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regionalismo: ainda as duas faces da modernidade

é óbvio que para os críticos mais afeitos às experiências de vanguarda da I geração modernista, o caráter mais “documental” e “realista” dessa prosa dita regionalista me- receria severa reprovação. Seu alvo preferencial parece ter sido Jorge Amado, a quem condenaram pelo maniqueísmo das personagens, a falta de análise psicológica e a clara herança naturalista da linguagem. Ao longo da vida, porém, notáveis escritores como Jean-paul Sartre, mario Vargas llosa e gabriel garcía márquez preferiram render sua homenagem ao romancista, seja pela prodigiosa imaginação que cativa o leitor, seja pela saudável concepção acerca da existência humana professada em suas obras. o antropólogo roberto damatta comenta que a chave da estreita identificação do público com Jorge Amado se insinua no dilema vivido pela protagonista de Dona Flor, que, cindida entre duas paixões, se pergunta: “Por que cada criatura se divide em duas,

por que é necessário sempre dilacerar-se entre dois amores, por que o coração contém ao mesmo

tempo os dois sentimentos polêmicos e opostos?” não há como ocultar que lateja em cada um de nós a mesma inquietude que fustiga a personagem: “Por que optar se quero as duas

coisas?” e a resposta de dona Flor ensina às pessoas que essas duas dimensões da vida são imprescindíveis e que, além disso, é possível desfrutar das duas coisas de forma integrada e não-excludente. damatta transpõe a questão para o plano social: “por que

temos que ler o Brasil como um Estado-nacional que tem dado errado e como uma sociedade mágica e sedutora que amamos?” isto é: um país terrível para morar e maravilhoso para viver... pois a reflexão carnavalizadora de Amado, segundo escreve o antropólogo, “vai

ao centro do dilema brasileiro e dos problemas que temos que enfrentar para poder modernizar o nosso país, sem, entretanto, deixarmos de ser a sociedade do carnaval”.32 Acreditando piamen-

te, enfim, que algum dia conjugaremos os ideais de igualdade e liberdade com nosso criativo hibridismo institucional, fazendo desta terra o autêntico “país do carnaval”.

A oposição que a crítica insiste em acentuar entre as duas gerações não dei- xa de ser também, a exemplo da apreensão manifesta por dona Flor, uma falsa

31 Érico Veríssimo nasceu em cruz Alta, no rio grande do Sul, em 1905, e morreu em porto Alegre, capital

do estado, em 1975. Filho de uma tradicional e decadente família gaúcha, após a ruína dos pais trabalhou como comerciário, bancário e lojista de farmácia. em 1930, aos 25 anos, transferiu-se para porto Alegre, onde enveredou pelo jornalismo literário. Sua obra divide-se entre o urbano e o regional, sempre com imenso êxito

de público, como é o caso da série O tempo e o vento (1949-1961), verdadeira saga de formação do rio grande do Sul. em sua etapa final, além de livros de caráter autobiográfico, dedicou-se a escrever romances de forte conotação política, como O senhor embaixador (1965) e Incidente em Antares (1971). Seu filho, Luís Fernando Veríssimo, fez jus ao talento do pai, tornando-se um dos maiores cronistas do país.

32 damatta, roberto: “do país do carnaval à carnavalização: o escritor e seus dois brasis”. in: Cadernos de Literatura Brasileira: Jorge Amado. São paulo, instituto moreira Sales, 1997, p. 135.

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contradição. Sob um olhar mais atento, observa-se pouco a pouco uma oblíqua interpenetração entre os dois pólos. por um lado, o regionalismo de 30 não trabalha apenas sobre a herança documental e naturalista do século xix: embora o próprio Jorge Amado reconheça que a sua narrativa não se presta a maiores experimentalismos lingüísticos e que nela a linguagem assume “uma posição se- cundária em comparação com a questão ficcional”,33 a prosa escrita por José Lins

do Rego e Graciliano Ramos, em especial, volta-se para os mais candentes motivos do moderno realismo – a problematização do herói, a tensão entre o escritor e a sociedade, a dialogicidade discursiva, a inovação das formas e técnicas narrativas –, presentes nas obras dos grandes narradores europeus (dostoievski, thomas mann) e cuidadosamente esquadrinhados por críticos como george lukács, lucien goldmann e mikhail bakhtin.

