• Nenhum resultado encontrado

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.3 INFERÊNCIAS OU INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

4.3.4 Motivações e Obstáculos para a Ação Coletiva

Ação Coletiva: motivações, participação social e dilemas

Emergiu do conteúdo como principal centralidade da ação coletiva expressada no âmbito dos CPIs as políticas públicas (docs. 7, 8, 9, 10, 11, 12), sobretudo no tocante a motivações relativas à respectiva implementação com eficácia e eficiência, espelhadas na redução de custos, racionalização de recursos e ganho de escala. Dito contexto, que se associa à escassez de recursos ou ganho de eficiência, encontra respaldo no quadro teórico geral (GELINSKI; SEIBEL, 2008; IPEA, 2010; ABRUCIO; SANO, 2013; LOPES, 2016).

Uma avaliação a priori dessa inferência, conjugada com o conteúdo objeto do doc. 9, que consigna o enfoque na mera relação custo-benefício e a baixa probabilidade de os Consórcios se voltarem a questões distributivas e regionais, poderia alcançar uma resultante exclusivamente utilitária. Com isso, a ação coletiva sustentar-se-ia em razão de os atores vislumbrarem mais perdas na não adesão ao arranjo consorcial. E aqui vale lembrar que a Instituição pode ser criada com perspectiva de ganhos e benefícios advindos da cooperação (HALL; TAYLOR, 2003; ANDREWS, 2005; NASCIMENTO; LABIAK JR., 2011) e de redução de

incertezas sobre comportamentos (HALL; TAYLOR, 2003), dando feições às regras do jogo (IMMERGUT, 2007; NORTH, 2018).

Contudo, cabe a ponderação de Nascimento e Labiak Jr. (2011), de que o interesse em cooperar relaciona-se também a aspectos de confiança, confiança esta confirmada em estudos de caso que subsidiaram a análise das regras do jogo consorciais (quadro 26). Exsurgem das experiências dos CPIs construções coletivas estruturantes dos processos decisórios que mudam a posição dos atores nos moldes da perspectiva cultural, mesmo que a perspectiva calculadora se faça presente no contexto explorado, pois o arranjo torna mais facilitado o curso das políticas públicas (quadro 20).

Corrobora o exposto a presença no conteúdo de motivações voltadas à própria alteração da escala do desenvolvimento para planos regional e multinível (docs. 7, 8, 11). A ação conjugada pode fazer fluir no tempo os laços de solidariedade (docs. 8, 11), mesmo que não se identifique uma identidade regional prévia, desejável e catalizadora da atuação coletiva (doc. 10). Dito processo pode ser favorecido por meio da encampação, como norma de uso, dos processos da boa governança (docs. 7, 11) e do capital social (docs. 10; 11), bem como com a ampliação da comunicação. A comunicação se apresenta como elemento relevante nos resultados dessa interação e na conformidade das ações (OSTROM, 2007).

Como locus da comunicação entre os atores da ação coletiva, o conteúdo específico aponta as Assembleias Consorciais (doc. 12) – este pode ser considerado ambiente para o estreitamento das relações e dos laços de confiança, e de desenvolvimento da interação para um padrão mais solidário.

Segue-se ao exposto a possibilidade de, para além da perspectiva calculadora, integrar-se a perspectiva cultural nas resultantes identificadas. A partir da perspectiva cultural, os atores consideram assumir modelos de ação e interpretação de comportamento fornecidos pelas instituições (DI MAGGIO; POWELL, 1997; HALL; TAYLOR, 2003), e a institucionalização age por intermédio de organizações para reduzir diferenças locais (DI MAGGIO; POWELL, 1997). Assim, a cooperação pode ganhar contornos para além da racionalização sobre custos e benefícios no âmbito do consorciamento, expressando prática cultural de solidariedade territorial.

O outro propósito da ação coletiva revelada no CPI é o de advocacy, que se volta à representação de interesse nos respectivos associados, inclusive no contexto de agenda regional (doc. 11). De lembrar que a agenda é a fase do processo de política pública em que se atribui relevância a determinado problema (FREY, 2000a), correspondendo ao momento em que as redes informais se mostram influentes, segundo o modelo de análise policy networks (GELINSKI; SEIBEL, 2008). Neste cenário, dentre os interesses a serem representados está o de receber recursos por transferências orçamentárias – repasses esses considerados motivadores da ação consorciada (docs. 7, 8, 9, 10, 11, 12). Isto ocorre, inclusive, por se tratar de parcela que refoge à substancial parte incremental atribuída aos orçamentos (GIACOMONI, 2017) e dá suporte a investimentos no âmbito dos munícipios, na medida em que a maior parte da receita municipal é consumida por despesas correntes (DALAVERDE, 2016).

Enquanto o CPI se vincula a atribuição de caráter mais redistributivo às políticas públicas, uma vez que o recurso comum é direcionado a uma comunidade mais ampla que a do município isolado, motivações de ordem mais distributivista e localista ficaram evidenciadas nas políticas públicas amparadas por TDVEPI (docs. 1, 2, 3, 4). Aqui cabe trazer o esclarecimento de Souza (2006), no sentido de que políticas distributivas tendem a desconsiderar a limitação do recurso e preterir o todo em favor de alguns.

