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Os batedores investigam os vestígios de mulher

Lembremos que, enquanto percorríamos as sendas da função paterna, fomos, gradativamente, nos aproximando de um ponto onde esta vereda se confunde com as veredas do desejo da filha em relação ao pai.

Confundem-se, com já dissemos, pelo fato observado por Lacan (1985, p.40) de que “Freud, nesta ocasião, deixou de formular corretamente o que era o objeto tanto do desejo da histérica quanto do desejo da homossexual”. O que teria, então, impedido Freud de formular mais amplamente a questão do desejo destas mulheres?

Precisamos levar em conta que, apesar de ter escrito a maior parte do “Caso Dora” no final do ano de 1900 e início de 1901, sua escrita e sua publicação, ocorrida em 1905, se deram entre a redação de dois outros grandes textos de Freud: A interpretação dos

sonhos (1900) e os Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). Estes textos são

testemunhas expressivas dos progressos de Freud tanto na elucidação do desejo quanto da sexualidade humana.

Sobre o primeiro, podemos dizer, grosso modo, que nele, Freud deslindou magistralmente o mecanismo dos sonhos, o qual consiste na realização de um desejo

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Comunicação oral proferida no dia 31 de outubro de 2005, durante o curso de mestrado em psicologia da UFC.

inconsciente. Quanto aos Três ensaios, podemos tomá-los como marco da superação realizada por Freud das concepções sexológicas da sexualidade que, até então, fundamentavam-se numa visão descritiva e preconceituosa das “aberrações” ou “degenerações” da atividade sexual.

Neste texto, pela primeira vez, Freud empregou o termo “pulsão” com o intuito de definir a carga de energia que rege o funcionamento psíquico e que se diferencia do instinto por estar para além da mera satisfação das necessidades. A partir desta diferenciação, mostrou-se possível entender que a sexualidade humana não se encontra submetida a leis biológicas que determinariam a atração de um sexo pelo seu oposto por ter, como fim exclusivo, a reprodução da espécie.

Ao contrário. O que muito freqüentemente se observa na sexualidade humana são formas, as mais variadas, de busca de satisfação, não das necessidades, mas do desejo. Com estas observações, Freud descobriu a importância das chamadas pulsões parciais - quais sejam as pulsões oral, anal e fálica -, na escolha do objeto do desejo.

Além disto, Freud também descobriu que, em relação à escolha amorosa, esta se dá a partir do primeiro objeto de amor de toda criança - seja ela menino ou menina - que é, especificamente, a mãe.

Ora, se as relações entre os humanos não seguem as regras da natureza que se fundamentam na satisfação dos instintos; se os humanos são regidos pela satisfação das pulsões; se, além disto, observamos que apesar da diferenças, homens e mulheres, têm o mesmo objeto primordial de amor que é a mãe; o que poderia garantir que grande parte das relações entre os humanos se empenhe numa prática heterossexual e se disponha a realizar os fins reprodutivos? (SOLLER, 2005).

Perguntamos de uma forma mais direta: se o primeiro objeto de amor de meninos e meninas é a mãe, e isto norteará as futuras escolhas amorosas de ambos, o que poderia levar a menina a se voltar para o homem e tomá-lo como objeto de amor?

Observamos, então, que o mito do complexo de Édipo foi forjado por Freud para elucidar a estas questões. Este mito prestou-se para elucidar a escolha do objeto sexual para o homem, mas, em contrapartida, a questão se mostrou bem mais complicada de se resolver em relação à escolha de objeto da mulher.

A pertinácia de Freud para responder esta questão pode ser constatada na leitura de importantes trabalhos: A organização genital infantil (1923), A dissolução do complexo de

Édipo (1924), Algumas conseqüências psíquicas da diferença sexual anatômica (1925), Sexualidade feminina (1931) e a conferência XXXIII, intitulada “Feminilidade” (1932).

Em A organização genital infantil (1923), vemo-lo, por exemplo, esclarecer que esta organização se dá a partir da consideração de um único órgão sexual, qual seja, o masculino. Porém, Freud (1980[1923], v.XIX, p.180) deixou claro neste texto que a primazia que se faz presente não é a do órgão, “mas uma primazia do falo”. Desta forma, inicialmente, a criança considera que todos os seres têm o falo. Por conseguinte, a mãe é fálica. Diz Freud (1980[1923], v. XIX, p.183):

Mulheres a quem ela [a criança] respeita, como sua mãe, retêm o pênis por longo tempo. Para ela ser mulher ainda não é sinônimo de não ter o pênis. Mais tarde, quando a criança retoma os problemas da origem e nascimento dos bebês, e adivinha que apenas as mulheres podem dar-lhes nascimento, somente então também a mãe perde seu pênis. E, justamente, são construídas teorias bastante complicadas para explicar a troca do pênis por um bebê.

