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4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.2 DESCRIÇÃO DOS DADOS OBJETO DA ANÁLISE DE CONTEÚDO

4.2.2 Descrição dos Dados Unidades de Contexto

4.2.2.2 Sistema e processo orçamentários: panorama normativo brasileiro

A Lei n.º 4.320/60 veicula as normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle de orçamento dos Entes Federados e foi editada no contexto da administração burocrática, expressando classificações orçamentárias que

revelam características desse modelo. Em que pese esse fato, Bezerra Filho (2012) considera que ao trazer em seu bojo a concepção de programa, essa legislação representou avanço no sistema orçamentário brasileiro. A propósito, Giacomoni (2017) aponta entendimento no sentido de que essa menção não significa o fornecimento das bases do Orçamento-Programa, apesar de a referida Lei não obstar sua implementação.

De fato, o corpo da norma orienta para que as despesas e receitas sejam registradas considerando-se as funções do governo e a categoria econômica, mas reforça que a respectiva discriminação deve evidenciar o programa de trabalho do governo (BRASIL, 1964). As receitas classificam-se em correntes e de capital – sendo que as advindas de rendas do patrimônio público são denominadas patrimoniais, e quando decorrem da autoridade arrecadatória do Estado de tributar os cidadãos chamam-se derivadas (BRASIL, 1964). Segundo Bezerra Filho (2012), para a despesa, consta a classificação institucional, funcional, programática e a que considera sua natureza.

A finalidade do gasto como centralidade do orçamento por programas redunda na classificação das despesas a partir do olhar do programa de trabalho do Governo (GIACOMONI, 2017). O apontamento do elemento “programa” também constou na edição do Decreto n.º 200/67. Editado no governo militar (1964-85) dito decreto trouxe normas para organização da Administração Federal com elementos compatíveis com o gerencialismo (BRASIL, 1967). Mais especificamente, em seu texto estabeleceu-se a associação do planejamento e do orçamento a princípios de racionalidade administrativa (BRESSER-PEREIRA, 1996), apontou-se o Orçamento- Programa como instrumento da Administração e determinou-se a elaboração sistemática de planos de governo (GIACOMONI, 2017).

Infere-se que a própria linha normativa citada apresenta intercessões das características burocráticas e gerenciais que reverberam no orçamento público, assim como atributos do orçamento tradicional e moderno, independentemente do modelo de administração encampado e do período histórico.

Passando da Lei n.º 4.320/64 e do Decreto 200/67, salta-se para a Constituição de 1988, na qual se previu a estruturação do Sistema Orçamentário Brasileiro por meio do Plano Plurianual (PPA), da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA). Patrício Neto et al. (2010) assinalam que a crise de governança conduziu à inserção constitucional dessas peças orçamentárias.

O PPA, a LDO e a LOA estão estruturados em três níveis de detalhamento de modo a se estabelecer desde as grandes premissas que norteiam a ação governamental (PPA) até a especificação de receitas e despesas, em um ciclo de controle, avaliação e redefinição de objetivo, segundo Jacob (2013). Esmiúça este autor que a LDO ao definir prioridades e metas faz o vínculo entre o PPA e a LDO, ou seja, entre planejamento de maior prazo e orçamento anual (composto pelos orçamentos fiscal, de investimento e de seguridade social).

Trata-se de leis de iniciativa do Poder Executivo, tendo a Constituição Federal de 1988 devolvido ao Poder Legislativo a atribuição de propor emendas à proposta original de despesas e determinado a uniformidade da forma de registro de despesas e receitas no âmbito do setor público (GIACOMONI, 2017). De acordo com Patrício Neto et al. (2010), a legitimação política passa pela participação do Legislativo nas decisões orçamentárias. O quadro 23 sumariza algumas das principais características do PPA, da LDO e da LOA.

QUADRO 23 - PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO PPA, LDO E LOA

PEÇA ORÇAMENTÁRIA PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

PPA - período: quadrienal  Representa a síntese do planejamento da administração pública;  Fixa o planejamento de longo prazo;

 Estabelece diretrizes, metas e objetivos para Administração Pública afetos à despesa de capital e a programas de duração continuada;  Vincula planos e programas previstos na Constituição;

 Orienta planos e programas de governo;

 Define resultados esperados pela Administração;

 Dá transparência à proposta de destino de recursos e resultados esperados.

