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1 INTRODUÇÃO

2.4 PANORAMA SOBRE ORÇAMENTO PÚBLICO

2.4.1 Orçamento Público: conceito, funções, natureza

O custeio das ações demandadas pela sociedade é operado por meio de captação pelo Estado de parte de recursos advindos de indivíduos e empresas, sendo esse movimento arrecadatório e de subsequente destinação espelhado, respectivamente, nas políticas tributária e orçamentária (MATIAS-PEREIRA, 2016). A origem do ingresso lhe confere a natureza de coisa pública (res pública) e, quando integrados ao orçamento, passam a ser considerados recursos comuns, no sentido de que os níveis de subtração são alterados pelo consumo, apesar de a disponibilidade não depender de contribuição.

Segue-se a isso a formulação de que o orçamento público representa instrumento de realização das políticas públicas (JACOB, 2013; SOUZA, OLIVEIRA, VICENTIN, 2015), sendo os recursos que o integram aqui compreendidos como “comuns” (OSTROM, 2009; McGINNIS; OSTROM, 2014).

Na compreensão de Bezerra Filho (2012, p.5), o orçamento público pode ser conceituado como “ferramenta legal de planejamento” que veicula as receitas e despesas com foco nos programas e ações relacionados às políticas públicas. Trata-se de noção reveladora de um conjunto de atributos do constructo que se desenha pelo formalismo orientado pela legalidade, pela tecnicidade que envolve os lançamentos de receitas e despesas em peças orçamentárias e pela concepção de resultados de interesse público.

Em linha semelhante, Jacob (2013) identifica o orçamento público como verdadeiro programa de governo e arrola várias de suas funções, inclusive as de se prestar à escolha de prioridades públicas, controlar as execuções dessas prioridades e articular políticas e programas. Além dessa função de administração que congrega programação, execução e controle, a concepção moderna do constructo integra a função econômica, na medida em que o orçamento instrumentaliza a atuação do Estado na economia (GIACOMONI, 2017).

As justificativas para o exercício pelo Estado das funções econômicas clássicas – alocativa, distributiva e estabilizadora – apresentadas por Musgrave (1959), foram alinhadas e relacionadas com as funções do orçamento por Giacomoni (2017). O quadro 12 traz apontamentos advindos da mencionada relação.

QUADRO 12 - FUNÇÕES ECONÔMICAS DO ESTADO RELACIONADAS COM FUNÇÕES DO ORÇAMENTO FUNÇÃO

DO ESTADO

JUSTIFICATIVA PARA INTERVENÇÃO

DO ESTADO NA ECONOMIA FUNÇÃO DO ORÇAMENTO

Alocativa

Prover investimentos na infraestrutura econômica e em bens públicos não atendidos pelo mercado.

Ajuste na alocação de recurso por meio da provisão de bens e serviços públicos.

Distributiva

Ajustar distribuição de renda e de riqueza, com medidas para problemas de miséria e baixa qualidade de vida da população mais pobre.

Ajuste na distribuição da renda por meio de captações advindas dos detentores de maior capacidade contributiva para financiar políticas que melhorem a qualidade de vida dos que mais necessitam.

Estabilizadora

Atender a objetivos macroeconômicos associados à taxa de crescimento econômico, equilíbrio no balanço de pagamentos, níveis de emprego e de preços – níveis estes que impactam na demanda agregada.

Manutenção da estabilidade econômica, especialmente em face do volume de receitas e por interferência do Governo na demanda agregada – impactada pelas compras do governo e pelo potencial de gasto dos funcionários públicos.

FONTE: Adaptado de Giacomomi (2017) e Musgrave (1959).

Decorre do exposto a relevância econômica e social do orçamento, uma vez que, a partir de alocações em infraestrutura, distribuição de rendas e equilíbrio dos níveis de demanda agregada, o Estado influencia diretamente o desenvolvimento regional e nacional. Essa influência transborda inclusive para a perspectiva da desigualdade de renda e de acesso pelo cidadão a bens e serviços públicos.