As teorias tecidas pelas crianças para explicar a origem e a sexualidade humana, foram abordadas por Freud em 1908 no texto Sobre as teorias sexuais das crianças.

No ano de 1924, Freud publicou um outro trabalho onde tratou especificamente do processo que conduziria a criança a resolver sua relação com cada um dos pais. Neste texto, que recebeu o título de A dissolução do complexo de Édipo, Freud (1980[1924], v XIX, p.217) o inicia lançando a hipótese de que o que determinaria a saída da criança da relação edipiana com os pais poderia ser atribuído a alguma experiência de decepção em relação a estes: “As análises parecem demonstrar que é a experiência de desapontamentos penosos. [...] O menino encara a mãe como sua propriedade, mas um dia descobre que ela transferiu seu amor e sua solicitude para um recém-chegado”.

Já ao considerar a decepção que levaria a menina a sair da relação edipiana, a hipótese de Freud (1980[1924], v. XIX, p.217) nos parece bastante interessante. Citamo-la:

A menina gosta de considerar-se como aquilo que seu pai ama acima de tudo o mais, porém chega a ocasião em que tem de sofrer da parte dele uma dura punição e é atirada para fora de seu paraíso ingênuo.

Esclarecemos que, para Freud, o que determina a dissolução do complexo de Édipo é um outro complexo, o de castração. É pela articulação entre esses dois complexos que se processa a dissolução da relação edipiana: em decorrência da ameaça de castração, o menino sai de sua relação edípica com a mãe e se volta para o pai, de quem recebe, através do processo de identificação, as insígnias da virilidade. A partir disto o menino amará à mãe, porém saberá que lhe é proibido desejá-la.

Com a menina o percurso é o mesmo, mas até certo ponto: ela sai da relação amorosa com a mãe, volta-se para o pai, o constitui como objeto substituto do amor dedicado à mãe e se apega a ele de maneira idealizada. Contudo, ao contrário do que acontece com o menino, ao voltar-se para o pai, a menina não encontrará junto a ele as insígnias da feminilidade, pois o pai não é uma mulher.

Ressaltamos, com Assoun (1993, prefácio, p.VIII), toda a relevância desta travessia realizada pela menina e que é exatamente o objeto de nossa investigação:

Será esse pai, então, substitutiva e como que “tacitamente” “escolhido”, como substituto da mãe e refúgio de uma paixão vacante? Visto em sua aridez cínica de processo, parece realmente ser assim. Mas isso não diz tudo sobre a qualidade, o valor ou a autenticidade do amor da filha pelo pai. O paradoxo da tese freudiana é que ela revela, no avesso da paixão materna, essa força pungente da demanda de amor dirigida ao pai, na trilha, justamente, desse amor despedaçado – e despedaçado por iniciativa própria. Ele herda a força do desespero e “aposta” numa esperança, por sua vez, encarnada pelo pai. Neste ponto, é com a vasta questão da relação entre a filha e o pai que nos deparamos, uma das mais importantes e menos exploradas, talvez, da clínica psicanalítica.

No ano seguinte, 1925, Freud tratou de Algumas conseqüências psíquicas da

diferença sexual anatômica. Neste trabalho, ele realizou avanços inestimáveis. Apontou

divergências entre a constituição da masculinidade e a da feminilidade; indicou as questões insolúveis até então e ressaltou a característica intrínseca do complexo de castração, qual seja a de estimular a feminilidade em ambos os sexos. Freud (1980[1925], v. XIX, p.319-319) esclareceu tal paradoxo da seguinte forma:

Essa contradição se esclarece se refletirmos que o complexo de castração sempre opera no sentido implícito em seu conteúdo: ele inibe e limita a masculinidade e incentiva a feminilidade. A diferença entre o desenvolvimento sexual dos indivíduos dos sexos masculino e feminino [...], é uma conseqüência inteligível da distinção anatômica entre seus órgãos genitais e da situação psíquica aí envolvida; corresponde à diferença entre uma castração que foi executada e outra que simplesmente foi ameaçada.

