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Recorramos em primeiro lugar a Freud. Apesar de ele ter chegado ao final de sua obra com a curiosa interrogação sobre a mulher, sobre seu querer, concordamos com Assoun (1993, p.20, grifos do autor) quando este nos faz notar que “[a] mulher é aquela que Freud suspeita, lucidamente, de ter permanecido como uma verdade impermeável ao saber que ele produziu a seu respeito”. Contudo, ao longo de todo o seu trabalho investigativo, Freud foi extraordinariamente perspicaz para perceber a contraditória identidade existente entre a psicanálise e mulher (ASSOUN, 1993).

Retornaremos a este assunto mais adiante, pois gostaríamos de chamar mais atenção para esta “verdade impermeável ao saber”. Pensamos como Assoun (1993, p.23) que a interrogação freudiana sobre o querer da mulher denota antes uma perplexidade que uma ignorância e, sobre àquela, a perplexidade de Freud, é possível destacar seus efeitos:

Através de sua pergunta, Freud lança uma pavorosa suspeita de escárnio sobre os que sabem bem demais o que quer a Mulher, ou por entronizá-la como gerenciadora da Natureza ou da Família, ou até por erigi-la como ideal de gozo. Não se deve confundir o Que quer a mulher? com alguma versão atualizada da ideologia do eterno feminino, eco do famoso “nunca entenderei nada sobre as mulheres”, linguagem do poder decaído. Freud não se ajoelha diante do Eterno feminino, nem tampouco sustenta a linguagem do desprezo: ele avalia a feminilidade a partir do saber analítico e confessa que, no cômputo geral, não consegue descobrir-lhe as cartas – embora, ocasionalmente, decifre muito bem o seu jogo.

Então, a partir de que Freud pode muitas vezes decifrar o jogo do inconsciente, bem como o da mulher? Essas possibilidades tiveram seu ponto de partida na escuta que ele dedicou à fala da histérica. Como mencionamos em nosso primeiro capítulo, deste as primeiras publicações psicanalíticas - até mesmo desde as pré-psicanalíticas e as cartas endereçadas a Fliess -, já é possível identificar o interesse de Freud pela questão da feminilidade.

Nos seus Estudos sobre a histeria (1893-1894), trabalho realizado em conjunto com Josef Breuer, Freud inicia a descrição do mecanismo psíquico das manifestações histéricas. Estes estudos foram viabilizados pela análise de relatos feitos por mulheres. A respeito disto, vale ressaltar que o saber depreendido por Freud a partir destes relatos detém o caráter peculiar de nos remeter a um estilo, o romanceado: “o que os Estudos sobre a histeria transformam em saber é precisamente a história que é a histeria” (ASSOUN, 1993, p.52, grifo do autor).

Desde estas histórias, como o próprio Freud (1980[1905], v.VII, p.5) chegou a registrar, “muitos anos se passaram” até que, em 1905, ele propôs uma maior fundamentação para os conceitos emitidos nos Estudos. Os novos alicerces lançados sobre a construção clínica e teórica em torno da histeria foram obtidos através da apresentação de um caso que recebeu o título de Fragmento da análise de um caso de histeria, conhecido também, simplesmente, como “Caso Dora”. Mencionamos anteriormente a importância deste caso para nossa própria investigação. Devemos, agora, especificá-la um pouco melhor.

Na abertura do relato sobre o caso, um comentário de Freud (1908[1905], v. VII, p.14) chama atenção por nos dar a ver a perseverança de seu interesse sobre o que lhe foi apresentado pela histeria:

Não mais preciso desculpar-me pela extensão [deste relato de caso], já que se está de pleno acordo de que as severas exigências que a histeria faz ao médico e ao investigador só podem ser satisfeitas pelo espírito de pesquisa mais compreensivo e não por uma atitude de superioridade e desprezo. Pois “Nem só a Arte e a Ciência servem; No trabalho deve ser mostrada paciência” [Goethe, Fausto, Parte I (Cena 6)].

Assim - como resultado desta paciência -, apresentamos a história de Dora, que na verdade chamava-se Ida Bauer:

Dora era uma jovem inteligente e espirituosa, filha de um grande industrial. Admirava seu pai e expressava um amor preferencial por ele enquanto mantinha uma relação bastante conflituosa com sua mãe. Aos dezoito anos, Dora iniciou seu tratamento com Freud por apresentar, dentre outros, sintomas de depressão, irritabilidade e idéias de suicídio. Apesar de ter manifestado desde a infância alguns outros sintomas, o pai de Dora decidira levá-la a Freud por considerar que suas manifestações psíquicas se agravavam. O motivo alegado pelo pai de Dora para este agravamento relacionava-se ao fato da jovem ter revelado a sua mãe que havia sido alvo do assédio de um amigo de seu pai, o Sr. K.

