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PARTE II — ACESSO À INFORMAÇÃO DE GOVERNO NO BRASIL 1 A informação no Estado Brasileiro

Nível 9 — permite consultar todos os documentos e informações de qualquer UG ou órgão do sistema.

3. A exploração de um campo de luz e sombra 1 Metodologia

3.2. Coleta de informações e análises

3.2.4. O Siafi nas sessões plenárias do Congresso Nacional

A pesquisa, feita no banco de dados do Congresso Nacional, por Ronaldo de Moura, encontrou 82 pronunciamentos, somando os proferidos nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal com alguma referência ao Siafi no período de agosto de 1991 a maio de 2000 (o relatório da pesquisa indica 83, mas um pronunciamento foi gravado duas vezes). A partir dos espelhos oferecidos pelo relatório120, foram selecionados 16 pronunciamentos para serem impressos na íntegra. Nem todos se encontravam disponíveis. Foi possível, assim, ter acesso à íntegra de nove discursos, o que corresponde a pouco mais de 10% do universo pesquisado. Os pronunciamentos foram utilizados

117 Entrevista citada. 118 Entrevista citada. 119 Entrevista citada.

principalmente para procurar identificar a importância e o tratamento que deputados e senadores dão ao Siafi.

Ao analisar os espelhos do relatório da busca dos pronunciamentos, é possível constatar que o assunto recebe abordagens recorrentes. Há um aspecto que reforça a recorrência ao assunto, que é a estratégia política de parlamentares de repetirem o tema reiterada vezes como forma de pressão, de modo a impedir que saia de pauta sem solução. O assunto é tratado até que se tenha uma resposta por parte do Executivo em relação ao que está sendo solicitado. Nesses casos, o parlamentar trata do tema até mesmo quando assume a tribuna para falar de outra questão qualquer. No final do discurso, ele “aproveita o ensejo” para incluir o Siafi. Exemplo dessa estratégia foi a postura do senador Eduardo Matarazzo Suplicy (PT-SP). Em 1991, quando o Congresso teve negado o acesso ao Siafi, o tema fez parte de seus pronunciamentos nas 14 vezes em que ocupou o plenário do Senado durante o período de 100 dias que durou a suspensão. Uma estratégia que o próprio senador recorda, ao denunciar, em 2000, uma tentativa de esvaziamento do Siafi pelo governo federal121.

“Eu gostaria de recordar que o Siafi foi iniciativa do ministro Dilson Domingos Funaro, no governo José Sarney, e passou a ser acessado por parlamentares no início do governo Fernando Collor de Mello, em 1991, por solicitação nossa, facilitando o importante papel de fiscalização exercido por nós, senadores e deputados. Quando foram divulgados alguns gastos, seja da LBA, do Palácio do Planalto ou da Alvorada, o presidente Fernando Collor, por iniciativa de um de seus principais auxiliares, cortou aquele acesso. Por 100 dias ressaltamos, semanalmente, a importância do restabelecimento do acesso. Foi então que o presidente do Senado, Mauro Benevides, falou sobre a questão com o então ministro Marcílio Marques Moreira, que estava em Tóquio [...]. Finalmente, foi restabelecido o acesso, após 100 dias.” (senador Eduardo M. Suplicy, plenário do Senado, 23/5/2000).

É relevante destacar, ainda, que na maioria das vezes em que o assunto Siafi foi levado ao plenário da Câmara ou do Senado, a iniciativa partiu de parlamentares integrantes do bloco da oposição. Ao todo, foram registrados 29 pronunciamentos de senadores, 51 de deputados e dois do Executivo (atendimento de solicitação de informação) com referências ao Siafi e de fatos relativos ao acompanhamento da execução orçamentária. O assunto foi citado por

121 Ao encaminhar o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias 2001, o Executivo havia retirado do texto a

em 51 pronunciamentos de parlamentares do bloco oposicionista. Na quota do PSDB foram registrados cinco pronunciamentos, sendo duas vezes como resposta ou prestação de esclarecimentos a demanda ou questionamento de parlamentares da oposição. O PMDB, teve 13 pronunciamentos, sendo 10 vezes na condição de oferecer resposta a requerimentos ou comentários de outros parlamentares, ou mesmo para comunicar procedimentos ou alteração de procedimentos referentes ao Siafi. Do PFL foram sete pronunciamentos, seis na condição de resposta a requerimentos ou comunicados. Dentre os parlamentares de outras legendas da base governista, somam outros três pronunciamentos, restando um último de deputado sem partido.

