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Moradores, corsários e pharoleiros (1868-1873)

3. POVOAMENTO E FUNDAÇÃO

3.2 Povoamento de Ilha Grande

3.2.6 Moradores, corsários e pharoleiros (1868-1873)

Apesar da Pedra do Sal não figurar nas estatísticas recolhidas por Caldas referentes ao ano de 1858 nos arquivos da presidência e da chefatura da polícia de Parnaíba, quatorze anos depois daquele censo, o jornal Cearense, em sua edição de 9 de junho de 1872, replica notícia do periódico Paíz do Maranhão sobre uma canhoneira francesa que havia aportado próximo à Pedra do Sal. A notícia chama-se “Um caso curioso” e baseia-se no relato do 1º Tenente José Maria de Nascimento Junior sobre acontecimento ocorrido três ou quatro anos antes (1868/1869) na Pedra do Sal.

Um caso curioso. - Lê-se no Paíz do Maranhão:

“Havia na Pedra do Sal, logar proximo da Amarração, no Piauhy, uma pôça que servia para os moradores lavarem roupa. Um dia achou-se esta pôça transformada em poço, e junto della duas pedras, que erão outr'ora o seu fundo.

Examinando o caso soube-se do seguinte:

Ali chegando a canhoneira franceza La Motte Piqué, ha tres ou quatro annos, em que andava lebantando a planta da costa do Brasil o Sr. Mouché, fundeou fóra e mandou uma lancha tripolada a Pedra do Sal. Estes homens dirigiram-se a pôça e la- vantando as pedras com alavancas tiraram um caixão que ali estava enterrado tendo por cobertura essas pedras. O lugar occupado pelo caixão foi que deo a profundidade que hoje tem a pôça.

O que tinha esse caixão? Como souberam os francezes que elle ai estava? Foi o que não poderão responder ao Sr. 1º tenente José Maria de Nascimento Junior que agora de volta de sua commisão nos narra este curioso facto.

O Sr. Nascimento vio o lugar, vio as pedras, que são duas, tendo ainda ellas res- tos de cimento que as unia, e, uma o signal de uma argola de bronze pela face inferi- or, que parece ter sido onde estava preso o caixão, estando ambas com as arestas quebradas pelo instrumento empregado para levantá-las.

Movido pela curiosidade, conversou com todos os moradores do lugar, e apenas descobrio uma sombra de tradição de ter sido aquelle caixão ali deixado por um cor- sario, que nunca mais voltou. Esta tradição é inverosomil e parece creada agora para dar qualquer explicação ao facto. Se ella jé existisse sem duvida que os moradores teriam visitado o lugar, desconfiando que o corsario havia deixado algum thesouro, salvo se ignoravam ser precisamente aquelle o sitio.

O que é certo é que lá estavam os objectos preciosos ou manuscriptos e nós não sabiamos.

Que fosse ossada humana ninguem crê, porque era o caixão muito pequeno para ter um corpo, e muito grande para os ossos de um homem. E depois, que interesse teria o governo francez de recolher ossos de um corsario ou forasteiro?” (O Cearen- se, Fortaleza - CE, 09/06/1872, p. 04. Destaques em negrito e itálico presentes no texto original).

No artigo, diz-se que um tal Sr. Mouché, a bordo da “canhoneira franceza La Motte Piqué” estava a cerca de quatro anos levantando a planta da costa brasileira e “fundeou fóra e mandou uma lancha tripolada a Pedra do Sal”55. As pessoas em tal “lancha” dirigiram-se a um

55 A ortografia correta é La Motte Picquet, batizado com o nome do oitocentista almirante e conde Toussaint Guillaume Picquet de la Motte. Era um navio de guerra a vela e a vapor lançado em 1859 da região francesa da

poço usado pelos moradores do lugar para lavarem roupa, e tiraram de lá um caixão que esta- va enterrado. Tal fato levantou a curiosidade do 1º Tenente José Maria de Nascimento Junior que “movido pela curiosidade, conversou com todos os moradores do lugar, e apenas desco- brio uma sombra de tradição de ter sido aquelle caixão ali deixado por um corsário que nunca mais voltou”.

Apesar do Tenente duvidar da versão oferecida pelos moradores e desse ser realmen- te um “caso curioso”, o que interessa é que tal notícia cita três vezes a palavra “morador” em seu texto, indicando a existência de uma população na Pedra do Sal já relativamente estabele- cida, pois fazendo uso dos aquíferos para atividades cotidianas como lavar roupas, prática relatada como parte do antigamente pelos interlocutores de pesquisa e interrompida somente após a chegada das pias nas casas. O texto afirma que o Tenente Nascimento “conversou com todos os moradores do lugar”, o que pode indicar que o número de habitantes por volta de 1868 era ainda bastante reduzido, o que tornaria tal ação de conversar “com todos” algo pos- sível56.

