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3.OS DIREITOS HUMANOS COMO ELEMENTO DA POLÍTICA EXTERNA

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113 Referências Bibliográficas

3.OS DIREITOS HUMANOS COMO ELEMENTO DA POLÍTICA EXTERNA

O Itamaraty salienta que a questão dos direitos humanos ganhou status de assunto de política externa do país, o que garante a continuidade nas medidas a serem adotadas com vistas à progressiva implementação dos direitos fundamentais da pessoa humana.

O fato de a preocupação com os direitos humanos haver-se consolidado como política de Estado, o que lhes garante permanência e continuidade, faz com que se tenham aprofundado iniciativas originadas em gestões governamentais anteriores32.

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PIOVESAN, Flávia. A constitucionalidade do PNDH-3. In: SECRETARIA ESPECIAL DE DIREITOS HUMANOS. Revista Direitos Humanos. v.5. Abril 2010. p. 15. Disponível em:

<http://portal.mj.gov.br/sedh/biblioteca/revista_dh/dh5.pdf>. Acesso em 20 abr 2011. Não se olvida que o PNDH-3 foi alvo de muitas críticas. Nesse sentido, cf SECRETARIA ESPECIAL DE DIREITOS HUMANOS. Revista Direitos Humanos. v.5. Abril 2010.

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MRE, op cit, p. 3. 28 AMORIM, 2009, p. 73. 29

A resolução em questão, aprovada pela Assembleia Geral da ONU, é a de número 65/226. Disponível em: <www. http://daccess-dds-y.un.org>.

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Embora o Irã afirme à comunidade internacional que seu programa nuclear apresenta fins estritamente pacíficos, diversos países, principalmente as potências ocidentais, manifestam clara desconfiança em relação às finalidades do referido programa, sugerindo que seu escopo seja bélico.

31AMORIM DEFENDE ABSTENÇÃO EM RESOLUÇÃO CONTRA O IRÃ NA ONU. In: Estadão. 22 nov 2010. Disponível em: www.estadao.com.br/noticias/internacional. Acesso em 22 nov 2010.

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Fato é que os direitos humanos transcenderam a esfera do Direito Internacional, ou melhor, do Direito como um todo, passando a ocupar posição de destaque em esferas outras, como a política externa. A ratio dos direitos humanos espraiou-se para outros discursos, que não o exclusivamente jurídico, pode-se dizer. Seja como for, os direitos humanos galgaram espaço na política externa brasileira. É, pois, elemento que recebera atenção dos governos mais recentes, como se demonstrou anteriormente, tendo ganhado fôlego significativo no governo Lula.

Nesse particular, importa apurar um possível fator a explicar o porquê desses processos. Vale dizer: por que os direitos humanos alcançaram a esfera política, passando a ocupar lugar de destaque na formulação da política externa brasileira?

Não se perde de vista que o Brasil se insere no contexto internacional de disseminação da racionalidade de proteção aos direitos humanos, fenômeno que se projeta no cenário internacional, sobretudo, após os conflitos da Segunda Grande Guerra, evento em que presenciaram as próprias forças estatais serem empregadas no intento de eliminação de parcelas inteiras da humanidade.

Dissemina-se, então, a lógica protetiva aos direitos humanos. Os direitos fundamentais da pessoa humana passam a ocupar posição destacada na formulação da política externa brasileira e, por conseguinte, a defesa desse conjunto de direitos passa a representar um fator de inserção do país no sistema internacional. Em outros termos, a defesa dos direitos humanos constituem um elemento de soft power no plano internacional. Cumpre resgatar a concepção de Joseph NYE acerca do que venha a ser o mencionado soft power, ou poder brando. Nos termos de NYE, ―O poder brando é a habilidade de afetar os outros e de obter os resultados que se deseja por meio antes da atração que da coerção ou do pagamento. O poder brando de um país reside nas suas fontes de cultura, valores e políticas33‖ (tradução nossa).

Para Joseph NYE, o poder brando não é algo absoluto, mas sim algo que se pode exercer em certas áreas, mesmo que não se exerça em outras. Nas palavras do Professor:

O poder brando emerge da cultura e da política de uma nação. O poder brando não é ubíquo; você pode tê-lo em certas áreas e não em outras; você pode tê-tê-lo em relação a alguns países e não em relação a outros34

(tradução nossa).