Nos pronunciamentos, o Siafi é citado sempre em vista do papel que desempenha como instrumento de fiscalização das contas do governo federal. Isso acontece principalmente quando um parlamentar reivindica ampliação do acesso ao sistema ou denuncia manobras de tentativa de esvaziamento do Siafi por parte do governo federal. Há casos em que é citado como a fonte de informação que dá sustentação a uma denúncia de manobra de verba pública, de modo a reforçar o seu caráter fiscalizador.

O Siafi é citado como fonte de pesquisa para identificação de manipulação de recursos para geração de superávit, como o senador Gilberto Miranda (PMDB-AP) fez para criticar a ação do ex-ministro da Fazenda Ciro Gomes:

“Por ela [manobra financeira ocorrida no final de 1994, governo Itamar Franco] [...] o ministro da Fazenda teria ‘camuflado’ um superávit fiscal de R$ 447 milhões. Mas como? Apresso-me a responder: transferindo essa vultuosa quantia da conta central do Tesouro para a Coordenadoria -Geral de Orçamento e Finanças daquele Ministério e estornando-a em 24 horas.

A manipulação [...] deixou ‘rastros’ no Sistema Integrado de Administração Financeira [Siafi], tendo sido perpetrada a título de adiantamento de crédito pra a Fazenda. Ocorre que o Siafi registrou apenas a transferência, sem a correspondente autorização.” (senador Gilberto Miranda, PMDB-AP, plenário do Senado Federal, 30/1/1995).

O senador Pedro Simon (PMDB-RS), também com base em informações colhidas em consulta ao Siafi, apresentou pedido de esclarecimento à Secretaria do Tesouro Nacional

sobre a modalidade “Dotação Solicitada Pendente de Autorização Legislativa”122. Paralelamente, solicitou investigação ao Ministério Público. No dia 12 de outubro de 1997, o senador ocupou o plenário para informar o retorno de suas solicitações, que teriam resultado em correção de procedimento do Tesouro e abertura de investigação por parte do Ministério Público.

Ainda na linha de utilização de informações do Siafi para fiscalização de atos de governo, está a iniciativa do deputado federal Fernando Coruja (PDT-SC), que procurou comprovar a redução de investimentos na área de Saúde e, assim, desmontar o discurso governista:

“Pesquisei no Siafi e na Assessoria do Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados os números possíveis de serem verificados. Alguns dados fornecidos pela assessoria [...] mostram que em 1995 a dotação orçamentária para a Saúde foi de 19 bilhões de reais, dos quais foram liquidados 18 bilhões de reais. Esse número pouco variou nos anos de 1996 e 1997. Em 1998, a dotação orçamentária foi de 19 bilhões de reais e, desse valor, foram liquidados 17 bilhões. Houve, portanto, a diminuição de 1 bilhão de reais em relação ao orçamento de 1995. [...]. Desafio os deputados da base do governo que aqui se pronunciaram dizendo que a saúde melhorou e que os recursos a ele destinados aumentaram. Demonstrem-me tais números! De acordo com a assessoria desta Casa, e incluindo os números de que dispomos no Siafi, qualquer número demonstra o contrário.” (deputado federal Fernando Coruja, PDT-SC, plenário da Câmara dos Deputados, 10/3/1999).

Os parlamentares que defendem o uso do Siafi, a ampliação de acesso ou mesmo nos momentos em que reivindicam o restabelecimento de procedimentos referentes ao Siafi e denunciam tentativas de esvaziamento do sistema, o fazem recorrendo ao seu caráter de instrumento de apoio à fiscalização, controle e acompanhamento das contas do governo federal.

“Não obstante o Siafi ser um sistema que gera informações analíticas e segmentadas, é indubitável que sua utilização criou condições ótimas para o controle das finanças públicas e o acompanhamento da execução orçamentária. [...]

122 “Dotação Solicitada Pendente de Autorização Legislativa” foi um evento contábil, criado pela Secretaria

de Tesouro Nacional em janeiro de 1995 e desativado em agosto do mesmo ano, que efetuava lançamentos a débito da conta “Créditos Solicitados” e, em contrapartida, a crédito da conta “Crédito Disponível”. Segundo explicações da STN, esse evento serviria para manter em evidência, no Siafi, os créditos orçamentários em processo de autorização legislativa para créditos adicionais solicitados. Mas, para que surtisse efeito, esse evento deveria ser utilizado em conjunto com o da “Indisponibilização de Créditos Pendentes de Autorização Legislativa”. Segundo Simon, em função do “esquecimento” desse último procedimento, “146 unidades fizeram uso impróprio dos mesmos [créditos], não sendo possível precisar se de má-fé ou não”.