Dito de outra forma: em referência ao falo, podemos dizer que o menino o tem enquanto a menina, não. Ela não tem o falo. Ela é castrada. Castrada, mas não no que diz respeito a seu órgão genital. Este é completo: tem clitóris, vagina, etc., pois como foi elucidado, o pênis é apenas um dos avatares, uma espécie de materialização, do falo. Em contrapartida - se levarmos em conta a possibilidade do pênis, de certa forma, materializar o falo – podemos dizer que o menino tem o falo e vivencia o medo de vir a perdê-lo, o que o conduziria então à feminilidade.

é apenas no século XVIII que o discurso da diferença sexual se constitui, forjado a partir de um conjunto de saberes – médico, filosófico e moral – que intentam delinear uma diferença de “essência” entre o masculino e o feminino. O próprio Freud, que constata tardiamente que ninguém nasce mulher – esta condição é construída -, no início de suas pesquisas acredita no dogma da posição masculina.

Contudo, os desdobramentos das elaborações de Freud nos permitem perceber que, apesar de, inicialmente, ele ter tentado fazer uma equivalência entre o desenvolvimento sexual de meninos e meninas, ao longo de suas elaborações, Freud soube reconhecer seu equívoco. Isto lhe permitiu avançar e reformular a questão sobre a mulher, porém, como sabemos, esta questão permaneceu em aberto. Ao constatar a incompletude de suas elaborações sobre a sexualidade feminina, Freud teve a sutileza de nos sugerir que aguardássemos os avanços da ciência (FREUD, 1980[1932]).

Os avanços nos chegaram através de Lacan, que lançou mão de vários recursos. Dentre eles, a lógica, mais especificamente, a lógica dos conjuntos. Foi com o auxílio desta lógica que Lacan pôde avançar no entendimento da relação entre homens e mulheres, uma relação marcada originalmente pela diferença.

É fácil percebermos que, enquanto componentes do conjunto da humanidade, não há diferença entre homem e mulher, todos são humanos (CORRÊA, 2004)34. Porém, Sabemos que, já no ato do nascimento, somos confrontados com a alteridade: “Menino ou menina?”, eis a questão imposta desde a origem ao filhote humano.

A resposta a esta questão pode ser simples e objetivamente formulada a partir dos dados anatômicos: aquele que portar o pênis será considerado menino, enquanto aquele que não portar o pênis será considerado menina.

Somos, por conseguinte, desde o nascimento, também confrontados com o campo da diferença. A começar neste, temos a indicação de um elemento que, exatamente por diferir quanto a sua posse, se mostra comum a dois elementos postos em relação. Logo, o menino é diferente da menina, e a alteridade aí implicada se dá a ver pela indicação da posse do pênis como elemento diferencial entre eles, pois o menino é aquele que porta o pênis, enquanto a menina, não.

Ora, acontece que, em relação à sexualidade humana, a diferença indicada a partir do dado anatômico – e, hoje em dia, até mesmo a partir das indicações biológicas mais refinadas tais como as decodificações genéticas - não consegue dar conta de toda a complexidade envolvida na diferença sexual. Sabemos que “menino” é diferente de

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“menina”. Mas o que é ser menina? O fato de não portar o pênis diz tudo sobre esta em relação à constituição de uma feminilidade? Certamente que não. No que diz respeito à sexualidade, podemos então argumentar que a diferença determina uma alteridade sem esgotá-la, no entanto.

Já sabemos, ao observar que a diferença meramente anatômica entre homem e mulher não responde à questão de saber o que é ser mulher, que Freud lançou mão de uma noção central em sua teoria: a noção de falo. Para ele, o falo é entendido enquanto símbolo do sexo masculino, e é também o que caracteriza intrinsecamente a libido. Isto significa que é em relação ao falo que podemos estabelecer a diferença entre os sexos. Então, contamos com apenas um símbolo para estabelecermos a diferença entre dois sexos.

