarum, et altera de medietate mathematicarum continentur,

Patauii, 1560 (Barozzi 1560). A questão de certitudine… encontra-se transcrita no apêndice.

269 Sobre a argumentação de Barozzi, veja-se Giacobbe 1972b, Maierù 1991, XXII-XXIX, De Pace 1993.

Depois de, num primeiro momento apresentar uma interpretação mais favorável das mesmas autoridades que estão presentes no tratado picolomineano (Platão, Aristóteles, Proclo, Simplício, Temístio, Eustrácio e Averróis), seguem-se os argumentos do próprio Barozzi e a refutação dos argumentos contrários. Concentro a análise apenas nos argumentos do próprio Barozzi.

demonstrações matemáticas não apresentam uma definição como meio, com base apenas no exemplo do teorema 32º dos Elementos270. Por exemplo, quando se demonstra que o ângulo inscrito num semicírculo é recto, utiliza-se como meio a definição da propriedade “ângulo recto”271. O argumento torna o argumento de Piccolomini mais fraco, mas não o elimina por completo, pois admite a existência de provas matemáticas que não procedem pela definição. Consciente desta limitação, Barozzi apresenta uma mais complexa argumentação. Começa por defender que uma ciência pode ser considerada de duas maneiras, a primeira “iuxta puritatem suam”, isto é, de acordo com a sua lógica interna, a segunda “quatenus ab hominibus addiscenda est”, ou seja, de acordo com a “aprendizagem humana”, noção que pode abranger as vertentes docente, discente, ou científica272. Esta distinção permite estabelecer uma distinção entre matemática como ciência potencial e matemática como ciência em acto, o que leva Barozzi a admitir, de seguida, uma estrutura profunda na matemática,

270 Barozzi 1560, 24v: “Quanuis autem dicat hanc suam minorem confirmari inducendo per omnia

Theoremata Euclidis, Theodosii, Archimedis, et aliorum Mathematicorum, non induxit tamen ipse, nisi per trigesimam secundam propositionem primi Elementorum Euclidis, quam Euclides non per demonstrationem potissimam, sed per quandam potius coniecturam demonstrauit. Verum non ob id dicendum est nullam mathematicam demonstrationem esse potissimam, quia uel una, uel duae, uel etiam plures in ea scientia reperiantur ostensiones, quae uerae, et potissimae demonstrationes non sint.”. Barozzi desconstrói da mesma forma o quarto argumento de Piccolomini (não é possível trocar o predicado com o sujeito nas demonstrações matemáticas): conquanto possa acontecer que numa ou noutra proposição isso não possa acontecer, contudo, não é lícito generalizar a todas as proposições matemáticas: “Ad quartum dico, quod (ut ipsemet fatetur) non intellexit quid sibi uoluerit Simplicius eo in loco, qui dicit passionem habere tres non conuerti cum triangulo rectilineo, cum etiam quadrilaterum quoddam tres angulos duobus rectis aequales habere possit. Quomodo autem haec res se habeat, docet Proclus in 32 propositionem primi elementorum, in qua exponenda nos etiam in Commentariis nostris in Proclum, nec non in Dilucidationibus omnium Platonis, et Aristotelis locorum mathematicorum hanc rem diligenter examinabimus, in praesentia uero supponatur (ut a Recentiore quoque supponitur, quanuis ipse rem hanc minime cognouerit) quod uerum hoc sit, quod ait Simplicius. Cum autem dicit In omni demonstratione potissima debet maior extremitas cum minori conuerti: in mathematicis non est sic: ergo nulla est in mathematicis demonstratio potissima. Respondemus negando consequentiam. ualeret enim consequentia haec, si nulla in mathematicis passio cum suo subiecto conuerteretur, sed quia reperiuntur quamplurimae in mathematicis passiones, quae cum subiectis suis conuertuntur, ideo non ualet consequentia, quod autem hoc, quod dicimus uerum sit, audiamus Aristotelem in primo posteriorum texto 29 dicentem. “conuertuntur autem magis, quae sunt in mathematicis: quoniam nullum accidens accipiunt, sed deffinitiones”. uerum haec ad quartum quoque sufficiant”.