Acontece que se Dora fez tal revelação a sua mãe foi na expectativa de que ela participasse o ocorrido a seu marido - pai de Dora -, e este tomasse as devidas providências. Uma destas providências consistia, justamente, no corte de relações com o Sr. K e sua esposa, a Sra. K. Ao contrário do que Dora esperava, quando seu pai foi inteirado dos fatos mostrou-se incrédulo, considerou que tudo não passava de uma fantasia da moça e a conduziu ao tratamento com Freud.

Ora, com os desdobramentos do caso, ficamos sabendo que o pai de Dora mantinha um relacionamento extraconjugal com a Sra. K e em virtude disto fez com que sua filha fosse considerada como uma simuladora.

Sobre a condução deste caso, ressaltamos, com Roudinesco (1998, p.51), que o tratamento realizado por Freud foi capaz de “restituir a Dora uma verdade que sua família lhe roubara”. Contudo, precisamos ainda considerá-lo no que este comportou de dificuldades para Freud.

Uma das dificuldades refere-se, exatamente, ao relacionamento que a própria Dora mantinha com a Sra. K, a amante de seu pai. Dora não apenas sabia, mas, até certo ponto, acobertou a aventura amorosa dos dois. Além disto, Dora costumava elogiar a Sra. K e sustentou, também até certo ponto, um vínculo bastante afetuoso com esta e com seu marido. O ponto em que tudo isso se mostrou insustentável foi exatamente aquele em que o Sr. K declarou sua paixão a Dora argumentando que não sentia qualquer interesse por sua esposa.

Para Freud, estes eventos podiam ser entendidos a partir da paixão de Dora por seu pai (FREUD,1980[1905]) que, numa formação reativa, teria se transmutado numa paixão pelo Sr. K, já que ela não o rechaçou até o momento em que ele se declarou explicitamente. Freud ainda argumentou junto à Dora que sua excessiva afeição pela Sra. K detinha um

caráter homossexual. Apesar da precisão de grande parte dessas interpretações, conseqüentes de um estudo minucioso, a análise de Dora foi interrompida... por ela!

A propósito do caráter homossexual da relação de Dora com a Sra. K, Freud (1980[1905], v. VII, p.58), chegou a comentar: “Neste ponto não abordarei mais este importante assunto, que é especialmente indispensável ao entendimento da histeria nos homens, porque a análise de Dora terminou antes que pudesse esclarecer este lado de sua vida mental”.

Notemos que esta análise não terminou em conseqüência da questão sobre a homossexualidade que, por sinal, foi apenas aventada. Notemos também que se Freud lamentou seu fim precipitado foi, pelo menos neste momento, por não ter podido avançar no entendimento da histeria “nos homens”. Parece-nos que, de certa forma, Freud não se apercebeu do que lhe dizia a histeria em “uma mulher”. Além disto, precisamos considerar com Assoun (1993, p.74) que:

Convém prestar atenção ao fato de que a subestimação desse fato – o apego à Sra. K -, por mais decisivo que fosse, não deve mascarar o que constituiu o problema maior para Freud: foi menos o ter-se esquecido de algo que houvesse por saber do que o não “ter sabido ser hábil”. Ele descobriu não estar longe do sedutor fracassado, o próprio Sr. K., cujo destino evocou logo depois. Mas, finalmente, Freud aceitou sofrer a vingança merecida pelo homem que desperta os demônios e não se esquiva deles: grandeza e limitações da tarefa analítica.

Contudo, mesmo não tendo sido hábil, Freud não se esquivou do que lhe dizia esta mulher histérica e, mesmo que de passagem, pôde ainda despertar o demônio32 da homossexualidade. Precisamos, então, destacar que, já na época deste tratamento, a homossexualidade era entendida por Freud (1980[1905], v.VII, p.57-58) como uma manifestação latente tanto em “casos normais” como em heterossexuais “neuróticos”. Por isso ressaltamos com Roudinesco e Plon (1998, p.352) que o que interessava a Freud “em termos imediatos não era valorizar, inferiorizar ou julgar a homossexualidade, porém compreender suas causas, sua gênese e sua estrutura, do ponto de vista de sua nova doutrina do inconsciente”.

