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CAPÍTULO I: Articulações Teóricas

1.1 Educação a Distância

1.2.3 Letramento digital

Várias pesquisas emergem do vasto contexto digital que circunda a sociedade e, em especial, o campo educacional. Algumas focalizam o letramento digital à luz dos gêneros digitais (COLLINS et al, 2005); outras, à luz da hipertextualidade (XAVIER, 2002); outras ainda, com foco em letramentos múltiplos (OLIVEIRA e KLEIMAN, 2008; ROJO, 2009, BUZATO, 2008). Essas pesquisas investigam as características dos textos que emergem das tecnologias, orientando o repensar sobre as relações entre a oralidade e a escrita.

O conceito de letramento, ao ser incorporado à tecnologia digital, nos indica que, além de domínio sobre como usar essa tecnologia, é necessário que haja a apropriação do “para que” a utilizar, isto é, como usá-la de maneira significativa, entendendo seus usos e possibilidades no contexto social.

Para Eshet-Alkalai (2004, p.102), a literatura é inconsistente no uso do termo

letramento, e há autores que restringem o conceito aos aspectos técnicos de operar

o mundo digital, enquanto outros usam o termo no contexto de aspectos cognitivos e socioemocionais do trabalho em ambiente computacional. Ele sugere que “o

letramento digital pode ser definido como a habilidade de sobrevivência na era digital”28.

Após essas reflexões, supõe-se que o aluno-tutor a distância, para se apropriar significativamente das tecnologias da informação e comunicação consideradas pela EaD, passe a adotar uma cultura tecnológica específica do ambiente virtual de aprendizagem a ser utilizado. Para a adoção de tal postura, surgem novas práticas de letramento, as chamadas digitais, viabilizando uma nova cultura.

Sobre essas práticas de letramento digital, a voz de Buzato (2009, p.01) é apropriada, quando afirma: “letramentos são diversos, de modo que as atividades

interativas / interpretativas que os constituem envolvem propósitos, valores, atitudes, códigos e dispositivos tecnológicos variados”. Essa variação implica a

imprevisibilidade dos efeitos cognitivos e sociais desses letramentos, porém há o investimento institucional em certos letramentos, em certos contextos, visando a certos efeitos.

O letramento digital, no contexto desta pesquisa, surge desse investimento institucional que leva tutores a distância a participar de várias práticas de leitura e escrita, buscando aprimoramento e apropriação de um novo paradigma, o da EaD, para se tornarem digitalmente letrados, para atuar nos cursos a distância.

Considerando que o letramento digital é um processo que ocorre interna (no interior da mente) e externamente no ser humano, por meio de ações e é, ao mesmo tempo, não observável e observável, é possível retomar o que afirma Vygotsky (1987, p.165): “Para estudar um processo interno é necessário exteriorizá-lo com

alguma outra atividade exterior. Só então a análise funcional objetiva torna-se possível”. Dessa forma, investiga-se, na presente pesquisa, a atividade de formação

de tutores a distância, focalizando o desenvolvimento de seu letramento digital. Em relação ao conceito de letramento digital, Soares (2002, p.151) afirma ser

um certo estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e escrita na tela, diferente do estado ou condição – do letramento – dos que exercem práticas de leitura e escrita no papel.

A autora não enfatiza a aprendizagem de como usar o computador, o que, a meu ver, seria um processo de alfabetização tecnológica.

Para Swain (2009, s.p.), o “letramento digital é a habilidade de identificar,

entender, interpretar, criar, comunicar, computar e usar os materiais de multimídia interligados aos textos em contextos variados”29.

No meu entender, letramento digital seria, pois, entrar em sintonia com as tecnologias digitais de maneira significativa, entendendo seus usos e possibilidades em nossa vida social. No caso desta pesquisa, esse uso é voltado para sujeitos que exercerão a função de tutores a distância. Nesse sentido, é relevante conhecer o pensamento de Xavier (2007, p.3-4) a respeito de como é a postura daquele que vivencia as práticas de letramento digital:

o letramento digital requer que o sujeito assuma uma nova maneira de realizar as atividades de leitura e de escrita, que pedem diferentes abordagens pedagógicas que ultrapassam os limites físicos das instituições de ensino.

