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os mitos bucólicos do Arcadismo de importação o legado do iluminismo europeu nas minas gerais.

A colonização da América portuguesa prosseguiria no século xViii sem alterar seus traços fundamentais. A povoação do brasil ainda era obra de “semeadores”, como tão bem definiu Sérgio buarque de holanda, que buscavam no imenso território novas riquezas para saciar a voracidade do antigo e decadente sistema colonial. com a expansão dos canaviais nas ilhas do caribe, desde cuba e haiti até as Antilhas britânicas (Antígua, barbados e Jamaica), cresce a produção do açúcar naquela região e os efeitos logo se fazem sentir nos engenhos do nordeste, afetados pela baixa de preços no mercado mundial.

enquanto isso, indiferentes à pregação dos jesuítas em defesa dos ameríndios, os bandeirantes continuavam a devassar o interior do país, desde as terras altas de São paulo até os sertões de minas e goiás, dizimando ou aprisionando os nativos e esquadrinhando o território em busca de ouro e pedras preciosas. em fins do século xVii, o ouro é descoberto em grande quantidade na região dos botocudos1, atraindo

para as minas gerais sucessivas levas de garimpeiros, o que haverá de gerar, no de- curso de apenas 80 anos, uma expansão vertiginosa da área em torno de congonhas do campo, São João del rey e Vila rica de ouro preto, dentre outras cidades de igual projeção. Vila rica se tornará, inclusive, o grande centro da produção aurífera nacional, abrigando rapidamente uma população de mais de vinte mil almas.

1 “botocudos” = designação de várias tribos indígenas, lingüisticamente distintas, que habitavam, no século xVi,

a zona hoje correspondente aos estados da bahia e minas gerais e cujo nome adveio do uso generalizado entre os vários grupos do botoque, ou seja, de adornos artesanais que se introduziam em furos feitos nos lóbulos das orelhas, narinas ou lábio inferior.

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A descoberta, por certo, alterou completamente a vida da colônia. como o escoa- mento da produção se dava pelos portos do Sudeste, em especial da baía de guanabara, desloca-se o centro da pilhagem colonial para o eixo rio–minas, o que culminará, em 1763, com a transferência da capital de Salvador para o rio de Janeiro. desde o final do século xVii, os oficiais de portugal já cuidavam de verificar a extensão das riquezas, a fim de promover a instalação do poder metropolitano na área e disciplinar “tanto a ocupação da região como a sua exploração”. em 1700, por exemplo, o governador do rio de Janeiro, Artur de Sá e meneses, visitou as “capitanias do sul”, para certificar-se da magnitude do que fora encontrado e reportá-lo ao conselho ultramarino no ano seguinte. Sob sua alçada estavam as terras de São paulo e as minas de cataguases, que logo se converteriam nas gerais. Face ao curso vertiginoso dos acontecimentos, em 1710 minas e São paulo foram separados do rio e, dez anos depois, os dois territórios também são desmembrados em capitanias independentes.2

A atividade social intensifica-se espantosamente nas minas gerais, em estrei- ta sintonia com o calendário religioso que sempre regulara a vida civil ibérica e lusitana. como já dissera José Antonio maravall acerca das cidades espanholas do século xVii, mais que “esfera da opulência”, assistia-se em meio à profusão de festas e procissões “o teatro da religião”. o ritmo dos eventos artísticos e culturais era invejável até mesmo para uma grande cidade européia. em povoados como Vila rica, havia mais músicos e orquestras do que na própria lisboa. criavam-se bibliotecas importantíssimas, apesar das inúmeras restrições impostas pela coroa. é óbvio que a educação jamais mereceu a mesma atenção, mas os filhos das famílias mais abastadas estudavam na europa, o que pouco a pouco facilitaria a difusão das idéias iluministas no seio das elites nativas, cujos interesses, inevitavelmente, viriam a contrapor-se de maneira frontal às imposições do governo português. este desde logo vislumbrara na taxação da febril atividade mineradora uma fórmula cômoda e eficaz de reanimar sua economia, cada vez mais subordinada aos capitais britânicos, flamencos e de outros centros financeiros do Velho mundo (sem contar os judeus convertidos, ou “cristãos-novos”, que há muito dominavam várias esferas comerciais da altiva, porém submissa metrópole).

dessa forma, enquanto a bahia tinha sido palco da eclosão do barroco literário entre nós, minas gerais será o cenário perfeito para a difusão do credo iluminista e do estilo que o acompanha nas letras, dito Neoclassicismo ou Arcadismo. Advirta- se, de imediato, que a efervescência da vida social, com a profusão das festas e ceri- mônias religiosas que marcavam as lides cotidianas, permitiu que o Barroco ainda sobrevivesse com enorme brilho nas expressões artísticas mais vinculadas à esfera católica, como a música e a plástica, conforme nos atestam as obras impressionantes

2 cAVAlcAnte, paulo. Negócios de trapaça: caminhos e descaminhos na América Portuguesa (1700-1750). hucitec/

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do Padre José Maurício3 e do genial Aleijadinho4, considerado pelos historiadores

da arte como o maior escultor da América colonial. Texto I

Marília de Dirceu – Lira I (fragmento)

Tomás Antônio Gonzaga

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, Eu vi o meu semblante numa fonte: que viva de guardar alheio gado, dos anos inda não está cortado; de tosco trato, de expressões grosseiro, os pastores que habitam este monte dos frios gelos e dos sóis queimado. respeitam o poder do meu cajado. Tenho próprio casal e nele assisto; Com tal destreza toco a sanfoninha, dá-me vinho, legume, fruta, azeite; que inveja até me tem o próprio Alceste: das brancas ovelhinhas tiro o leite ao som dela concerto a voz celeste, e mais as finas lãs, de que me visto. nem canto letra que não seja minha.

Graças, Marília bela, Graças, Marília bela, graças à minha estrela! graças à minha estrela!

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