Podemos dizer, ainda, que Freud não foi hábil para perceber que Dora fora surpreendida pela falta de desejo do Sr. K pela Sra. K. Isto a colocou de frente com a outra questão, a questão da impotência sexual de seu próprio pai. Então, pode-se dizer que, a todo

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Segundo Roudinesco e Plon (1998, p.350) a tradição judaico-cristã teve sua cota de participação “na longa história das perseguições físicas e morais infligidas durante séculos aos que eram acusados de transgredir as leis da família e se entregar a práticas sexuais anormais, demoníacas, desviantes, bárbaras e altamente reprovadas pela Bíblia, por Deus, pelos profetas, pela Igreja e pela justiça dos homens”.

custo, ela tentou sustentar o desejo destes homens, através de uma outra mulher, a Sra. K. Assim, e principalmente, como é característica da histeria, Dora se empenhara em sustentar o desejo do pai (LACAN: 1985).

Mas, pela continuidade do paciente trabalho de Freud podemos observar que, se neste “Caso Dora”, ele não pode perceber o caráter homossexual da relação dela com a Sra K, a questão acabou por ressurgir quinze anos depois no texto Sobre a psicogênese de um

caso de homossexualismo feminino (1920). Este texto se reveste de importância por

evidenciar o aprofundamento do estudo de Freud sobre a sexualidade nas mulheres.

Passemos então à história da jovem homossexual. Freud (1980[1920], v.VIII, p.185- 186) nos conta que uma “bela e inteligente jovem de dezoito anos” tornou-se motivo de grandes preocupações para seus pais por ter demonstrado vivo interesse por “certa ‘dama da sociedade’ cerca de dez anos mais velha que ela própria”. Esta dama, uma cocotte, de comportamento promíscuo tanto com homens quanto com mulheres, não incentivava, mas também não rechaçava a amorosa dedicação da jovem. Um dia, o pai da jovem as encontrou passeando pelas ruas e lançou-lhes “um olhar irado”. Neste instante a moça saiu correndo e se atirou de uma amurada da linha ferroviária. Ela sobreviveu à tentativa de suicídio e ficou apenas com poucas seqüelas. Depois deste evento, os pais se mostraram mais condescendentes com a paixão da filha, mas procuraram Freud na expectativa de que este a curasse de um comportamento assim tão vicioso.

Sobre os pais desta jovem, Freud observou que o pai, apesar de nutrir ternura por seus filhos, matinha-se numa rígida distância em relação a eles e repugnava-lhe as atitudes da filha. A mãe era uma mulher jovem e atraente. Freud percebeu que ela não dava o mesmo relevo que o pai ao comportamento da filha e por vezes prestou-se ao papel de confidente da filha. Além disto, tratava os filhos de maneira desigual, sendo áspera com a filha e indulgente com os filhos.

Até os dezesseis anos, a jovem não havia manifestado sua preferência por pessoas do mesmo sexo. Porém nesta idade foi surpreendida pelo nascimento de mais um irmão. Em decorrência disto, Freud (1980[1920], v. VIII, p.196) relata que a jovem mostrou-se então “furiosamente ressentida e amargurada, afastou-se completamente do pai e dos homens”. Por considerar que a dama fora tomada pela jovem como uma substituta de sua mãe, Freud (1980[1920], v. VIII, p.197) argumentou ainda que a moça “se transformou em homem e tomou a mãe, em lugar do pai, como objeto de seu amor”. Assim, ao preferir às mulheres, ela criava a possibilidade de agradar à sua mãe uma vez que abria mão dos homens “em benefício” dela. Colocava-se desta forma, a serviço da mãe tal qual se disponha estar a

serviço da dama (ASSOUN, 1993). Portanto, através de seus procedimentos, a jovem pretendia aplacar a antipatia materna e vingar-se do pai.

Na escolha de objeto homossexual realizada pela jovem, Freud identificou ainda que ela detinha as características das escolhas de objeto realizadas pelos homens, quais sejam: que o objeto fosse um derivado da mãe para poder ser amado, quer dizer, que fosse uma mulher passível de ser identificada à mãe, mas que, ao mesmo tempo, se diferenciasse desta ao se apresentar como um objeto de má reputação, para que pudesse ser desejado.