Ele também nos lembra que algumas ações, na transição do ambiente presencial para o ambiente virtual de aprendizagem, passam por mudanças na maneira de ler e de escrever, o que torna o letramento digital uma prática de leitura e escrita com ações diferentes das tradicionais. Por isso, são observadas, nesta investigação, as práticas sociais de leitura e escrita de alunos-tutores em sua formação

Vale, ainda, ressaltar o que afirma Xavier (2007, p.02):

Ser letrado digitalmente pressupõe assumir mudanças nos modos de ler e escrever os códigos e sinais verbais e não verbais como imagens e desenhos, se compararmos às formas de leitura e escrita feitas no livro, até porque o suporte sobre o qual estão os textos digitais é a tela, também digital.

O autor parece falar, portanto, de leitura e escrita apenas na tela digital do computador, esquecendo-se de outras formas que possibilitam a leitura digital, como

29 Texto original: “Digital literacy is the ability to identify, understand, interpret, create, communicate,

o teclado de um celular ou a tela da televisão. De fato, as práticas letradas ocorrem de maneira variada, de acordo com as diferentes esferas de atividade humana, porém, nesta pesquisa a discussão se volta para a esfera educacional.

Ao mudar o espaço de leitura, o tutor a distância passa por uma mudança em seu perfil e em sua prática pedagógica. O papel de professor passa do tradicional professor presencial, relacionado à ideia de transmissor de conhecimentos, ao de pesquisador; o fornecedor único do saber se transforma em articulador do saber. Outro papel representativo da função de professor, o instrutor de regras, transforma- se em gestor de aprendizagem; o professor não mais é visto como um chefe autoritário que manda, mas sim como um consultor que sugere, um motivador da aprendizagem pela descoberta.

O acesso às praticas de leitura e escrita que ocorrem nos cursos a distância envolve mais do que apenas o conhecimento tecnológico dos recursos do computador; envolve novas formas de ação, modos particulares de produção e gerenciamento próprios da EaD. Por isso, o letramento digital tem sua materialização em práticas relacionadas não apenas ao uso das ferramentas do ambiente virtual de aprendizagem, mas também às ações que envolvem diversas mídias interativas e à compreensão dos textos lidos numa dimensão social.

Soares (2002, p.151) explica essa dimensão da seguinte maneira: “A tela,

como novo espaço de escrita, traz significativas mudanças nas formas de interação entre escrita e leitor, entre escrita e texto, entre leitor e texto e até mesmo, mais amplamente, entre o ser humano e o conhecimento”.

À medida que surgem novas maneiras de se comunicar e aprender, por exemplo, as veiculadas na Internet, novas necessidades se configuram no cotidiano dos professores. O letramento digital implica, então, uma dimensão em que, como afirma Barbosa (2007, p.01), “a expansão das mídias digitais e o surgimento e

desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação logo colocaram para os estudos sobre letramento a necessidade de tratar da multimodalidade”. Isso

implica estudos que tratam das práticas que envolvem saber não apenas navegar na Internet, mas ler textos que mesclam linguagens não apenas verbais. Além disso, usar os canais de comunicação e ferramentas de produção implica aprender habilidades práticas que serão mediadas por tecnologias usadas tanto no contexto digital quanto no contexto de comunicação em rede.

letramentos múltiplos na sociedade, de maneira que as pessoas, em diferentes esferas de atividade, tenham consciência e conhecimento de suas várias práticas de letramento, orientadas por diferentes propósitos comunicativos. Lembram, ainda, as autoras que algumas dessas práticas se tornam mais visíveis que outras.

Pode-se dizer que há uma gama de ações possíveis de serem praticadas por uma pessoa letrada digitalmente, como enviar uma mensagem de texto pelo celular ou digitar o número de uma conta bancária num terminal eletrônico. Buzato (2003, s.p.), ao discutir letramento digital, abrange um pouco mais essas ações. Ele afirma:

Esse fenômeno designa todo o conhecimento necessário para práticas mediadas pelos equipamentos eletrônicos do mundo contemporâneo, que são as habilidades de construir sentido a partir de textos multissemióticos, de localizar, filtrar e avaliar informação e o conhecimento das ‘normas’ que regem a Comunicação Mediada por Computador.