durante anos seguidos essa ferramenta passou desapercebida pela sociedade e foi muito pouco empregada no controle da execução do Orçamento Geral da União. É necessário reconhecer que a atividade parlamentar pioneira de fiscalização e controle por parlamentares do Partido dos Trabalhadores [...] foram decisivas para mostrar à sociedade que o Siafi pode e deve ser utilizado como um instrumento poderoso de fiscalização e controle de aplica;cão do dinheiro do contribuinte pelos Poderes da República, sobretudo o Executivo.” (senador José Eduardo Dutra, PT- SE, plenário do Senado, 1/8/1996).

“O governo federal convivia com diversos problemas de natureza administrativa na gestão de seus recursos, superados com a criação do Siafi. Mas, sem a menor dúvida, o grande passo da criação desse sistema foi tornar a administração dos recursos públicos mais transparentes. [...] O Siafi também permite algo da maior importância para o gestor público, que é a transparência de suas ações e de seus gastos.” (deputado federal Agnelo Queiroz, PC do B/DF, plenário da Câmara dos Deputados, 12/5/2000).

“A implantação do Siafi está completando 14 anos de uma boa experiência de tornar transparentes as ações do Poder Público. Com dados nele disponibilizados, já foram descobertas falcatruas de aventureiros que, infelizmente, pousaram nos cargos públicos dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, permitindo, com a denúncia, o conseqüente processamento penal, civil e administrativo.” (deputado federal Clementino Coelho, PPS-PE, plenário da Câmara dos Deputados, 22/5/2000).

Os depoimentos analisados deram mais informações sobre o uso das informações do Siafi pelos parlamentares, demonstrando o alcance dos resultados do sistema e sua importância política. As referências à importância do sistema e as solicitações públicas para implantação ou restauração do acesso ao Siafi mostraram que ele já se encontra incorporado ao trabalho de fiscalização e controle externo sobre as finanças públicas. Ao final, para desenvolver a conclusão a partir das informações colhidas, o conjunto das entrevistas e dos discursos formou uma teia de indícios que permitiu identificar como ocorre a relação entre transparência e opacidade na execução orçamentária.

CONCLUSÃO

O estudo exploratório sobre o nível de transparência da execução orçamentária ofereceu condições para identificar de que maneira o problema se apresenta. Foi significativa a escolha do objeto de estudo: procurar identificar o nível de transparência da execução da Lei Orçamentária Anual (LOA) através das informações disponibilizadas no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) do governo federal, instrumento de organização interna das contas governamentais que passou a ser utilizado pelo Legislativo como a principal fonte de informação sobre a aplicação do dinheiro público. Perceber como um sistema de controle interno criou condições para aperfeiçoar o trabalho da fiscalização externa foi importante para identificar como a discussão do acesso à informação governamental no Brasil permanece restrita.

Com pouca literatura disponível sobre o assunto, as entrevistas ajudaram a conhecê-lo e compreendê-lo melhor. As observações feitas por usuários especialistas apontaram as principais vantagens e os principais problemas, o que ajudou a visualizar o quadro sobre o baixo nível de transparência no aspecto orçamentário das contas públicas. Desta forma, foi possível identificar algumas considerações básicas a partir das quais é possível avançar no assunto. Mas, principalmente, apontou alguns questionamentos que podem orientar a busca pelo aprofundamento no tema, ainda pouco explorado.

A seguir, serão apresentadas, em primeiro momento, as conclusões feitas a partir da análise das informações coletadas. São descrições das principais características identificadas durante a pesquisa sobre o nível de transparência da execução orçamentária pelo Siafi, apontando os aspectos onde o princípio da publicidade se destaca, no sentido de tornar mais acessíveis as informações sobre o processo orçamentário, e as condições em que esse princípio é comprometido por tendências ao segredo. Como foi possível identificar na revisão teórica, o princípio da publicidade dos regimes democráticos não se apresenta de maneira absoluta. A pesquisa realizada sobre o acompanhamento da execução orçamentária pelo Siafi mostrou essa característica e pôde identificar o conflito entre o poder visível e o invisível, destacando-se o bloco oposicionista do parlamento como um dos responsáveis

pela manutenção de mecanismos contra a tendência do poder ao segredismo. Ao final, serão apresentados os questionamentos, as dúvidas que não puderam ser respondidas por esse trabalho, mas abordam traços importantes sobre o assunto e servem de base para aprofundamento e desenvolvimento de linhas de pesquisas futuras.