Freud (1980[1920], v. VIII, p.202) entendeu que, apesar de a moça ter consentido em realizar o tratamento demandado por seus pais, esta persistia numa resistência que ele atribuiu à “atitude de desafio e vingança contra o pai”. Ele ainda incluiu nos termos da resistência, os sonhos relatados pela jovem - cujos conteúdos expressavam uma escolha heterossexual de objeto - e os considerou como sonhos enganadores que visavam um duplo objetivo: enganar ao pai e enganar a ele próprio, Freud. Apesar disto, Freud (1980[1920], v. VIII, p.204) soube ressaltar estes sonhos “como uma revivescência [...] do original e apaixonado amor da jovem pelo pai”.

Contudo, este tratamento também conheceu um fim precipitado. Desta vez, um fim precipitado... por ele! Freud encaminhou a paciente para uma médica. Ora, o que determinou este procedimento foi a atitude de desafio ao pai sustentada pela jovem. Segundo Freud, a moça sentia-se traída pelo pai que dera um filho à mãe e não a ela. Este pai merecia, portanto, também ser traído. Considerando-se como um sucedâneo do pai da jovem, Freud (1980[1920], v. VIII, p.204) interpretou que a traição estendia-se até ele por meio dos sonhos enganadores e chegou mesmo a afirmar: “ela pretendia enganar-me, tal como habitualmente enganava o pai”.

Apesar das dificuldades na condução desta análise, ressaltamos com Roudinesco e Plon (1998, p.352) que o estudo deste caso detém o mérito de nos fornecer uma reflexão sobre a homossexualidade rejeitando “todas as teses sexológicas sobre o ‘estado intermediário’, o ‘terceiro sexo’ ou a ‘alma feminina num corpo de homem’”, como podemos constatar ao ler as considerações finais de Freud sobre este caso.

Além disto, ressaltamos também, agora com Assoun (1993, p.120), que através deste texto, “Freud forneceu os elementos para a análise da perversão feminina”, forneceu os instrumentos de estudo da atitude típica da perversão: desafiar ao pai.

Não podemos, agora, deixar passar a oportunidade de apreciar a amplitude e a antecedência da investigação freudiana em torno da mulher voltando-nos para um de seus

textos que compõem os primórdios da psicanálise. Referimo-nos ao texto intitulado Novos

comentários sobre as neuropsicoses de defesa, de 1896.

Neste texto, Freud (1980[1896], v. III, p.202) aborda um caso de paranóia crônica em uma jovem de 32 anos, casada e mãe de uma criança de dois anos. Após o nascimento de seu filho, esta mulher passou a apresentar sintomas iniciais que se agravaram a ponto dela acreditar “que estava sendo observada, [...] que as pessoas liam seus pensamentos e sabiam tudo que se passava em sua casa. Uma tarde, repentinamente, ocorreu-lhe que estava sendo observada enquanto se despia, à noite”.

Freud (1980[1896], v.III, p.202) recebeu esta paciente durante o inverno de 1985. Ela mesma forneceu-lhe as informações que transcreveremos em alguns trechos a seguir:

Já na primavera daquele ano, um dia em que se encontrava sozinha com sua criada, tivera repentinamente uma sensação em seu baixo abdome, e pensara consigo mesma que a garota tivera, naquele momento, uma idéia imprópria. Essa sensação tornou-se mais freqüente durante o verão, [...]. Ela sentia seus genitais como ‘se sente uma mão pesada’. Começou a ver coisas que a horrorizavam – alucinações de mulheres nuas, especialmente da parte inferior do abdome feminino com os pelos púbicos e, ocasionalmente, de genitais masculinos também. [...] Ao mesmo tempo que tinha essas alucinações visuais [...], começou a ser importunada por vozes que não reconhecia nem podia explicar. [...] ouvia às vezes ameaças e censuras. Todos esses sintomas pioravam quando ela estava acompanhada ou na rua. Por essa razão, recusava-se a sair; dizia que comer a nauseava; e seu estado de saúde deteriorou-se rapidamente.

Ora, nosso interesse em reproduzir trechos deste relato decorre da importância ressaltada por Assoun (1993, p.122) de que através do estudo realizado por Freud, já nos primeiros tempos da psicanálise, ele foi capaz de nos fornecer as “indicações sobre a ligação do delírio paranóico feminino com a nudez feminina”.