271 Barozzi 1560, 24r-24v: “Ad primum autem eius argumentum dicimus, quod minor propositio falsa est,

quoniam talia media in mathematicis reperiri iam ostendimus in illis enim demonstrationibus, quas de angulo in semicirculo supra arcum consistente posuimus, medium porro est definitio passionis. quoniam passio quidem est rectum esse, recti autem definitio est, uel duorum rectorum dimidium esse, uel aequalem esse angulo consequenter sibi coniuncto in extremitate rectae lineae super rectam lineam perpendiculariter cadentis, quorum utrunque tanquam medium sumptum fuit ab Euclide ad ostendendam hanc passionem de angulo in semicirculo supra arcum constituto”.

272 Barozzi 1560, 24v-25r.:”Sciendum enim est (ut recte ait Zimara quanuis eum Recentior sine ulla

ratione reprehendat) quod scientia dupliciter consideratur, uno quidem modo iuxta suam puritatem, suamque propriam naturam ad nullam rem externam respiciendo: altero autem quatenus ab hominibus addiscenda est. Et primo quidem modo scientiae mathematicae consideratae, demonstrationibus potissimis demonstrant: secundo uero ad quasdam etiam debiliores ostensiones, exemplaresque, et sensibiles manuductiones ratione discentium quandoque descendunt.”

possuidora de um real encadeamento de demonstrações potissimae, e uma estrutura de superfície, aquela que se encontra nas obras e lições dos matemáticos e que, por vezes, e pelas mais diversas razões, não consegue reproduzir aquele encadeado de demonstrações potissimae. Finalmente, acaba por justificar que a existência de provas não potissimae deriva da intenção pedagógica, que obriga a produzir provas, não “ex natura scientiae”, mas “ratione discentium”273. A argumentação justifica a ocasional ausência de cientificidade na matemática, mas Barozzi é forçado a admitir que é impossível verificar se a matemática em potência consegue cumprir todos os requisitos de uma ciência aristotélica.

O segundo argumento de Piccolomini (na quantidade não há acção, logo não há causas) oferece-lhe ainda mais dificuldades. Barozzi não consegue indicar um contra- argumento válido. Em primeiro lugar, limita-se a afirmar que já ficara provado que na matemática existe causa formal e material, quando, na verdade, a sua argumentação era pouco consistente274. Em segundo lugar cita o comentário de Proclo aos teoremas 16º e 17º dos Elementos, mas não explica como se pode transformar a definição genética de triângulo que o filósofo neo-platónico propõe por uma que aponte o genus e as

differentiae e possa constituir causa formal275.

A verdade é que, assim que passa ao terceiro argumento de Piccolomini, reconhece que não existe acção na quantidade. Isto obriga-o a defender que, embora as propriedades matemáticas não derivem da forma dos objectos segundo a ordem da acção, ainda assim resultam da ordem dada pela sequência das demonstrações, ou seja, a

273 Barozzi 1560, 25r: “Et primo quidem modo scientiae mathematicae consideratae, demonstrationibus

potissimis demonstrant: secundo uero ad quasdam etiam debiliores ostensiones, exemplaresque, et sensibiles manuductiones ratione discentium quandoque descendunt. cum enim propter maximam discentium commoditatem Elementares institutiones, atque catenas illas Mathematici inuenerint: difficile autem sit omnes in eis esse ueras demonstrationes, simulque alteram ex altera pendere, idcirco quandoque per quaedam externa concludunt propositum, ut quando ex dimetientium rationibus quadrangulorum, et circulorum, sphaerarumque rationes ostendunt, et alia id genus attamen cum hoc non fiat ex natura scientiae sed ratione discentium, ideo dicendum non est, quod mathematicae demonstrationes iuxta propriam naturam potissimae esse non debeant, quanuis etiam in Mathematicorum uolumininibus, non omnes huiuscemodi reperiantur.”.

274 Barozzi 1560, 25v:” Ad secundum autem similiter respondemus, ostendentes minorem esse falsam.

non ualet enim nulla est in quantitate actio, neque actionis ratio: ergo passiones mathematicae non fluunt ex causa formali, et ideo neque ex ulla alia causa, atque propterea potissimae non sunt. imo cum mathematicae scientiae formas considerent, passiones ut plurimum ex causis formalibus inferunt. quemadmodum asserit Auerroes in secundo Physicorum 68. Nos autem ostendimus iam, quod non solum per causam formalem, sed materialem etiam mathematicae passiones de subiectis ostenduntur.”.

