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Institucionalização e Legalização das Relações Internacionais

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149 I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A INSTITUCIONALIZAÇÃO E JUDICIALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: UM ESTUDO DA DEFESA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA OMC

7. Institucionalização e Legalização das Relações Internacionais

Dos casos estudados, podemos concluir que: 1o) a OMC é uma instituição forte e tem centralizado diversas questões, não só envolvendo o livre comércio, como também, nos exemplos apresentados, envolvendo a proteção ambiental numa defesa do desenvolvimento sustentável; 2o) esse institucionalismo da OMC é provocado pela interdependência entre os Estados e, ao mesmo tempo, acaba por provocar uma maior interdependência; 3o) O Direito Internacional tem influenciado grandemente esse processo de institucionalização do comércio internacional e da defesa do desenvolvimento sustentável dentro da OMC; 4o) a legalização das Relações Internacionais, como amplamente destacada nas discussões acima apresentadas, demonstra um novo momento da política internacional, também chamado de judicialização ou juridicização das Relações Internacionais.

Dizer que as Relações Internacionais têm passado por um processo de legalização é trazer o Direito Internacional para o centro das discussões. Keohane desenvolveu esse trabalho em 1996 (2002, p. 117 e ss.), quando estudou os dois prismas de consideração do Direito Internacional para a política internacional: o instrumentalista e o normativista.

Para a doutrina instrumentalista, os Estados usam o Direito Internacional como instrumentos para atingir os fins desejados, de acordo com seus próprios interesses.

Para a doutrina normativista, o Direito Internacional tem estruturado a política. Assim, political scientists have “discovered” what to lawyers seems obvious: rules structrures politics (KEOHANE, 2002, p. 118). Para Keohane, contudo, numa defesa de sua teoria institucionalista, ambos esses prismas são necessários, mas nenhum dos dois é, por si só, suficiente (2002, p. 121).

Partindo dessa última constatação, mister se faz entender melhor esse processo de legalização das Relações Internacionais.

Para Abbott, Keohane, Moravcsik, Slaughter e Snidal (2002, p. 133), we understand legalization as a particular form of institutionalization characterized by three components: obligation, precision and delegation. Nesses termos, os autores entendem que, dentro do processo de legalização das Relações Internacionais, ―obrigação‖ significa que os Estados e os demais atores internacionais estão obrigados pelas normas ou compromissos assumidos. Por sua vez, ―precisão‖ significa que essas normas

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inequivocadamente definem a conduta requerida, autorizada ou prescrita. ―Delegação‖ implica que o poder de implementar, interpretar e aplicar essas normas foi delegado a uma terceira parte, que recebeu uma autoridade institucionalizada.

Essa noção de legalização cria um lugar comum para cientistas políticos e juristas, ao mesmo tempo, fugindo da visão estreita do Direito Internacional clássico. Assim, legalização não requer necessariamente coerção e coação, mesmo porque esses não são atributos comuns às diversas instituições existentes (ABBOT et al., 2002, p. 133.

A legalização pode assumir a forma de hard law ou de soft law, de acordo com a conveniência da instituição em questão, não significando que um tipo de legalização é superior ao outro. ―Given the range of possibilities, we do not take the position that greater legalization, or any particular form of legalization, is inherently superior (…) [I]nstitutional arrangements (…) may best accomodate the diverse interests of concerned actors (…) [M]ore highly legalized trade rules can be problematic for liberal trade policy‖ (ABBOTT et al., 2002, p. 138).

De uma observação dos casos retro discutidos, muito se verificou acerca da influência de atores privados na política internacional: a indústria de pesca do atum no México e nos EUA; a indústria de pesca do camarão, na Malásia e outros Estados; a indústria do petróleo brasileira e argentina, no caso da gasolina; a indústria dos pneus remoldados, no caso do Brasil, Uruguai e da União Europeia.

Abbot, Keohane et all (2002, p. 145) comentam que

Private actors can influence governmental behavior even in settings where access is limited to states (such as the WTO and the International Court of Justice) Increasingly, though, private actors are being granted access to legalized dispute settlement mechanisms, either indirectly (through national courts, as in the EC, or a supranational body like the European Comission on Human Rights) or directly (as will shortly be the case for the European Court of Human Rights). As Keohane, Moravcsik and Slaughter argue, private access appears to increase the expansiveness of legal institutions.