Assoun (1993) ressalta ainda o tom exclamativo com que Freud expressou o que assinalaria para ele “o essencial da mulher” (p.122). O autor refere-se especificamente ao seguinte trecho do relato de Freud (1980[1896], v. III, p.202) sobre este caso:

As imagens tornaram-se muito atormentadoras, pois ocorriam regularmente quando ela estava em companhia feminina e a faziam pensar que estava vendo a mulher em um indecente estado de nudez, mas que, simultaneamente, a mulher estava tendo dela o mesmo quadro!

A perplexidade de Freud se evidencia diante deste delírio onde a paciente se identifica a muitos outros corpos de mulheres nuas e consegue, por este meio, significar, ao mesmo tempo, a vergonha e a exibição de um corpo renegado (ASSOUN, 1993).

Num outro caso de psicose - relatado por Freud (1980) em 1915 no texto intitulado Comunicação de um caso de paranóia contrário à teoria psicanalítica da doença - vemo-lo fazer mais alguns avanços nas elaborações sobre a psicose em mulheres.

A história desta mulher - também “[m]uito atraente e bela, [que] contava trinta anos de idade e parecia muito mais jovem do que na verdade era, possuindo um tipo marcadamente feminino” (FREUD, 1980[1915], v. XIV, p.297) - chegou ao conhecimento de Freud por intermédio de um advogado contratado por ela. Este advogado procurou a Freud por suspeitar que a demanda de sua cliente pudesse ser motivada por algum distúrbio psíquico. Ela o constituíra como advogado por sentir-se perseguida por um colega de trabalho que teria abusado de sua confiança ao conseguir que terceiros fotografassem aos dois enquanto faziam amor. Detentor destas provas, o colega a denegriria moralmente e a forçaria a demitir-se do emprego.

A mulher foi conduzida a Freud para avaliação e durante esta ficamos sabendo que, no dia seguinte a um dos encontros amorosos dela com seu colega de trabalho, este conversou com a diretora de ambos - uma senhora que, segundo a paciente, lembrava-lhe sua própria mãe. Ela interpretou, então, que o objetivo do rapaz nesta conversa seria o de falar à diretora sobre seus encontros amorosos com a paciente.

Não nos deteremos sobre os desdobramentos deste caso. Porém, precisamos fazer notar que foi através deste estudo que Freud teve acesso à importância da relação entre mãe e filha e foi perspicaz o suficiente para perceber o papel da “Mãe persecutória [...] na gênese da paranóia feminina” (ASSOUN, 1993, p.123-124).

Para finalizar esta nossa tentativa de familiarização com os caminhos indicados por Freud através de relatos de casos - que tomamos como rastreamentos sobre as veredas para a feminilidade -, comentaremos apenas que desde textos pré-psicanalíticos tais como o

Rascunho G, de 7 de janeiro de 1895; passando pelo estudo dos casos de Emmy von N. e de

Anna O., realizados durante o período de 1893 a 1895; e, posteriormente, no texto de 1917 intitulado Luto e melancolia, Freud teve oportunidade de esclarecer o que quer uma mulher, pois se deparou com mulheres que sabiam o que queriam: as anoréxicas (ASSOUN, 1993).

Estas, sabendo sobre seu querer, qual seja, justamente, o de se alimentar de nada, mantinham o próprio corpo num subjugo tal que impedia a expressão de seu desejo pelo outro, numa manobra que, em muito, se aproxima da transgressão (ASSOUN, 1993).

Como observa Fontenele (2005)33, a anorexia, a bulimia, bem como seu avesso, a obesidade mórbida, ostentam um corpo transgressor no sentido de renegar a diferença sexual, pois nestes corpos se promove um apagamento das formas que remeteriam a uma identificação com o masculino ou com o feminino.

Com o desbastamento iniciado por Freud, conseguimos avançar pelo cerrado, rumo às veredas. Estas, por se mostrarem mais férteis, nos permitem prosseguir no sentido de entender que a feminilidade deixa suas pegadas de maneira peculiar em cada um dos caminhos traçados pelas estruturas: neurose, psicose e perversão.

Desta forma, os vestígios da feminilidade nos trajetos das três estruturas nos dão a ver como ela consegue, aí, imprimir seu estilo (ASSOUN, 1993).

Se - mesmo tendo descoberto os caminhos da neurose, da psicose e da perversão, e ainda perseguido com afinco o entendimento da feminilidade - Freud esbarrou numa interrogação sobre a mulher, isto lhe ocorreu pela falta de alguns recursos. Mas, como