 Centralidades: grandes premissas; base estratégia; programas; integração entre Entes Federados; Abrangência de conteúdo.

LDO - período: anual

 Prioriza as metas nos exercícios financeiros;  Promove o equilíbrio entre receita e despesa (LRF);  Orienta a elaboração de proposta orçamentária;

 Contribui com a participação do Legislativo nas finanças públicas;  Permite compreender os aspectos da economia e da administração

pública.  Centralidades: priorização de

metas; vínculo entre PPA e LOA; orientação.

LOA - período: anual  Composta pelo Orçamento da seguridade social, Orçamento fiscal, Orçamento de investimento das empresas.

 Instrumento de curto prazo que operacionaliza programas de longo prazo.

 Centralidade: materialização do planejado

FONTE: Adaptado de Brasil (1988), Dornellas, Oliveira e Farah Jr. (2017), Giacomoni (2017).

Retomando o panorama do quadro normativo que sustenta o orçamento público brasileiro, anota-se que a normatização de Planos Plurianuais e Orçamentos foi objeto do Decreto n.º 2.829/1998. Trata-se de norma que expressa uma visão

gerencial focada em resultado, com a determinação de que a ação do Governo seja estruturada em programas orientados pelos objetivos do plano correspondente ao atendimento de demandas da sociedade (PATRÍCIO NETO et al., 2010). Esse normativo corresponde, efetivamente, ao marco legal das mudanças acenadas no âmbito da classificação orçamentária funcional-programática para as funcionais e por programas, sendo a efetivação da classificação por programas considerada por Giacomoni (2017) como verdadeira modernização orçamentária e por Patrício Neto et al. (2010) como ampliação de perspectivas gerenciais.

Em linha de cronologia, cabe referenciar a Lei n.º 101, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) editada em 2000, no contexto do Programa de Estabilidade Fiscal, com foco no enfrentamento do déficit público (JACOB, 2013) e também em resposta à crise de governança vivenciada no período (PATRÍCIO NETTO et al., 2010).

Trata-se de norma que focaliza a responsabilidade na gestão fiscal, explicitando que a transparência será assegurada por meio de incentivo à participação popular e por audiências públicas nos processos orçamentários – além de assegurar a disponibilização para a sociedade das informações sobre a execução do orçamento (BRASIL, 2000). Assenta-se, pois, em concepções de Planejamento, Transparência, Controle e Responsabilização (BEZERRA FILHO, 2012).

Cabe arrematar que as peças orçamentárias estão ao lado dos princípios da Administração Pública e do planejamento enquanto elementos de enfrentamento de vícios como clientelismo, corrupção, fisiologismo ou irresponsabilidade no trato do recurso público e no alcance do desenvolvimento sustentável (JACOB, 2013).

Em suma, pode-se conceber que o PPA, a LDO e a LOA integram o sistema orçamentário brasileiro concebido no plano constitucional. Mas todo o arcabouço normativo que dá suporte às questões orçamentárias revela natureza estrutural no sentido de representar moldes às ações de natureza orçamentária. Por conseguinte, justifica-se o enquadramento desse corpo normativo na condição de elemento estrutural que se situa como componente do sistema de governança que incide sobre o orçamento. Portanto, juntamente com regras de outras naturezas, esse corpo restringe, orienta e condiciona os atores políticos na parte dinâmica das questões orçamentárias, expressada pelo chamado processo orçamentário.

A função orçamentária é exercida a partir do sistema orçamentário e do processo representativo de seu funcionamento (GIACOMONI, 2017; MOLETA, 2017). O funcionamento corresponde à parte dinâmica do quadro orçamentário que se expressa por etapas anteriores e posteriores à apresentação dos projetos de leis orçamentárias, as quais viabilizam o cumprimento das funções e papéis múltiplos a que se vincula o orçamento (GIACOMONI, 2017).

Trata-se de um ciclo compreendido pelas fases de elaboração e execução do PPA, da LDO e da LOA, que se formaliza sob orientação dos fundamentos fixados pelas regras de finanças públicas (DORNELLAS; OLIVEIRA; FARAH JR., 2017). Cada uma das peças orçamentárias observa o rito a que se submetem os Poderes Legislativo e Executivo. O processo se inicia pela elaboração da proposta orçamen- tária, seguida da discussão, votação e aprovação da lei orçamentária, partindo-se para a respectiva execução.