Outro aspecto que passa a ficar claro com as considerações sobre as funções do Estado relacionáveis ao orçamento é o de que o modelo orçamentário adotado acaba por espelhar, em alguma medida, se a postura encampada pelo Estado é mais liberal ou mais intervencionista.

No século XIX, marcado pela tendência liberal do Estado (Laissez-Faire), enfocavam-se as funções políticas e jurídicas do orçamento, as primeiras em uma perspectiva de controle do órgão ordenador da despesa e a segunda na toada de garantia dos direitos de propriedade. A partir do século XX, uma multiplicidade de funções do orçamento se revelou ante o contexto de necessidade de intervenção do Estado para garantir o desenvolvimento e o bem-estar, tendo em vista as crises econômicas, como a depressão de 1930, e as grandes guerras que marcaram o período. A figura 3 sumariza o papel do orçamento nessa linha do tempo, fornecida por Giacomoni (2017), mostrando o enfoque do orçamento se deslocando para múltiplas funções.

FIGURA 3 - ENFOQUE DO ORÇAMENTO A PARTIR DO MODELO DE ESTADO

Séc. XIX Séc. XX

Estado Liberal (Laissez Fair) Estado Intervencionista

Orçamento como documento de registro de receita e despesa com destaque para funções técnicas, jurídicas e políticas.

Orçamento como documento de diagnóstico, prognóstico, objetivos, projetos, programas, meios, avaliação, controle, com múltiplas funções, inclusive de Administração e Econômicas.

FONTE: Adaptado de Giacomoni (2017).

Funções contábil e financeira resultantes do controle político ao executivo se vinculam como os principais propósitos do orçamento tradicional, que emergiu no contexto do Estado Liberal especialmente na Inglaterra em 1822, focalizando a redução de gastos. A função de Administração marca o orçamento moderno concebido no século XX, encetado no contexto de um Estado que intervém na economia e impulsiona programas de desenvolvimento.

Assim, a partir do século XX, o orçamento tem seus propósitos ampliados, inclusive servindo-se na década de 1930 como instrumento de política fiscal do governo para fins de implementação de ideários keynesianos. Seguiu-se então atrelando orçamento a desempenho e, na década de 1950 e 1960 avultou-se a tendência da aproximação do constructo com o planejamento (GIACOMONI, 2017).

Toda a linha histórica ora traçada, na qual se alocam as funções contábil, financeira e de administração do orçamento público, e sua aproximação com concepções de desempenho e de planejamento, foi fornecida por Giacomoni (2017). O autor acrescenta que, além da função de controle político ou administrativo, o orçamento recebe uma atualização em sua concepção que passa a integrar a função econômica – a qual determina preponderância de planejamento ou de controle, conforme o cenário econômico. Na figura 4 é possível melhor visualizar essa concepção.

FIGURA 4 - PROEMINÊNCIA DA CARACTERÍSTICA DE CONTROLE OU DE PLANEJAMENTO DO ORÇAMENTO

FONTE: Adaptado de Giacomoni (2017).

O planejamento, como ato contínuo que antecede a ação, consiste na fixação de metas, prazos e meios para alcançar os objetivos estabelecidos (MATIAS- PEREIRA, 2016) e trata-se de processo no qual se insere a sociedade (PATRÍCIO NETTO et al., 2010). A necessária conexão entre planejamento e orçamento destacada na literatura (JACOB, 2013; GIACOMONI, 2017; DORNELLAS; OLIVEIRA; FARAH JR., 2017) é confrontada por prática contraposta atinente ao incrementalismo orçamentário (GIACOMONI, 2017). Dita prática se consubstancia na repetição dos dados orçamentários de exercício anterior com pouca margem para novos programas (GIACOMONI, 2017).