No tocante à participação social no âmbito da ação coletiva, a fragilidade e a dissociação pela população das ações com o Consórcio figuraram como atributos. Dita fragilidade relaciona-se à ausência de envolvimento nos processos dos Consórcios (docs. 7, 8), ao papel coadjuvante dos cidadãos nas decisões (doc. 7) e à fraqueza das instituições deliberativas (doc. 12), sendo patente a necessidade de melhoras nesse quesito (doc. 12).

No que tange às emendas orçamentárias individuais, aspectos sobre a participação no contexto analisado apontam o voto como forma de manifestação do cidadão nas escolhas que envolvem as transferências orçamentárias analisadas (docs. 1, 2, 5) e as pressões por entregas coletivas quando não obstaculizadas pelo tamanho dos distritos (doc. 6). A considerar que o orçamento corresponde ao instrumento de realização das políticas públicas e de representação da vontade popular (SOUZA; OLIVEIRA; VICENTIM, 2015), a definição de prioridade da alocação

no gasto ganha legitimidade pela participação social no respectivo processo decisório. Assim, a ausência de eficiência na transmissão e representação das preferências dos cidadãos pelas lideranças políticas (BEZERRA FILHO, 2012; IMMERGUT, 2007) fica ainda mais sobressalente se essa transmissão não se efetiva.

Não foram identificados registros sobre a presença de elementos pertinentes aos princípios de governança ou aspectos sobre o orçamento participativo no âmbito do conteúdo das emendas orçamentárias individuais. De rememorar que o orçamento participativo se identifica com o desenvolvimento sustentável e teve em sua origem a presença da sociedade civil como fator de sucesso (AVRITZER, 2008), representando estreitamento da relação Estado e Sociedade (OLIVEIRA; PISA, 2015).

A ação conjunta entre Estado e Sociedade estreitada pela participação (OLIVEIRA; PISA, 2015) é também apontada por Heidemann e Salm (2009) como necessária ao desenvolvimento. A falta de acesso a serviços públicos geradora de desigualdade territorial impacta na cidadania (ARRETCHE, 2015) e leva à perda da confiança da população (MUGGAH, 2016), esta considerada fator relevante para o desenvolvimento (BARBER; 2016). Em que pese o exposto, essa cooperação de múltiplos atores, incluindo-se o cidadão, se mostrou incipiente no que toca às políticas públicas consorciadas no âmbito intermunicipal e às prioridades nas alocações de recursos objeto de TDVEPI, afrontando princípios da LRF.

Logo, a participação da população nesse processo merece reforço, reforço este que depende de lideranças, mas também, segundo Fung (2015) e Avritzer (2008), de escolhas de desenhos institucionais pelo Estado que a viabilizem. Inclusive porque na participação cidadã se funda a gestão democrática do desenvolvimento (CEPAL, 2018).

Além de tudo, a participação corresponde ao exercício da cidadania – e esta auxilia na superação dos dilemas da ação coletiva (doc. 8), que integra a gama de fatores a impactar a cooperação no âmbito dos Consórcios Públicos Intermunicipais. Entre ditos dilemas, citam-se assimetrias socioeconômicas e de poder, comportamentos free rider´s, limitações técnicas, administrativas e financeiras, e ainda questões culturais de rivalidade a conduzir o padrão de interação. A maior parte das inferências sobre os dilemas de ação coletiva é identificada nos estudos de caso trazidos pelo doc. 12, onde se verificou ausência de atributos cooperativos nas regras

informais, bem como a existência de lideranças focadas em interesses pessoais. A possibilidade do comportamento do carona (free rider´s), que se volta a colher benefícios sem arcar com os custos da cooperação, foi anotada em casos de falta de reciprocidade prevista nas regras formais do contrato de repasse (doc. 9). Por fim, apontou-se como dilema a baixa indução cooperativa por níveis federativos supralocais (doc. 10).

A propósito, cabem as ponderações de Ostrom e Ahn (2002) no sentido de que motivações sociais, confiança, reciprocidades, redes, estruturas institucionais e cidadania podem influenciar o processo para propósitos comunitários e cooperativos. Souza (2006) se alinha a esse entendimento ao afirmar que limitações procedentes de informação insuficiente e autointeresse podem ser minimizadas por fatores estruturais que direcionem comportamentos a certos resultados.

Contudo, mesmo sendo considerável o peso das regras informais, vale rememorar a posição de Arretche (2010) e Moutinho e Kniess (2017) de que a regulação federal reflete nos padrões de interação interfederativa. Os autores se dedicam às políticas públicas com despesas vinculadas, denominadas primárias por Dornellas (2015). Mas a lógica da importância da regulação poderia ser aplicada sobre a prioridade de destinação de recursos para políticas, mesmo secundárias, tratadas no âmbito de CP. Isto porque, apesar da existência de portaria que fixa essa prioridade, o peso normativo do veículo não faz frente ao contexto institucional, no qual, inclusive, não se identificaram as regras de monitoramento e sancionamento indicadas por OSTROM (1999) como aptas a uniformizar o entendimento partilhado pelas prescrições normativas.