Em 1873, um ano após a notícia publicado no Cearense sobre a visita de corsários a Pedra do Sal por volta de 1868, é inaugurado o “Pharol da Pedra do Sal” e ao lado deste a casa do “pharoleiro”. A casa do faroleiro não mais existe, mas o farol é um cartão-postal não apenas da Pedra do Sal, mas também do município de Parnaíba, figurando na capa de um guia turístico da cidade, distribuído em 2017 pela prefeitura na Praça da Graça.

O Farol da Pedra do Sal foi inaugurado em 4 de março de 1873, é o primeiro farol do Piauí, integrante de um plano de melhoria da iluminação costeira. Os equipamentos necessá- rios para sua instalação chegaram em Parnaíba em 2 de maio de 1871, procedentes de Liver- pool, Inglaterra (MENDES, 1996). Levando em consideração a notícia do jornal Cearense que registra a presença de moradores na Pedra do Sal por volta de 1868, pode-se afirmar que du- rante a construção do Farol, já existiam pessoas habitando o lugar, contudo.

Nas fontes consultadas não foram encontradas informações sobre a construção do fa- rol e se a população da Pedra do Sal esteve nela envolvida. O pouco que se sabe é que os “pharoleiros” eram “homens pobres e trabalhadores”, como escreveu-se no jornal A Reforma

Normandia ao Oceano Atlântico. Realizou missões na África, Atlântico Sul, Pacífico, Indochina, sendo utilizado na supressão da “grand révolte Canaque” contra a colonização francesa na Melanésia. Foi finalmente desativado em 1880. ROBERTS, Sthephen S; WINFIELD, Rif. French Warships in the Age of Sail (1786-1861): Design, construction, careers and fates. South Yorkshire: Seaforth Publishing, 2015.

56 São raros os dados estatísticos sobre a Pedra do Sal no passado, como observa Silva (2017). Ele encontrou no Almanaque da Parnaíba do ano de 1996, dados que apresentavam uma Pedra do Sal com 709 habitantes e 179 prédios (2017, p. 75). Em 2012, os dados do Sistema de Informação a Atenção Básica diziam ser 980 os habitantes, divididos entre 190 famílias (BEZERRA, 2016). Entre 1996 e 2012, tem-se um aumento de 271 habitantes.

em dezessete de agosto de 1887, em decorrência de uma demissão “sem justificativa alguma” dos pharoleiros da Pedra do Sal57. No ano seguinte, o mesmo jornal deixa-se saber da demis- são do alferes Joaquim José de Moraes como pharoleiro58. Alferes era um antigo posto militar na Guarda Nacional, abaixo de tenente e que equivale à atual patente de segundo tenente. Como descrito anteriormente, pelo menos desde 1865, oito anos antes da inauguração do fa- rol, havia membros da Guarda Nacional como parte da população de Ilha Grande.

Outro jornal deixa perceber o pharoleiro como um tipo de funcionário público, com sua nomeação ou exoneração sendo apresentadas na imprensa, como se pode ver no trecho abaixo.

2.ª secção - Exonerando Silvino Rosendo da Fonseca do cargo de 2º pharoleiro do Pharol da Pedra do Sal, por assim o haver pedido, e nomeando o cidadão Miguel Nunes de Araújo, para 3º, cujo lugar era exercido por Sebastião da Silva Lopes, que passava a 2º em substituição àquelle.

Fizerão-se as precisas comunicações 59 . (A Imprensa, Teresina-PI, 06/03/1879, p. 02)

Do mapa do ano de 1826, que apresenta o “sítio de pescadores”, passando pelo ofício do Major Souza de 1827, que indica a presença sazonal de pescadores no litoral da ilha, em seguida o “caso curioso” noticiado pelo jornal, que identifica moradores na Pedra do Sal, até a inauguração do Farol, o litoral de Ilha Grande de Santa Isabel vai sendo povoado nesses do- cumentos por pescadores e “almas”, do Leste em 1826 ao Oeste em 1858, com a Pedra do Sal surgindo mais ou menos no meio do caminho entre esses pontos cardeais por volta de 1868, com seus “moradores” figurando um “caso curioso” envolvendo uma “canhoneira francesa”.