Dornellas, Oliveira e Farah Jr. (2017) explicam que o planejamento deve se compatibilizar com os planos de governo e peças orçamentárias e em tal fase deve haver a implementação de política de comunicação com a comunidade para viabilizar sua participação nas definições públicas.

Sobreleva destacar que os recursos orçamentários têm o destino definido pelos Poderes Executivo e Legislativo, cujos agentes atuam na condição de representantes da população no manejo da res pública. Nessa esteira, Oliveira e Ferreira (2017) embutem na concepção de orçamento público a caracterização de autorização do povo para que o Estado direcione os recursos comuns. Por conseguinte, o contexto em que se insere o orçamento público é o da vontade popular (JACOB, 2013; SOUZA; OLIVEIRA; VICENTIN, 2015), tendo em conta os princípios democráticos que vinculam ao povo a origem de qualquer poder.

Postulados de cidadania participativa e democracia fundamentam a participação da sociedade na elaboração do orçamento público, de modo a se buscar efetividade ao atendimento das demandas da coletividade. A participação associa-se ao estreitamento da relação entre Estado e Sociedade revelada, entre outras formas, pelo Orçamento Participativo (OLIVEIRA; PISA, 2015). O orçamento participativo é concebido como o processo de inserção da população nas definições orçamentárias (BEZERRA FILHO, 2012), em que há a substituição direta do tomador de decisão pelo cidadão participante (FUNG, 2006). Trata-se de uma das iniciativas identificadas com o desenvolvimento sustentável (CEPAL, 2018).

Para Fung (2015), o orçamento participativo espelha forma de verter recursos para investimento nos setores mais necessitados. Contudo, argumenta o autor que a prática redistributiva presente na origem do modelo nascido em Porto Alegre, Brasil, não se faz presente na sua expansão, que enfoca mais a questão da legitimidade que da justiça. De qualquer modo, a inclusão participativa pode gerar igualdade e eficácia na alocação do serviço público, segundo os articulistas. Avritzer (2008) ratifica que a presença da sociedade civil forte correspondeu a um dos elementos de sucesso do modelo historiado, mas que o contexto político também influenciou no êxito do processo. Em outras palavras, elementos de contexto e desenho institucional influenciam na participação social nas situações orçamentárias.

À luz das considerações teóricas aportadas para o estudo é possível sumarizar a caracterização do orçamento a partir de sua instrumentalidade, nos termos do quadro 13.

QUADRO 13 - CARACTERIZAÇÃO DO ORÇAMENTO A PARTIR DE SUA INSTRUMENTALIDADE

CARACTERIZAÇÃO FONTE Instrumento de gestão pública Jacob (2013), Giacomoni (2017)

Instrumento de planejamento público Jacob (2013), Bezerra Filho (2012), Patrício Neto, et al. (2010)

Instrumento de representação da vontade popular Oliveira e Ferreira (2017), Jacob (2013), Souza, Oliveira e Vicentin (2015)

Instrumento de políticas públicas Jacob (2013), Oliveira e Ferreira (2017) (Souza, Oliveira e Vicentin (2015), Giacomoni (2017) Instrumento de atuação fiscal (alocativa, distributiva

e estabilizadora)

Giacomoni (2017)

Instrumento de Administração Giacomoni (2017) FONTE: Adaptado do quadro teórico.

Apesar dos comandos republicanos e democráticos que orientam o trato dos recursos orçamentários como coisa pública gerida e consumida no interesse da coletividade, é reconhecida a ausência de eficiência na transmissão e representação das preferências dos cidadãos pelas lideranças políticas. Esse reconhecimento é registrado por Bezerra Filho (2012) e veiculado por Immergut (2007), autora que arrola as diferentes lógicas que circundam as interações dos atores componentes do sistema político (econômica, sociais e políticas). Essas lógicas, de acordo com Jacob (2013), exercem forças sobre o trabalho de elaboração das peças orçamentárias que refletem nas definições das prioridades públicas.