Elaborada a proposta pelo Presidente da República, o Projeto de Lei segue para discussão no Poder Legislativo que tem autorização constitucional para propor emendas orçamentárias. Consoante previsto no artigo 166 da CF/88, tanto os projetos das leis do PPA, LDO e LOA, quanto as emendas orçamentárias, serão submetidos a parecer da Comissão Mista do Orçamento (CMO).

As regras que regem a CMO, segundo Souza (2003), desestimulam o comportamento individual do parlamentar e incentivam a cooperação. Atualmente, a Resolução n.º 1, de 2006, do Congresso Nacional, com alterações pela Resolução 3, de 2015, fixa as condições regimentais afetas ao ciclo orçamentário, no qual se incluem as emendas orçamentárias. A última etapa do ciclo corresponde ao controle de avaliação da execução orçamentária, conforme expressado pela figura 11.

FIGURA 11 - REPRESENTAÇÃO DAS PRINCIPAIS FASES DO PROCESSO ORÇAMENTÁRIO

FONTE: Adaptado de Giacomoni (2017).

Por meio da Emenda Constitucional 86, de 17 de março de 2015, as denominadas emendas individuais à Lei Orçamentária passaram a ter caráter impositivo e a vincular o Poder Executivo à obrigação de executar a despesa nelas prevista, respeitado o limite de 1,2% da receita corrente líquida constante no projeto (BRASIL, 2015). Oliveira e Ferreira (2017) recebem essa alteração como frutífera diante da percepção sobre a moeda de troca no jogo político que a execução das emendas representava. Isto porque muitas pesquisas centraram-se no fato de as emendas no Legislativo serem apresentadas mas se manterem no plano autorizativo de acordo com definições do chefe do Poder Executivo.

Registre-se que existe limitação para propositura de emendas individuais, de bancada e de comissão (BRASIL, 2006), as quais deverão guardar compatibilidade com o PPA e a LDO e indicar quais despesas serão anuladas para fazer frente aos recursos que se pretende manejar, observadas as vedações constantes na Constituição (BRASIL, 1988). Vale dizer que as emendas não criam políticas públicas (são anteriores econstituembase justificativa para elas), apenas remanejam recursos entre os programas preestabelecidos, pois devem ser compatibilizadas ao PPA e à LDO (VASSELAI; MIGNOZZETTI, 2014).

Subsequentemente ao parecer da CMO, as propostas das peças orçamen- tárias e emendas seguem para apreciação pelo plenário das duas casas do Congresso Nacional, nos termos do respectivo regimento. Após a aprovação das peças orçamentárias pelas duas casas do Congresso, inclusive das emendas, pode o presidente vetar as alterações (BRASIL, 1988). E, sancionadas, as leis podem ser objeto de implementação. Vasselai e Mignozzetti (2014) se associam ao entendimento de que a maior parte dos gastos públicos é definida fora do ciclo orçamentário anual, uma vez que apenas um pequeno percentual dos recursos tem destinação proposta pelo Legislativo.

A implementação do orçamento depende do ingresso dos recursos, de modo que a respectiva execução ocorre em fases denominadas empenho, liquidação e pagamento, correspondendo o empenho à consignação dos valores ao saldo da dotação orçamentária (JACOB, 2013). Essa implementação corresponde às fases das despesas resumidas no quadro 24.

QUADRO 24 - FASES DE EXECUÇÃO DAS DESPESAS NO ORÇAMENTO PÚBLICO

FASE DESCRIÇÃO

Autorizada Incluída na LOA

Empenhada Registro de compromisso de autorização da despesa Executada (liquidação) Entrega do bem ou serviço

Paga Desembolso FONTE: Adaptado de Brasil, Portal Siga Brasil (2018).

O quadro 25 compila o panorama normativo em referência nos moldes apresentados a seguir.

QUADRO 25 - PANORAMA NORMATIVO DO ORÇAMENTO PÚBLICO BRASILEIRO E DAS TDV

continua

PANORAMA NORMATIVO

Constituição Federal 1988

Estabelece as normas estruturais que regem todo o sistema e processo orçamentário brasileiro incluindo o PPA, a LDO, a LOA e respectivas emendas orçamentárias.