275 Barozzi 1560, 25v: “Quando autem dicit, neminem dicere posse, quomodo in ratione, et forma

trianguli sit hoc, quod externus angulus sit maior quolibet opposito interno: respondendum ei, quod si recte triangularis forma, eiusque ortus perpendatur (ut docet Proclus in commentario 21 et 22 libri tertii) cognoscetur passionem hanc in ratione, et forma trianguli reperiri, sed in hoc non est amplius immorandum”.

ordem da natureza é substituída por uma outra estabelecida pelo encadeado lógico dos teoremas. Contudo, desta forma, apenas fica assegurado que o encadeamento lógico (e não necessariamente o do ser) só pode ser um e que ele não é circular276. Quanto à crítica de Piccolomini (uma conclusão pode ser demonstrada por diversas demonstrações igualmente perfeitas), Barozzi só pode afirmar que é verdade que um matemático pode recorrer a meios diferentes para provar o mesmo resultado, mas subtilmente elimina o sintagma “aeque perfectas”277.

O argumento tem novo desenvolvimento mais abaixo. A crítica de Piccolomini aos teoremas recíprocos faz Barozzi introduzir um dos seus argumentos mais interessantes: em Euclides o teorema converso propriamente dito nunca é obtido por prova directa, mas por redução ao absurdo, ou seja, o converso não toma o teorema precedente como princípio ou causa do resultado que obtém. A seu ver, portanto, a cadeia demonstrativa não é pois interrompida e nunca se torna circular ou tautológica, como se depreende das palavras de Piccolomini278. Contudo, fica clarificada a existência de provas com valor epistemológico diferente na matemática.

Em resumo, Barozzi é forçado a admitir que existem, de facto, provas “irregulares” na prática euclidiana. Esta constatação obriga-o a fazer importantes

276 Barozzi 1560, 25v-26r:” Ad tertium similiter dicimus, quod falsum est unicum immediatum medium

in Mathematicis minime reperiri. quanuis enim nulla sit actio in quantitate, ideoque prioritatis ordine iuxta actionem passiones mathematicae ex formis subiectorum non fluant. fluunt tamen iuxta ordinem prioritatis demonstrationum, et causarum eas passiones de subiectis ostendentium.”.

277 Barozzi 1560, 26r.: “Ad Platonis autem, et Procli autoritatem dicentium diuersas aequo modo posse

fieri in mathematicis passionum demonstrationes: dico, quod non ait Proclus neque Plato plures in mathematicis aeque perfectas posse fieri demonstrationes eandem passionem de eodem subiecto demonstrantes. sed aequo modo per diuersa media, siue eiusdem scilicet, siue diuersae coordinationis media illa sint easdem de eisdem subiectis demonstrari, quod docuit etiam Aristoteles in primo Posteriorum 42. Haec quoque ad tertium.”

278 Barozzi 1560, 26v-27v: “Ad quintum autem, quod ex Procli, et Aristotelis autoritatibus arguebat,

dicimus, quod si diligenter autoritates illae examinentur, nequaquam id quod uult ipse concludunt. Primum ita opinari ait, quod si autoritas illa Procli uera est, plura scilicet Euclidis elementa posse esse sibi inuicem elementa, sequitur quod non per ueras causas demonstrant, quoniam nullum potest esse sui ipsius causa, et una est uniusquisque rei definitio. Respondeo quod consequens hoc non ualet nisi in theorematibus conuersis, quoniam si theorema conuersum probaretur demonstratione directa per suum conuersum, medius terminus ingrederetur conclusionem, et ideo theorema illud esset sui ipsius causa, et una uniusquisque rei deffinitio non esset, et quoniam hoc falsum est, sequeretur, quod ipse ait, quod scilicet non per ueras causas deonstraretur. Hoc autem animaduertit Proclus in fine commenti 24 libri tertii dicens omnia fere theoremata conuersa non probari demonstratione directe a uera causa procedenti, sed deductione ad impossibile, quia ut plurimum commodioris doctrinae gratia per sua conuersa nullo interiecto medio probantur. Quanuis autem haec per deductionem ad impossibile ostendantur, nil tamen obstat quin sua praecedentia conuersa per demonstrationem directam a uera causa procedentem demonstrentur. Quin etiam ipsamet conuersa, si non per sua praecedentia probentur, sed per alia dubio procul a uera causa per demonstrationem directam demonstrari poterunt. At in theorematibus non conuersis hoc minime sequitur, quia licet alterum ex altero probetur, non est tamen sui ipsius causa, neque diuersae sunt eiusdem rei deffinitiones, siquidem conuersa non sunt. Non ualet igitur illa consequentia, nisi in conuersis theorematibus, dum per sua conuersa praecedentia probantur.”.