VILLA e URQUIDI (2006, p. 602) comentam que esses novos atores internacionais chegam a questionar a exclusividade estatal em processos de decisão internacional, principalmente no que se refere aos temas de

low politics, assim considerados os direitos humanos, o meio ambiente e o comércio internacional, dentre outros.

O principal fator da consolidação desses outros atores internacionais, além do Estado, foi o aparecimento de uma ―agenda global social‖, que foi elevada à categoria de ―política estratégica‖ pelos próprios Estados e por um outro ator internacionalmente já reconhecido, que foi a ONU (VILLA e URQUIDI, 2006, p. 611) . Foi dessa maneira que, ao final da Guerra Fria, várias temáticas, tais como comércio internacional, direitos humanos e meio ambiente, passaram a ser consideradas questões de segurança internacional.

Por fim, importa dizer o quão importante tem sido o papel dos tribunais internacionais e cortes de arbitragem internacional nesse processo de legalização das relações internacionais. Ao invés de resolver disputas através de negociações institucionalizadas, os Estados têm escolhido, cada vez mais, delegar essa tarefa a tribunais, que, por sua vez, aplicam o Direito Internacional.

Keohane, Moravcskik e Slaughter, em 2000, distinguiram o trabalho desses tribunais em dois tipos: interestatais e transnacionais (2002, p. 153 e ss.).

Os tribunais interestatais mantém um sistema estado-cêntrico, no qual só Estados podem levar os seus litígios e, uma vez solucionados nesses fóruns internacionais, só os próprios Estados podem internalizar essas decisões. Um exemplo clássico desses tribunais é a Corte Internacional de Justiça, da ONU.

Os tribunais transnacionais são mais abertos aos indivíduos e grupos de sociedade e, grande parte das vezes, há mecanismos próprios para que os próprios indivíduos consigam internalizar essas decisões. Um bom exemplo desse tipo de tribunal é a Corte Europeia de Direitos Humanos e, mais recentemente, de maneira indireta (através da Comissão Interamericana), também a Corte Interamericana de Direitos Humanos. O atual sistema arbitral de solução de controvérsias do GATT/OMC é um tipo interestatal. Contudo, como se demonstrou nos casos discutidos, cada vez mais representantes do setor privado (principalmente as indústrias) têm influenciado a entrada dos Estados nesse tipo de judicialização das Relações Internacionais. Mesmo no antigo sistema do GATT 1947, o número de casos trazidos pelos Estados perante o sistema arbitral, que era considerado exageradamente político, foi grande. Mais impressionantes ainda são os

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números de conformidade dos Estados com as decisões trazidas perante esse sistema: em torno de 80 por cento dos casos (KEOHANE, MORAVCSISK e SLAUGHTER, 2002, p. 180).

Pode-se dizer que o sistema atual de solução de controvérsias da OMC foi baseado no sucesso desse sistema antigo do GATT, o que corrobora a tese do institucionalismo baseado no princípio da cooperação.

8. Conclusão

Novos atores tem se consolidado no centro de estudos das Relações Internacionais: as instituições. Porém, para elevar as instituições a esse patamar, foi necessário compreender o seu movimento em torno da interdependência, em torno da cooperação e, mais recentemente, em torno da governança.. Passa-se, assim ao momento de explicar como a política internacional se deixa influenciar por defesas que mais pareciam bandeiras de política pública interna, tais como as mudanças tecnológicas, a política tarifária, os direitos humanos e o meio ambiente. A ascendência do setor privado tem influenciado mudanças nos rumos das Relações Internacionais. São as relações transnacionais, que passam a ter uma prioridade na agenda internacional.

Uma análise do processo de institucionalização da OMC/GATT nos fez entender melhor essas fases do institucionalismo, bem como a real importância das instituições no cenário internacional.

O tema ―desenvolvimento sustentável‖, que poderia parecer desarticulado dentro de um ambiente GATT/OMC, nos fez entender como as instituições têm influenciado o mundo da política internacional e da política interna. Os Estados têm moldado suas leis, suas normas, sua política de acordo com as tomadas de decisões dos sistemas de solução de controvérsias das instituições.

Isso demonstra como o Direito Internacional, tanto em sua forma soft law quanto em sua forma hard law, tem influenciado os rumos da política internacional. Trata-se do processo denominado legalização das Relações Internacionais. Legalização seria, assim, uma forma particular de institucionalismo. E, num momento onde os tribunais internacionais e as cortes de arbitragem internacional são continuamente chamados para dirimir as diversas disputas entre os Estados, fala-se da judicialização das Relações Internacionais.

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