Emenda

Constitucional n.º 86/2015

Estabelece que as emendas individuais à Lei Orçamentária passaram a ter caráter impositivo e a vincular o Poder Executivo à obrigação de executar a despesa nela prevista, respeitado o limite de 1,2% da receita corrente líquida constante no projeto (BRASIL, 2015)

Lei n.º 101/2000

Lei de Responsabilidade Fiscal - norma de finanças públicas que focaliza a responsabilidade na gestão fiscal (BRASIL, 2000). Assenta-se, pois, em concepções de Planejamento, Transparência, Controle e Responsabilização (BEZERRA FILHO, 2012). Fixa a noção sobre as Transferências Discricionárias Voluntárias (TDV) e empresta a natureza de cooperação aos repasses.

QUADRO 25 - PANORAMA NORMATIVO DO ORÇAMENTO PÚBLICO BRASILEIRO E DAS TDV conclusão PANORAMA NORMATIVO Resolução n.º 1, de 2006 do Congresso Nacional, com alterações pela Resolução 3, de 2015

Fixa as condições regimentais afetas ao ciclo orçamentário, regendo a Comissão Mista do Orçamento e aspectos das emendas orçamentárias.

Decreto n.º 6.170/2007 e alterações

Dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse, e dá outras providências.

Portaria Interministerial MPOG/MF/CGU n.º 507/2011

Determina a concessão de preferência de recursos descentralizados por meio de transferências orçamentárias voluntárias para ações operadas por meio de consórcios Públicos.

Lei n.º 4.320/1960 Veicula as normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle de orçamento dos Entes Federados.

Decreto n.º 200/1967

Fixa normas para organização da Administração Federal com elementos compatíveis com o gerencialismo. Estabeleceu a associação do planejamento e do orçamento a princípios de racionalidade administrativa (BRESSER-PEREIRA, 1996). Apontou o Orçamento-Programa como instrumento da Administração e determinou a elaboração sistemática de planos de governo (GIACOMONI, 2017).

Decreto n.º 2.829/1998

Norma que expressa uma visão gerencial focada em resultado, tendo em vista a determinação de que a ação do Governo seja estruturada em programas orientados pelos objetivos do plano correspondentes ao atendimento de demandas da sociedade (PATRÍCIO NETO et al., 2010). Amplo repertório de

normas inseridas no cenário social e cultural

McGinnis e Ostrom (2014)

FONTE: Dados compilados pela autora (2018).

Além das normas registradas no quadro 25, integram as regras do jogo orçamentário as atinentes ao sistema eleitoral de lista aberta, a magnitude dos distritos brasileiros e o Estado Federal, (docs. 1, 2), este considerado por Souza (2003) como variável independente no processo de emendas orçamentárias.

Vasconcelos, Ferreira Jr. e Nogueira Jr. (2013) desenvolveram estudo sobre a dinâmica da execução orçamentária na ótica do ciclo político eleitoral, identificando impacto na política fiscal federal pelas eleições. Como contraponto, os autores evidenciaram o importante papel da LRF. Esse aspecto guarda relação com a preponderância do caráter autorizativo do orçamento público brasileiro, excetuando-se as situações em que a vinculação da despesa esteja expressa no plano normativo, conforme explicitado por Oliveira e Ferreira (2017). A relação também é feita em razão da possibilidade de o Poder Executivo, por meio de contingenciamentos ou anulação de valores empenhados, deixar de executar o que foi definido no âmbito do Legislativo

(SOUZA; OLIVEIRA; VICENTIN, 2015). Ressalve-se a parcela orçamentária de destino definido por emenda parlamentar individual, nos moldes da EC n.º 86/2015 que é carregada pelo atributo da impositividade.

Como visto, integram as regras do jogo, além das normas positivadas, as advindas do cenário social e cultural, como por exemplo as incorporadas ao repertório em face do histórico parlamentar (doc. 3), das redes entre atores (docs. 1, 2) e do presidencialismo de coalização (doc. 2).

4.2.2.3 Transferências discricionárias voluntárias (TDV): determinação de