Abrindo um pequeno parêntese, gostaríamos de comentar o impacto causado pelas averiguações freudianas. Ao formular a diferença entre os sexos a partir da posse do falo – ter ou não ter o falo –, Freud foi criticado por ter forjado uma teoria falocentrista em plena efervescência de um feminismo aparentemente esquecido de que - muito antes dessa concepção de Freud - nossos registros civis já se baseavam na lógica falocentrista (SOLLER, 2005). Além disto, como ressalta Soler (2005, p.26), os protestos feministas dirigidos à psicanálise decorrem do entendimento de que sua definição da feminilidade estabelece uma hierarquização entre os sexos. Citamos a autora:

Sua definição freudiana é clara e simples. [...] a mulher é aquela cuja falta fálica a incita a se voltar para o amor de um homem. Primeiro é o pai, ele próprio herdeiro de uma transferência de amor primordialmente dirigido à mãe, e depois o cônjuge. Em resumo: ao se descobrir privada do pênis, a menina torna-se mulher quando espera o falo – ou seja, o pênis simbolizado – daquele que o tem.

Esse entendimento freudiano da feminilidade foi posteriormente retomado por Lacan, que num primeiro momento ratificou a tese de Freud e, num segundo momento, inovou-a. Detendo-nos nesta primeira fase das elaborações de Lacan, vemo-lo esclarecer a tese freudiana sobre o falo indicando que, nesta, a noção de falo não se restringe ao pênis. Segundo Lacan (1998, 699), “O falo é o significante privilegiado [...] onde a parte do logos se conjuga com o advento do desejo”.

O que podemos compreender desta afirmação? Em primeiro lugar que, para Lacan, a noção de falo remete a algo que pode ser tanto consciente, o logos, quanto inconsciente, o desejo. Além disto, a relação do sujeito com seu desejo inconsciente é representada e determinada por este elemento do discurso denominado por Lacan como “significante”. Portanto, o falo, enquanto significante, ocupa um lugar no discurso que faz

referência a um desejo. Com esta concepção do significante, Lacan reitera a relação que Freud já havia exaustivamente ressaltado entre o inconsciente e a linguagem.

Se é a partir do falo que se estabelece a diferença sexual e se o falo é um elemento do discurso, a resposta à questão “menino ou menina?” transcende à mera constatação biológica e remete à diferença sexual ao que é da ordem da linguagem. Somos ditos por essa ordem que nos é anterior e exterior. Por conseguinte, isto nos conduz a um terceiro, a uma alteridade, a partir da qual somos denominados meninos ou meninas, independentemente da anatomia. Lacan denominou a alteridade da linguagem de “Outro”.

Assim, a questão da diferença sexual é determinada pela linguagem, pelo Outro, quer dizer, pelo simbólico e a propósito da relação deste com o inconsciente, acrescentamos com Coutinho Jorge (2000, p.99) que:

O simbólico é essencialmente bífido, bipartido e sua figuração mais lídima é a cabeça do deus romano bifrontino Janus, possuidora de duas faces opostas, cada uma delas representando um lado de um par de opostos. O mês de janeiro, chamado de Januarius mensis (mês de Janus) pelos romanos, deve seu nome a essa divindade dos pórticos: [...] Janus é, sem dúvida, o melhor representante do sujeito do inconsciente que, embora representado entre os significantes, é no fundo, avesso a toda e qualquer possibilidade de representação, e, nesse sentido, se identifica como o objeto “negativo” causa do desejo: o sujeito é esse entre.

Por esta articulação do sujeito do inconsciente com o simbólico - que, por sinal, fora indicada amplamente por Freud ao demonstrar que as manifestações do inconsciente seguem as leis da linguagem, quais sejam as da metáfora e da metonímia -, deparamo-nos com a impossibilidade do inconsciente representar a diferença sexual. Mas por quê?

Para dar conta desta impossibilidade, Lacan recorreu à lógica e pôde esclarecer que, enquanto podemos afirmar sobre o homem que ele se encontra sob a égide da ordem fálica - homem é aquele que tem o falo -, sobre a mulher podemos dizer, que ela não é toda submetida a esta mesma ordem.

Ou seja: com a introdução desta partícula negativa podemos entender que a mulher é fálica, mas não toda fálica. Ela é aquela que não tem o falo e, sobre ela resta algo que não é possível nomear, por isso não é possível dizer “tudo” sobre a mulher. Mas citemos Lacan (1985, p.15):

[...] a mulher não é toda – o sexo da mulher não lhe diz nada, a não ser por intermédio do gozo do corpo. [...] Que tudo gira em torno do gozo fálico, é precisamente o de que dá testemunho a experiência analítica, e testemunho de que a mulher se define por uma posição que apontei com o não-todo no que se refere ao gozo fálico.