concessões para salvar a matemática no âmbito da teoria da ciência aristotélica (há intenções pedagógicas nos tratados matemáticos que se sobrepõem, por vezes à intenção puramente científica; há uma ciência matemática potencial que possui todas as características de uma ciência mas que não é “atingível” e não visível na matemática em acto; etc.). Acima de tudo, a sua posição é defensiva e, ao sair do tradicional campo de actuação dos matemáticos (utilizando o proémio a obras matemáticas), para propor uma defesa da matemática em tratado de epistemologia e filosofia, reconhece e credibiliza a posição dos adversários279.

Barozzi mostra o impacte que as teses de Piccolomini e Catena tiveram e a importância do texto de Proclo para a construção do debate seiscentista sobre o estatuto da matemática280. Por sua vez, Barozzi foi autor muito admirado e influente. O seu patrocínio das matemáticas não é feito apenas nas suas aulas na Universidade de Pádua, nas suas orações em academias ou na difusão das suas publicações sobre matemática e filosofia. Merecem também destaque a sua correspondência e contactos pessoais com matemáticos de qualidade superior (Guidobaldo dal Monte, Cristopher Clavius), tradutores de textos matemáticos antigos (Federico Commandino) e o estabelecimento de laços de amizade com patronos influentes (Jacomo Contarini, Daniele Barbaro)281. A importância da sua obra está patente, por exemplo, no facto de ela se encontrar na livraria de Galileo282.

279 A mesma concessão, baseada em Proclo, de que a matemática possui provas não causais, pode ler-se

em Commandino: “Adhuc autem varios syllogismorum modos usurpavitm alios quidem a causis fidem accipientes, alios vero a signis profectos, omnes necessarios et certos atque ad scientiam accomodatos...” (Euclides Elementorum libri XV..., ed. Fredericus Commandinus, Pesaro, 1577, apud Gilbert 1963, 89 n. 35).

280 A publicação do Opusculum representa o culminar de um ano lectivo em que as aulas leccionadas se

centraram no exame do texto de Proclo e abordaram expressamente o tema da certeza das matemáticas. Não é de excluir, aliás, que o interesse de Barozzi por Proclo venha, precisamente, do ambiente polémico causado pelo debate sobre matemática e epistemologia, e que a sua tradução do comentário do comentador, feita no ano seguinte ao das suas aulas, fosse mais um argumento utilizado na discussão. A ideia de que a conjuntura determinou o interesse de Barozzi pelo comentário a Euclides de Proclo é avançada em Rose 1975, 125. A ideia é, de facto, muito atraente e convincente: em primeiro lugar, a academia aceita integrar entre os seus membros, em situação jurídica complexa, um docente externo, cujo esforço se demora um ano exclusivamente no estudo e na leitura de Proclo, que é explicado tendo em conta as teses de Piccolomini; em segundo lugar esse prolongado investimento culmina na publicação de uma tradução latina da obra do comentador neoplatónico (o facto de Barozzi não ter editado novo texto grego, embora dispusesse de melhores manuscritos, mas optasse por uma tradução, expressa vontade de divulgação ampla); em terceiro lugar, publica-se em simultâneo um opúsculo que autonomiza o tema, retirando-o dos apêndices finais ou do contexto dos comentários aos passos aristotélicos relacionados, ou seja do plano subsidiário a que estava votado.

281 Rose 1977, 119.

282 Rose 1977, 125. O seu nome e a sua tese são referidos com admiração ainda no século XVII, por