A iniciativa renovadora da vanguarda paulista, por sua vez, além de comportar uma permanente tensão entre as contraditórias linhas de força que a compunham, não pode tampouco ignorar a atualidade e importância de obras que, impregnadas de elementos qualificados de conservadores, mantêm uma indiscutível sedução sobre amplas faixas de público. tal é o caso, como já vimos no capítulo anterior, de Monteiro Lobato: seu tom “moralista e didático” (tanto quanto sua aversão a grupos e ismos) o afasta da geração de 22, mas sua denúncia vigorosa dos “males físicos, sociais e mentais” do brasil oligárquico, baseada no agudo conflito entre o moderno e o antimoderno (além da rara consciência de que, apesar da crescente urbanização, nosso imaginário coletivo ainda estava povoado de elementos agrários) terminaria por convertê-lo no autor mais vendido ao longo da década de 1920, com edições sucessivamente esgotadas que alcançam a inacreditável cifra de 109.500 exemplares vendidos em um só ano, feito magnífico em um país de analfabetos e semi-ágrafos.34

Seria preciso esperar pelo ciclo nacional-desenvolvimentista de 150-60, para que finalmente vislumbrássemos uma síntese entre essas duas faces da nossa moderni- dade. com a dissolução da ordem liberal-oligárquica e a emersão da fase monopolista do capitalismo periférico tupiniquim, altera-se a fisionomia espacial do país e o peso do campo e da cidade no imaginário nacional. coube, assim, à III geração modernista testemunhar, denunciar ou, até mesmo, idealizar tal processo em nossas letras, conforme tão bem nos ilustra a singular narrativa de Guimarães Rosa ou a poesia universal de João Cabral de Melo Neto.

33 AmAdo, Jorge: “Abc da literatura”. entrevista transcrita em Cadernos de Literatura Brasileira: Jorge Amado,

op. cit., p. 48. Ver também, a respeito: leitão, luiz ricardo. “?la vida es un carnaval? Jorge Amado y sus dos brasiles”. prólogo à edição cubana de Doña Flor y sus dos maridos (casa de las Américas, havana, 2005, pp. 7-14).

34 leitão, luiz ricardo. “cinco siglos de soledad: algunas experiencias periféricas de modernidad”. universidad

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O C A M P O E A C I D A D E N A L I T E R A T U R A B R A S I L E I R A Texto VI

Grande sertão: veredas (fragmentos) – Guimarães Rosa

– Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvores no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade. Daí, vieram me chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser – se viu –; e com máscara de cachorro. Me disseram; eu não quis avistar. Mesmo que, por defeito como nasceu, arrebitado de beiços, esse figurava rindo feito pessoa. Cara de gente, cara de cão: determinaram – era o demo. Povo pascóvio. Mataram. Dono dele nem sei quem for. Vieram emprestar minhas armas, cedi. Não tenho abusões. O senhor ri certas risadas... Olhe: quando é tiro de verdade, primeiro a cachorrada pega a latir, instantaneamente – depois, então, se vai ver se deu mortos. O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que situado sertão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucaia. Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito sertão? Ah, que tem maior! Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. O Urucuia vem dos montões oestes. Mas, hoje, que na beira dele, tudo dá – fazendões de fazendas, almargem de vargens de bom render, as vazantes; culturas que vão de mata em mata, madeiras de grossura, até ainda virgens dessas há lá. O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está em toda a parte.3

[...]

É e não é. O senhor ache e não ache. Tudo é e não é... Quase todo mais grave criminoso feroz, sempre é muito bom marido, bom filho, bom pai, e é bom amigo-de-seus-amigos! Sei desses, só que tem os depois – e Deus, junto. Vi muitas nuvens.

Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam.

[...]

A GERAçãO DE 45: ENTRE VEREDAS AGRESTES E O GRANDE SERTãO DA PALAVRA

o chamado pós-modernismo valeu-se de prerrogativas únicas que seu momento literário e sua época histórica lhe propiciaram. por um lado, soube conjugar em sua produção a renovação formal e temática das vanguardas de 22 com o compro- misso telúrico e a denúncia social dos romancistas de 30, além de assimilar todas as influências que estes acusaram: nas veredas de guimarães rosa há, sem dúvida,

35 Apesar do seu notório experimentalismo lingüístico, o léxico do autor inspira-se bastante no linguajar dos

vaqueiros espalhados pelos sertões de minas e da bahia, muitos dos quais g. rosa conheceu em suas andanças pelas gerais. por isso, ao lado dos neologismos criados pelo narrador, há vários vocábulos do texto que fazem parte do inventário de nossa língua, como é o caso, no fragmento acima transcrito, das expressões “almargem” (= prado natural, pastagem), “nonada” (= bobagem, ninharia), “toleima” (= tolice) e “torar” (= cortar, cruzar).

