• Nenhum resultado encontrado

PARTE II — ACESSO À INFORMAÇÃO DE GOVERNO NO BRASIL 1 A informação no Estado Brasileiro

1.1. Legislação brasileira de acesso à informação governamental

A maior referência legal é a Constituição Federal (BRASIL, 1988), que se apresenta como uma tentativa de formar um conjunto de diretrizes legais para garantia de direitos fundamentais da cidadania. No artigo 37, do capítulo que trata da organização da administração pública, está presente o princípio da publicidade, junto aos outros princípios reguladores da estrutura burocrática.

“Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade”.

Portanto, a administração pública brasileira deve se pautar pela submissão a esses princípios, o que significa, no caso da publicidade, adotar uma política de transparência administrativa através de um aparato legal de garantia de acesso às informações governamentais pelos cidadãos.

Na Constituição, o princípio do direito à informação está previsto em cinco incisos do artigo 5º, que trata das garantias dos direitos fundamentais do cidadão e determina princípios de igualdade perante a lei, inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Os três instrumentos incluídos no artigo que se apresentam como base para dar sustentação aos direitos de cidadania são o habeas data, o mandato de injunção e a ação civil pública (CEPIK, 2000).

Eis o que traz o artigo 5º:

“Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”

Seguem-se os incisos que discriminam os direitos fundamentais, dos quais Cepik destaca aqueles que se referem à garantia dos direitos à informação:

“XIV — É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional [...].

XXXII — Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aqueles cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. [...].

XXXIV — São a todos assegurados, independente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição dos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.

b) a obtenção de certidões em repartições pública, para a defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal. [...].

LXXII — Conceder-se-á habeas data:

a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros

ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público,

b) pra a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo. [...].

LXXVII — São gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania.”

Ainda que a lei constitucional tenha previsto a instituição de instrumentos reguladores para resguardar o direito à informação e garantir as liberdades individuais e coletivas, esse ideal ainda se encontra distante da prática, como observa Cepik. Segundo o autor, “a falta de regulamentação e de prazos legais, as restrições genéricas e ausência de canais institucionais regulares [...] tornam-se obstáculos quase intransponíveis para a utilização eficaz dessas prerrogativas” (p. 52).

É importante lembrar que a Constituição Federal de 1988 foi elaborada quando o país saía de 20 anos de ditadura militar. Sua elaboração pode ser analisada sob a característica reativa do direito à informação. Uma preocupação dos constituintes era incluir garantias aos cidadãos que coibissem abusos de autoridades, resguardassem o direito à privacidade e direito de ter conhecimento de informações colhidas sobre si. No entanto, na prática, tendo em vista a falta de regulamentação, o exercício desse direito encontrou obstáculos, em função de instituições herdadas da própria ditadura. Cepik cita como exemplo da distância entre a determinação da lei e sua aplicabilidade, a dificuldade de obtenção de informações pessoais logo após a promulgação da Constituição. Muitas pessoas foram procurar informações sobre si, principalmente nos arquivos da polícia política, mas tiveram seus objetivos frustrados pelo parecer da Consultoria Geral da República (SR-71) “que deixava a cargo do chefe do antigo Serviço Nacional de Informações (SNI) a avaliação sobre quais dados poderiam ser divulgados, em função da ressalva de sigilo prevista no inciso XXXIII do artigo 5º da Constituição” (p. 53). Percebe-se que o caráter genérico da lei representou um impedimento. Percebeu-se quer era necessário, mais do que garantir o direito ao acesso à informação, prever formas de fiscalizar se o órgão responsável pela guarda dos documentos cumpre a determinação legal. E isso não estava previsto em lei, que ainda não

se encontrava regulamentada. Esse problema é mostrado por Luís Emílio28, citado por Cepik (p. 53):

“Passada a euforia inicial, porém, os resultados efetivos do instrumento demonstrariam ser muito menos importantes do que a princípio se julgara. Vários requerimentos foram encaminhados ao SNI. O SNI tratou de responder aos pedidos por meio de certidões. [...] Aqui, a questão mais importante, de evidente flagrante, não estava, como foi considerado, na obrigatoriedade de o SNI cumprir o preceito constitucional que a nova carta ordenava, mas sim o fato de que não havia qualquer instrumento capaz de garantir se o órgão o estava cumprindo na sua exata amplitude”.