Imperativo perceber que NYE contrapõe o denominado soft power ao hard power, caracterizado pelo uso da força e dos recursos militares, bem como pelo poderio econômico35. Nas palavras do autor: ―O poder militar, sozinho, não é capaz de produzir os resultados que queremos36‖. Nessa lógica, questões como mudanças climáticas globais, tráfico internacional de drogas, demandas por refúgio, apatridia e outras demonstram a insuficiência dos meios militares para lidarem com problemáticas internacionais contemporâneas.

Quer dizer, na medida em que o sistema internacional se torna crescentemente complexo, com múltiplas temáticas internacionais a ombrearem com questões tradicionalmente afeitas aos Estados, como a paz e a segurança internacionais, emerge outra espécie de poder, paralela ao poder militar, de sorte a se fazer sentir nessas outras esferas da agenda internacional que não as relacionadas diretamente com a segurança do Estado.

E nessa lógica de uma agenda internacional crescentemente complexa, temática que ganha cada vez mais atenção dos diversos segmentos da sociedade internacional é precisamente a que diz respeito aos direitos humanos, seu reconhecimento e realização. Nesse diapasão, é perceptível a íntima relação entre a defesa, por parte do Estado, dos direitos humanos no mundo hodierno e o incremento do seu soft power. Aliás, a respeito da relação entre soft power e direitos humanos, NYE é assertivo: ―Nossa crença nos direitos

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Soft power is the ability to affect others to obtain the outcomes one wants through attraction rather than coercion or payment. A country's soft power rests on its resources of culture, values, and policies. NYE, Joseph. Public diplomacy and soft power. In: The annals of the American Academy of Politicaland Social Science.vol. 616 no.194-109. March 2008. Disponível em: www.ann.sagepub.com. Acesso em 11 abr 2011.

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Soft power grows out of a nation‟s culture and policies. Soft power if not ubiquitous – you can have it in some areas and not in others; you can have it with some countries and not with others‖. NYE, Joseph. The paradox of American power. Palestra ministrada na Universidade de Princeton, em 8 de maio de 2002. Disponível em: www.princeton.edu. Acesso em 10 abr 2011.

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NYE, Joseph. The paradox of american power.New York: Oxford University Press, 2002, p.8, 36Military power alone cannot produce the outcomes we want”.Ibidem, p.XV.

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humanos e na democracia ajuda a aumentar nosso poder brando37‖. Assim, no exercício do soft power, o país coopta aliados, em vez de coagi-los38.

Isso se deve, sobretudo, segundo NYE, ao fato de o sistema internacional contemporâneo conviver com uma agenda complexa, ocupada por diversos temas e encabeçada por diversos atores, em que a hierarquia entre as temáticas internacionais deixa de ser rígida. Todos os assuntos são vistos como dotados da mesma importância, vale dizer. ―A emergência de múltiplos canais de contato entre os países, em diversas e não hierarquizadas questões, aumenta a oportunidade de se exercer influência39‖.

O que se pretende demonstrar é que a projeção do Brasil no cenário internacional como um ―interlocutor‖ dos direitos humanos, discurso enfatizado no governo Lula, em muito se relaciona com o incremento do poder brando do país no sistema internacional. Aliás, esse é um fator relevante de projeção no Brasil no cenário internacional, dadas as suas debilidades em outras esferas que também ditam a política internacional, como o poderio militar e econômico40.

Na medida em que demonstra andar pari passu com a racionalidade de preservação dos direitos humanos, o Brasil sinaliza que está conforme a sociedade internacional e seus valores, o que contribui para que o país exerça certo poder de decisão no plano internacional, ainda que bastante aquém daquele exercido pelas potências tradicionais, de que são exemplo os Estados Unidos e a Europa Ocidental.