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ecos inquietantes dos sertões de euclides da cunha, assim como o Severino retirante de João cabral percorre trilhas que o vaqueiro Fabiano (Vidas secas) já palmilhara vinte anos antes. por outra parte, não obstante as restrições impostas aos comunis- tas (o pcb concorre à constituinte de 1946, mas logo depois é cassado e volta à clandestinidade) e a fragilidade de nossas instituições democráticas, a geração de 45 desfrutou, desde o fim da ii guerra e do estado novo até o golpe militar de 64, de quase duas décadas de relativa liberdade burguesa e incremento da atividade cultural. eram os “anos dourados” da “era JK” (55-60), em que se acelera a industrialização (“50 anos em 5”), mas cresce a influência do capital estrangeiro: beneficiadas pela infra-estrutura que o estado lhes prestara – como a criação de siderúrgicas (cSn) ou a extração e refino de petróleo (petrobrAS) –, as transnacionais, sobretudo as empresas automobilísticas (Ford, Volkswagen, etc.) instalam-se de vez no brasil e alteram definitivamente a nossa fisionomia espacial.

em 1950, segundo dados oficiais, o brasil possuía 51.944.400 habitantes, dos quais 63,8% viviam no campo e apenas 36,2% no âmbito das cidades. Assim como em outras áreas da América latina, éramos ainda, a julgar pelos números e pela própria realidade socioespacial da época, um país agrário, cuja economia continuava a depender da agroexportação e cujo poder político, submisso à velha fórmula de ‘coronelismo, enxada e voto’36da “democracia representativa” tupiniquim, permane-

cia em mãos das oligarquias regionais. esse mundo caipira e ingênuo que as cifras emolduravam já estava, contudo, às vésperas de uma radical transformação. A bem da verdade, desde 1930 a economia brasileira não mais se resumia à atividade rural: a produção industrial concorria com a agrícola e a crise do café abalara o poder dos grandes fazendeiros, implicando recomposições do latifúndio com frações do capital financeiro e industrial.

um novo modelo econômico impõe-se de 1930 até 1980. o regime agroexpor- tador colonial, baseado na plantation,37em que 80% da produção agrícola eram

destinados ao exterior, entrara em crise desde o fim do século xix. com o fim da escravidão e a paulatina industrialização do país, a agricultura brasileira mantém a monocultura de exportação como forma de captar divisas para financiar a expansão do parque industrial, mas também organiza um setor agrário, até então inexistente, dedicado ao mercado interno e às necessidades de acumulação da indústria. essa

36 A expressão foi cunhada pelo advogado e sociólogo Victor nunes leal, em obra datada de 1949, na qual o autor

associa o coronelismo (ou seja, o controle do sistema democrático representativo pelas “máquinas eleitorais” em mãos dos chefes políticos municipais) ao atraso da estrutura fundiária brasileira. em um país de “agricultura decadente” e “indústria atrasada e onerosa”, era inevitável a sobrevivência do fenômeno, “que falseia a repre- sentação política e desacredita o regime democrático”. cf. leAl, Victor nunes. Coronelismo, enxada e voto. 5ª ed. Alfa-Ômega, São paulo, 1986, p. 258.

37 Plantation é uma expressão de origem inglesa que designa o regime de produção agrícola colonial que, valendo-

se do trabalho escravo, ocupa grandes extensões de terra para o cultivo de um só produto (café, cana, algodão, etc.), destinado às metrópoles (monocultura de exportação).

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“agricultura camponesa” empregou milhares de imigrantes europeus (alemães, italianos, japoneses, etc.) e outro enorme contingente de trabalhadores sertanejos, boa parte deles mestiços e mulatos egressos do nordeste. coube a eles produzir alimentos a baixo custo para o mercado interno, abastecendo a crescente população urbana. Seus filhos se tornaram mão-de-obra barata das fábricas instaladas nas grandes cidades, integrando o chamado “exército industrial de reserva”. Apesar dos baixos salários, a esperança de um emprego na ‘cidade grande’ atraiu milhares de lavradores, esti- mulando ainda mais o fenômeno do êxodo rural.38

uma vertiginosa transfiguração da paisagem espacial estava prestes a ocorrer no brasil, na América latina e em boa parte do iii mundo. conforme escreveu eric hobsbawm, a mudança social “mais impressionante e de mais longo alcance” da segunda metade do século xix foi “a morte do campesinato”.39 em apenas vinte anos,

a população camponesa latino-americana seria reduzida à metade na colômbia (de 1951 a 1973), no méxico e no próprio brasil (ambos entre 1960 e 1980), ao passo que na Venezuela e na república dominicana, entre 1960 e 1981, tal queda atingi- ria o incrível índice de 66%. na ásia, tal processo fez com que capitais como Seul, Karachi, manilla e Jacarta já possuíssem entre 5 e 8 milhões de pessoas em 1980. e do rio grande à patagônia ele produziu megalópoles de dimensões inacreditáveis, como a cidade do méxico, com 22 milhões em 2000, e São paulo, com cerca de 17 milhões. o êxodo inevitável dos lavradores rumo às cidades, expulsos de suas terras por falta de recursos ou pelo ritmo avassalador de expansão do latifúndio, provocou entre nós uma colossal “tragédia” espacial: se, na europa ocidental, a paulatina urbanização exigiu 150 anos de preparação da infra-estrutura básica, dos serviços médicos essenciais e da assistência social, nas áreas periféricas ela se consumou em um prazo de, no máximo, duas ou três décadas, em meio à completa escassez dos equipamentos urbanos.