O pressuposto da autorização da população para que seus representantes tratem do recurso público de uso comum também se associa ao afastamento de concepções patrimonialistas de administração pública que reverberam no orçamento público, bem como, segundo Patrício Neto, et al. (2010), ao avanço da cultura gerencial nessa seara. No âmbito do citado avanço, inserem-se as concepções de governança pública, apresentadas como possíveis respostas à insatisfação da sociedade com reformas anteriormente ocorridas no setor público (MARINO, 2016), que trazem em si princípios como o da ética, participação, transparência e accountability (OLIVEIRA; PISA, 2015).

Características patrimonialistas, burocráticas, gerenciais e de governança pública desbordam para o trato dos recursos públicos pois a Administração Pública corresponde ao aparelho do Estado e, por conseguinte, é seu reflexo. Logo, a intercessão das citadas características, independentemente dos recortes temporais que marcam a trajetória da administração pública (BRASIL, 1995), pode ser associadas ao orçamento público, cujas funções estão sumarizadas no quadro 14.

QUADRO 14 - FUNÇÕES DO ORÇAMENTO

FUNÇÃO CONCEPÇÃO Controle político e controle administrativo Tradicional

Contábil e financeira Tradicional

De administração Moderna

Econômica Moderna FONTE: Adaptado de Giacomoni (2017).

A partir da orientação de Giacomoni (2017), os atributos de concepções tradicionais e modernas passam a ser observados e interconectados no objetivo de alcançar um conceito realista do orçamento público integrado. De qualquer modo, esses atributos acabam por consagrar modelagens ou qualificações orçamentárias, a exemplo dos denominados orçamento-programa, orçamento desempenho, orçamento tradicional. Essas qualificações carregam ainda a influência das múltiplas naturezas atribuídas ao orçamento.

Giacomoni (2017) atribuiu a natureza contábil, administrativa, econômica, política e jurídica ao orçamento. No que toca à natureza jurídica do orçamento, discute-se se seu conteúdo é autorizativo para as despesas que prevê ou se revela comando impositivo com aptidão de concretizar direitos. Em outras palavras, pontua- se se o gasto cujo recurso foi previsto no plano orçamentário representa apenas uma faculdade ou se há o dever da Administração Pública de executá-lo. Trata-se de análise que redunda na inserção do orçamento como lei em sentido formal – se concebido como autorizativo – ou em sentido material, se considerado impositivo.

Oliveira e Ferreira (2017) defendem que a característica autorizativa do orçamento favorece a oferta de vantagens a parlamentares de base governista, que podem ser agraciados com emendas orçamentárias. Saca-se dessa defesa a natureza política do orçamento, concebida por Giacomoni (2017) como resultante do processo decisório em que as questões que atraem mais votos são mais valorizadas.

Conquanto as escolhas dos agentes políticos possam ser vislumbradas a partir da perspectiva cultural, que envolve aspectos mais valorizados no âmbito político, ou ainda, pela perspectiva calculadora que orienta o processo decisório com base em preferências pessoais, cabe levar em conta os componentes estruturais que condicionam o comportamento dos atores. Nesse contexto, é relevante o respectivo Sistema Orçamentário – considerado como corpo normativo estruturante das questões orçamentárias – e o respectivo Processo Orçamentário, enquanto parte dinâmica da movimentação dos recursos.

No processo orçamentário assentam-se as relações intergovernamentais entre entes federados, relacionadas às transferências de recursos entre si, no propósito de atender às políticas públicas. Desse modo, além das receitas origina- riamente arrecadadas pelos constituintes da Federação, seus orçamentos podem ser compostos por recursos advindos do orçamento de outros entes.

A descentralização orçamentária promovida por um ente governamental central a unidades subnacionais corresponde a mecanismo de indução institucional e de solidariedade territorial (ARRETCHE, 2012), modalidade de relacionamento intergovernamental detalhada a seguir.