Concordando com essa definição e com as diferentes práticas e múltiplos letramentos postulados por Rojo, penso que a formação dos tutores para a EaD inclui as diferentes práticas de letramento digital no ambiente de aprendizagem, as quais ampliam as habilidades dos participantes e os capacitam a navegar no ambiente, a usar outros canais de comunicação e outros instrumentos de produção de textos, uma vez que suas práticas são mediadas por variadas mídias no contexto digital.

Assim como Oliveira e Kleiman (2008) e Rojo (2009) se referem a letramentos múltiplos, Buzato (2008, p.328) define letramentos digitais:

Letramentos digitais são redes complexas de letramentos (práticas sociais) que se apóiam, entrelaçam, contestam e modificam mútua e continuamente nas e por meio, virtude ou influência das TICs, e que o fazem diferentemente em contextos culturais e situacionais diferentes.

Após essa exposição de conceitos referentes ao alfabetismo, letramento e letramento digital, é importante o leitor visualizar características desses fenômenos, conforme as vozes emitidas por meio desse diálogo entre diferentes autores, até agora proferido. O quadro a seguir apresenta as características de cada conceito:

Alfabetismo • estado ou condição de quem sabe ler e escrever (SOARES, 2003, p.29);

• conjunto de comportamentos que se caracterizam por sua variedade e complexidade (SOARES, 2008, p.30);

• adaptação (SCRIBNER, 1984)

• agrupado em duas grandes dimensões: a dimensão individual e a dimensão social;

• complexo e sócio-historicamente determinado (ROJO, 2009, p.44);

• está em constante mudança, muda de uma época para outra e reflete as mudanças sociais;

• envolve conhecimento, capacidades relacionadas à leitura e à escrita;

• segundo o INAF, é “a capacidade de acessar e processar

informações escritas como ferramenta para enfrentar as demandas cotidianas”.

Alfabetismo

digital • termo ainda não usual; • adaptação ao mundo tecnológico;

• aprendizagem e uso das ferramentas e dos recursos que envolvem a tecnologia do computador;

• navegabilidade na Internet;

• leitura crítica de alta visibilidade da cultura das mídias digitais; • compreensão de como os textos funcionam, influenciam e

produzem significados no contexto digital;

• competência cognitiva para uma leitura crítica em relação à cultura hipertextual.

Letramento • resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais da leitura e da escrita (SOARES, 1998);

• caracterizado por práticas de leitura e escrita em contexto social em que o espaço usado, em geral, é a tecnologia do papel; • conjunto de práticas sociais que usam a escrita, como sistema

simbólico e como tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos (KLEIMAN, 1995);

• processo que dá continuidade à alfabetização no formato de leitura que se faz ao longo da vida como revistas, jornais, livros, propagandas e toda forma de escrita que faz parte do dia a dia; • caracterizado pelo uso desses conhecimentos (alfabetização)

para se apropriar dos sentidos dos textos e com eles dialogar (ROJO, 2006).

Letramento

digital • práticas de leitura e escrita no contexto digital, incluindo navegação, uso de ferramentas de comunicação e produção de textos;

• práticas sociais de leitura e de escrita, propiciadas pelas recentes tecnologias de comunicação eletrônica – o computador, a rede (a web), a Internet (SOARES, 2002);

• caracterizado por práticas de leitura e escrita em contexto digital em que o espaço de leitura é a tela do computador e o formato dos textos se transforma em hipertexto;

• processo de apropriação das mídias para analisar o mundo, acessar informação, interpretar e organizar seu conhecimento pessoal e representar o que sabem para outros.

Nessa perspectiva, mesmo os professores amplamente letrados, que se engajam em extensas práticas de leitura e escrita em aulas presenciais, precisam, para ingressar na EaD, estar envolvidos com o processo de letramento digital, o que implica desenvolver práticas de leitura e escrita mediadas pelo computador e por recursos que este oferece, adotando um novo paradigma educacional de prática de ensino.