por outro lado, em franca sintonia com o crescimento da população e do elei- torado urbanos, expandiam-se os meios de comunicação e transporte. A indústria cultural atesta a velocidade das transformações. A televisão, cujas primeiras trans- missões haviam se dado em 1936, na Alemanha de hitler, e em 1939, nos euA, não tarda a surgir nos países latino-americanos. Sob os auspícios dos estados unidos, o grande mentor da moderna Paidéia audiovisual que seduziu o imaginário ocidental, o serviço é inaugurado com grande pompa em 1950, tanto no brasil quanto no méxico e em cuba. nesses países, autênticos laboratórios da colonização ianque na América, os primeiros televisores, à falta de indústrias locais, eram adquiridos do exterior. em 1956, havia apenas 200 mil aparelhos de televisão no brasil, boa

38 Ver, a respeito, a cartilha A reforma agrária necessária. mSt, guararema, 2006, pp. 9-11.

39 descrevendo a “revolução Social” que se espraia pelo mundo após a ii guerra, a autor assinala ainda que, ao

final do século xx, apenas três zonas do globo eram regidas pela ordem agrária: a África subsaariana, a China

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parte deles importada dos euA. em 1971, já se fabricavam e vendiam 900 mil televisores ao ano, os quais, em 1998, somariam 38 milhões em todo o país. o veículo ocuparia aos poucos o posto que estivera reservado ao rádio, interferindo inclusive nos costumes e atividades de lazer de vastos segmentos da população, que, pouco a pouco, trocariam as cadeiras nas calçadas pela audiência atenta de novelas e do noticiário noturno – primeiro, o Repórter Esso na tV tupi e emissoras Associadas (controladas pelo lendário Assis chateaubriand, o Chatô); mais tarde, o Jornal Nacional, na rede globo (empresa criada exatamente um ano após o golpe militar, em 1965, com notório apoio financeiro do grupo Time-Life em sua etapa de implantação nacional, apesar da legislação contrária à participação do capital estrangeiro no setor de telecomunicações).

A exemplo do que ocorrera com os habitantes de buenos Aires no início do século xx, uma reviravolta de tal ordem, em tão pouco tempo, implicou decerto um tremendo impacto sobre as subjetividades. embora o campo e suas paisagens naturais mais expressivas, como o sertão ou a caatinga, ainda fossem uma realidade tangível para milhões de brasileiros, a produção literária a partir dos anos 1950 demonstra que o imaginário coletivo nacional já se encontra irreversivelmente povoado por símbolos urbanos, em insólita e longeva coexistência com a herança

agrária. A idealização do cenário rural e sua inclusão em um espaço mítico e atem- poral servem, assim, de recurso para a preservação afetiva de um mundo idílico que ficou para trás, acossado não só pela urbanização, como também pelo violento processo de monopolização da terra (que, no caso do brasil, atinge um dos índices mais altos do planeta).

A obra de Guimarães Rosa40 é, em última instância, um testemunho poético e

afetivo desse processo em marcha nos sertões do país. de imediato, ele se destaca por reeditar, sob nova roupagem, o nunca exaurido regionalismo, trazendo-o mais uma vez “ao centro da ficção brasileira”, conforme anota, com total pertinência, o mestre Alfredo bosi. para aquele que se dedicar à leitura de Grande sertão: veredas, impõem-se, pois, os seguintes tópicos de reflexão:

•฀ Embora o autor tenha transformado todo o pitoresco do sertão em “uma universalidade extraor-

dinária” (o espaço “onde o homem vive” e o espaço “onde o homem pena”, conforme observou Antonio Candido), é possível dissociar este mundo do contexto de um país violento e cindido,

“resultado e processo de mazelas centenárias”, que se renovam nas tensões da era republicana, “também excludente e esquizofrênica”, em que os dois Brasis jamais se comunicam41?

40 João Guimarães Rosa nasceu em 1908, em cordisburgo (mg), e morreu em 1967, no rio de Janeiro. Fez o

ensino médio em belo horizonte, onde também concluiu seu curso de medicina, exercendo o ofício em cidades do interior de minas. Fluente em várias línguas, em 1934 prestou prova para o itamarati e ingressou na carreira diplomática. Apesar do enorme talento literário, só foi reconhecido a partir de 1956, com a publicação de

Grande sertão: veredas e Corpo de baile.

41 Ver, respectivamente: cAndido, Antonio. “o Sertão é o mundo”; e bolle, Willi. “país de rosa”. uSp,