A regulamentação do dispositivo constitucional de acesso à informação é feita através das leis de arquivo29. Toda ação governamental gera registro e o arquivo é a forma de organização desses registros (o centro da burocracia é o bureau, onde se guardam os documentos gerados pelos atos administrativos).

A primeira tentativa de regulamentar o artigo 5º foi a promulgação da lei 8.159, de 8 de janeiro de 1991. Mas é ainda insuficiente. O artigo 4º da lei, por exemplo, resume-se na transcrição do inciso XXXIII do artigo 5º da carta magna. A lei discrimina, de maneira ampla, a política nacional de arquivos, sendo que muitos assuntos da lei são regulamentados por decretos-lei, como o 2.134 de 24 de janeiro de 1997, que dispõe sobre a categoria dos documentos públicos sigilosos e o acesso a eles (regulamentação do artigo 23 da lei 8.159/91). Também destacamos o decreto-lei 2.942, de 18 de janeiro de 999, que estabelece a classificação de arquivos públicos e privados (regulamentação dos artigos 7º, 11 e 16 da lei 8.159/91)30.

28 Ver: EMÍLIO, Luís A. Bitencourt. O Poder Legislativo e os Serviços Secretos no Brasil: 1964-1990.

Dissertação de mestrado. UnB, Brasília, 1992.

29 Neste trabalho foi feito um levantamento sobre a legislação federal de direito à informação. Considerando o

objeto de estudo do presente trabalho, ficou restrito a essa esfera de governo, pois para procurar entender a lei que regulamenta a disponibilização de documentos produzidos pelo governo federal. Para estudo mais aprofundado da legislação brasileira de acesso à informação é importante proceder ao estudo sugerido por Cepik para pesquisar decretos presidenciais, legislações estaduais e municipais referentes ao tema. Isso é importante porque a própria lei 8.159/91 faz remissão à necessidade de regulamentação da garantia do direito à informação para dispositivos legais estaduais e municipais. Também ele sugere analisar jurisprudência gerada no assunto pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal.

Em nenhum desses dispositivos são regulamentados os prazos para prestação de informações por parte dos órgãos públicos. O artigo 4º da lei 8.159/91, ao reproduzir o preceito constitucional, determina que as informações “serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade [...]”, sem, contudo, fixar qual é esse prazo. Os demais decretos também trazem a referência ao prazo da lei. Também não são estipuladas, de maneira explícita, penalidades para as autoridades que, negando ou dificultando o acesso, não estejam cumprindo a determinação legal de maneira ampla. O artigo 25 da lei 8.159/91, por exemplo, determina que “ficará sujeito à responsabilidade penal, civil e administrativa, na forma da legislação em vigor, aquele que desfigurar ou destruir documentos de valor permanente ou considerado como de interesse público e social”. Essa iniciativa é importante, no sentido de preservar a integridade dos arquivos de interesse público e social e procurar impedir a destruição de documentos governamentais por quaisquer motivos. É válido, por exemplo, para impedir que sejam destruídos registros em mudanças de governos. Por outro lado, falta o mesmo cuidado quando se trata de preservar a integridade do direito do cidadão. A referência ao risco de penalidade é feita no artigo 4º da referida lei, de forma geral.

Cepik mostra que todo empenho da legislação regulamentadora do direito à informação governamental foi empregado no sentido de resguardar o segredo governamental dos procedimentos de segurança de informações.

Isso demonstra um problema de ordem política de definição de prioridades. Para implementação de uma estrutura que permita o exercício amplo do direito de acesso à informação governamental são necessárias, a construção de um arcabouço legal bastante vasto e regulamentador, adotando o segredo como exceção criteriosamente definida, e a alocação de recursos para organizar instituições e instrumentos que facilitem o acesso à informação. Para isso, deve haver, por parte das autoridades legais constituídas o interesse político em aplicar a política de transparência administrativa ou nenhum dispositivo legal terá eficácia.