Perceba-se, ainda, a estreita relação entre a defesa dos direitos humanos e os interesses políticos do Estado brasileiro ao se tomar em consideração o polêmico caso do Irã citado anteriormente, diante do qual o Brasil, no governo Lula, demonstrou certa plasticidade na defesa dos direitos fundamentais, evitando uma posição mais assertiva. Talvez isso se deva a interesses outros do Estado brasileiro, de natureza eminentemente política, como a cooperação energética com aquele país ou mesmo como a manutenção de um papel de conciliador internacional, o que poderia contribuir, por exemplo, para seu prestígio junto às Nações Unidas e para a aquisição de um assento permanente no Conselho de Segurança dessa organização.

Fato é que o Direito Internacional dos Direitos Humanos revela de maneira ímpar o sistema de influências recíprocas existentes entre o Direito Internacional e a Política Internacional. Em outras palavras, a defesa de certas normas, especialmente daquelas que atribuem direitos aos indivíduos, passa pelo filtro do interesse político. Quer dizer, ainda não se logrou erigir a defesa dos direitos humanos como valor absoluto da sociedade internacional, visto que ainda submetida ao interesse político.

Não se quer dizer, com isso, que o Estado brasileiro oriente-se somente por um desejo de acumulação de poder no sistema internacional e de realização dos seus interesses exclusivos e, por isso, lança-se ao discurso da defesa dos direitos humanos com vistas ao aumento de seu poder de influência no plano internacional. Quer-se afirmar, apenas, que a defesa assertiva de questão das mais caras à sociedade internacional contemporânea contribui para a projeção do Brasil na política internacional e para o incremento de sua capacidade de influenciar outros atores internacionais. Contribui, outrossim, para o seu

soft power.

CONCLUSÃO

Conforme se demonstrou, o Brasil apresenta uma tradição considerável na história recente de comprometimento com os instrumentos jurídicos internacionais de defesa dos direitos humanos e, igualmente, com a internalização dessas normativas.

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NYE, 2002, p. 153. 38

―It [soft power] coopts people rather than coerces them‖. Ibidem, p. 9.

39The emergence of multiple channels of contact between countries, on multiple and nonhierarchic issues increases the opportunities for influence‖. KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph. Power and interdependence.2ed. New York: Harper Collins Publishers, 1989. p. 112.

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Não se olvida que o Brasil tem experimentado projeção econômica internacional nunca antes vista, chegando a ser apontado como a 7ª maior economia do mundo. In: MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Brasil passa a Itália e é a 7ª economia do mundo. Disponível em:www.itamaraty.gov.br. Acesso em 11 abr 2011. De todo o modo, essa projeção econômica encontra-se em fase de construção, de sorte que para o Brasil romper com a lógica de ser tradicionalmente associado a um líder dos países menos desenvolvidos, mas ainda assim menos desenvolvido, há de tomar certo tempo.

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O governo Lula, por seu turno, deu significativo fôlego ao implemento de uma política internacional e interna de defesa desse conjunto de direitos fundamentais da pessoa humana, procurando desempenhar um papel ativo no plano internacional na defesa desses direitos.

Entende-se que um fator a explicar essa posição do governo brasileiro, de comprometimento assertivo no plano internacional com os compromissos jurídicos internacionais de proteção dos direitos humanos, consiste no fato de a defesa desses direitos, hodiernamente, contribuir para o incremento do poder brando do Estado brasileiro no sistema internacional e, assim, para a sua projeção internacional.

Consequentemente, a associação do Brasil aos compromissos internacionais de proteção aos direitos humanos robustece seu soft power e lhe dá voz no plano internacional.

Percebe-se, portanto, o vínculo entre a defesa dos direitos humanos e a política internacional. A defesa positiva desses direitos contribui para a realização de interesses políticos do Estado brasileiro, como o seu reconhecimento como um ator internacional relevante ou seu prestígio perante as Nações Unidas e o Conselho de Segurança.

Em outras palavras, ainda que o Estado brasileiro possa tomar os direitos humanos como valores da mais elevada monta, a sua defesa no plano internacional passa pelo filtro do interesse político. Quer dizer, não se defendem os direitos humanos como um fim em si mesmo. Antes, tais direitos, para além de encerrarem em si valores caros da sociedade internacional contemporânea, representam um elemento estruturante da política externa brasileira, na medida em que também contribuem para a valorização do poder brando e para a projeção do Brasil no plano internacional.

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