Neste ponto nos deparamos com uma noção bastante complexa, a noção de gozo, através da qual, Lacan indica que o sujeito mantém diferentes relações com a satisfação.

Na verdade este termo não foi introduzido por Lacan. Freud já o empregara. Contudo, ressaltamos com Valas (2001, p.7) o alargamento - a conceitualização – da noção de gozo realizada por Lacan:

Durante os primeiros anos de seu ensino, Lacan usou o termo gozo (Lust ou Genuss) como Freud, no sentido que esse vocábulo tem na língua corrente, na qual é sinônimo de alegria, prazer, mas principalmente de prazer extremo, êxtase, beatitude ou volúpia, quando se trata de satisfação sexual. [...] Freud não conceituou o gozo, mas definiu seu campo (que ele situa mais-além do princípio de prazer, regulando o funcionamento do aparelho psíquico), no qual se manifestam, como prazer na dor, fenômenos repetitivos que podem ser remetidos à pulsão de morte.

Além deste esclarecimento, seguimos ainda com Valas (2001, p.7) para ressaltar um outro alargamento conceitual promovido pelas elaborações de Lacan:

A pulsão de morte seria redefinida por Lacan como sendo uma pulsação de gozo que insiste na repetição da cadeia significante inconsciente. O prazer e o gozo não pertencem ao mesmo registro. O prazer é uma barreira contra o gozo, que se manifesta sempre como excesso em relação ao prazer, confinando com a dor.

Por conseguinte temos que o gozo se opõe ao prazer. Desta forma, enquanto o prazer visa à satisfação obtida através da diminuição das tensões do aparelho psíquico, o gozo pulsa, se dá a ver através da repetição na linguagem, se mostra excessivo em sua busca de sentido, tanto, que pode conduzir à morte.

Mas qual é o sentido que o gozo busca com tamanha avidez? Grosso modo, podemos dizer que o sentido que ele busca é o sentido para aquilo que falta e que é representado pelo falo. Tornemos um pouco mais claro. Em A significação do falo, Lacan (1998, p.696) esclareceu o que é o falo:

Na doutrina freudiana, o falo não é uma fantasia, caso se deva entender por isso um efeito imaginário. Tampouco é, como tal, um objeto (parcial, interno, bom, mau etc.), na medida em que esse termo tende a prezar a realidade implicada numa relação. E é menos ainda o órgão, pênis ou clitóris, que ele simboliza. E não foi sem razão que Freud extraiu-lhe a referência do simulacro que ele era para os antigos.

Logo em seguida, Lacan esclareceu (1998, p.697) também sua função: “Pois o falo é um significante, um significante cuja função, na economia intra-subjetiva da análise, levanta o véu daquela que ele mantinha envolta em mistérios. Pois ele é o significado [...]”.

Quem é esta a que Lacan faz referência como estando envolta em mistérios? Propomos que esta é a “Mulher”, mais especificamente a Mulher enquanto Mãe, que, para a criança, se mostra como algo a ser desvendado: - Por que ela não se faz presente o tempo todo? Interroga a criança. E mais: - Para o que ela se volta? O que conquista o seu olhar? O que atrai seu interesse a ponto de fazê-la ausentar-se?

A mãe interessa-se por aquilo que lhe falta, o falo. O falo tem, portanto, a função de dar significado àquilo que atrai o interesse da mãe. Além disso, não basta que a mãe apenas alterne sua presença e ausência. Como afirma Ferreira (2005, p.39), “[é] preciso que a mãe se apresente como porta-voz do Não-do-Pai”. Será isto que permitirá à criança vir a desejar. Caso a mãe se mostre sempre presente, caso tome o próprio filho como único objeto se seu desejo, caso desautorize o pai, as conseqüências serão sempre devastadoras para a criança. Se a mãe não lhe faltar em alguma medida, a criança enfrentará grande dificuldade para diferenciar-se dela e, conseqüentemente, para alcançar uma singularidade e tornar-se um sujeito de seu próprio desejo.

Mas, para termos uma idéia do mistério envolvido nas ausências da mãe e que tanto incita as interrogações infantis, recorramos à exatidão da poesia:

Para quem você tem olhos azuis