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Necessidade, motivo, finalidade, significado e sentido: categorias para apreender a relação entre consciência e atividade

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL SÃO PAULO 2014 (páginas 121-133)

A DIMENSÃO TELEOLÓGICA DA PRÁXIS: A RELAÇÃO ENTRE CONSCIÊNCIA E ATIVIDADE

2.3. Necessidade, motivo, finalidade, significado e sentido: categorias para apreender a relação entre consciência e atividade

Por toda a discussão até aqui, buscamos deixar claro que a consciência é uma mediação decisiva que distingue a reprodução social da reprodução meramente orgânica. Sem mediação da consciência, não há trabalho, não há história, não há ser social. Contudo, o trabalho não é objetivação da consciência, a história acontece mesmo que não se tenha consciência dela e o ser social não é teleológico. A consciência é um momento constitutivo do ser social, sem ser sua categoria fundante.17 Ao apontar que o trabalho sim é a categoria fundante do ser social, buscamos assinalar a determinação material da consciência. Ressaltamos mais uma vez, contudo, que isso não significa que a consciência é

17 E não se aponta isso sem motivo: como discute Lessa (2012a), a proposta de que a subjetividade é fundante da sociabilidade pode ser encontrada, por exemplo, em Habermas.

uma cópia da realidade objetiva, um reflexo especular, mas que se constitui na atividade do sujeito sobre a realidade objetiva, como resultado da práxis, da ação intencionalmente orientada a uma finalidade. Apontamos assim a fundamental relação de determinação reflexiva entre consciência e práxis.

Uma abordagem do processo filogenético (que se repete no processo ontogenético) ajuda a esclarecer esta questão. Como aponta Lukács (2013), a consciência não é exclusividade da espécie humana, sendo um erro apontar que esta é uma característica que o distingue. A diferença ontológica mais relevante é que, no ser biológico, a consciência não é decisiva na reprodução. No animal, a consciência ―se mantém sempre como um pálido momento parcial subordinado ao seu processo de reprodução biologicamente fundado e que se desenvolve segundo as leis da biologia‖ (ibid., p. 62). Trata-se, portanto, no sentido ontológico, de um epifenômeno da reprodução biológica. Nesta mesma direção, Vigotski (2001) aponta, por exemplo, que a existência de uma forma de pensamento rudimentar nos primatas permite o uso de instrumentos e a resolução de certos problemas que demandam alguma forma de operação intelectiva. Contudo, esta forma rudimentar de intelecção é caracterizada pela ausência de linguagem e, em decorrência disso, pela pobreza das imagens que é capaz de produzir e manipular. Isso não significa, porém, que os primatas não possuam linguagem. Muito pelo contrário: os primatas antropóides possuem formas de linguagem que, em muitos aspectos, se assemelha à linguagem humana. Vigotski cita como exemplo a capacidade de expressar desejos e outros estados emocionais. Mas, entre esta forma de linguagem e aquela especificamente humana, há uma diferença essencial: a capacidade representacional da linguagem humana, de relacionar objetos, conceitos e palavras, através do que é possível representar na linguagem as suas atividades e transmitir, por meios simbólicos, aquisições no âmbito destas atividades de uma geração a outra.

Este é o ponto central da argumentação que Vigotski (2001) constrói a partir da análise filogenética do pensamento e da linguagem: se nos animais encontramos formas de pensamento sem linguagem e simultaneamente formas de linguagem sem pensamento, o salto para a consciência propriamente humana – a passagem da determinação puramente biológica para a determinação sócio-histórica – se deu (e assim também se dá no

desenvolvimento de cada exemplar da espécie em seu processo de se tornar humano) pelo desenvolvimento do pensamento verbal, do pensamento mediado pela linguagem. A mediação do signo como meio de resolução de problemas psicológicos (como lembrar, comparar coisas, relatar e escolher), de forma análoga ao uso de instrumentos no trabalho (VYGOTSKY, 1994), está assim intimamente relacionada à capacidade de idealizar previamente o resultado da ação e a partir disso realizar uma escolha entre alternativas. É o que permite que Vigotski (2001) afirme que a palavra com significado é o microcosmo da consciência humana.

Ao apontar a mediação exercida pelos signos, Vigotski remete ao uso dos instrumentos como mediação entre o sujeito e o objeto no trabalho. Como veremos, trata-se de uma analogia, e não de transposição de um âmbito ao outro, mas que revela o nexo entre atividade e consciência. É este nexo que demonstra como se dá entre estas uma relação de mútua determinação, que tem no momento objetivo o seu momento predominante. Tanto a atividade quanto a consciência somente podem ser apreendidas nesta relação em que mutuamente se determinam, sem o que não é possível compreender como se constitui a dimensão teleológica da práxis. Como aponta Marx, é na atividade vital do ser humano que se encontra seu caráter genérico enquanto ser consciente.

O animal é imediatamente um com a sua atividade vital. Não se distingue dela. É ela. O homem faz da sua atividade vital mesma um objeto da sua vontade e da sua consciência. Ele tem atividade vital consciente. Esta não é uma determinidade (...) com a qual ele coincide imediatamente. A atividade vital consciente distingue o homem imediatamente da atividade vital animal. Justamente, [e] só por isso, ele é um ser genérico. Ou ele somente é um ser consciente, isto é, a sua própria vida lhe é objeto, precisamente porque é um ser genérico (MARX, 2004, p. 84)

Esta relação, entre atividade e consciência, é o que buscaremos doravante delimitar, a partir das contribuições de Vigotski, Luria e Leontiev.

Luria (1991) aponta que três traços fundamentais distinguem a atividade consciente humana, em uma discussão que remete à distinção feita por Marx entre a atividade vital animal e a atividade vital humana:

(...) também o animal produz. Constrói para si um ninho, habitações, como a abelha, castor, formiga, etc. No entanto, produz apenas aquilo de que necessita imediatamente para si ou sua cria; produz

unilateral[mente], enquanto o homem produz universal[mente]; o animal produz apenas sob o domínio da carência física imediata, enquanto o homem produz mesmo livre da carência física, e só produz, primeira e verdadeiramente, na [sua] liberdade [com relação] a ela; o animal só produz a si mesmo, enquanto o homem reproduz a natureza inteira; [no animal,] o seu produto pertence imediatamente a seu corpo físico, enquanto o homem se defronta livre[mente] com o seu produto (MARX, 2004, p. 85).

A partir disso, Luria aponta que o primeiro distintivo da atividade humana é que esta não necessariamente responde a necessidades biológicas, podendo mesmo estar em conflito com elas e, no limite, mesmo reprimi-las. Outro traço característico é que, em sua atividade, o ser humano pode abstrair suas impressões imediatas e se orientar por um conhecimento, mais ou menos acertado, das condições sobre as quais atua. Por fim, esta atividade se distingue por dispor não apenas da herança genética da espécie e da experiência individual, mas também da experiência de toda a humanidade, acumulada e transmitida ao longo da história. Luria aponta que a gênese destas especificidades, que não podem ser explicadas pela filosofia idealista que as toma como demonstração espiritual e nem pelo positivismo evolucionista que as toma como resultado direto da evolução do mundo animal, precisa ser buscada na forma sócio-histórica da atividade humana. Entre os elementos relacionados ao trabalho que Luria e Leontiev (1978) apontam como determinações básicas da atividade consciente estão a utilização de instrumentos, a divisão social do trabalho e o desenvolvimento da linguagem.

Como aponta Leontiev (1978), a utilização de instrumentos de trabalho já indica uma forma de abstração e generalização consciente e racional. A definição de que um determinado objeto será utilizado com uma determinada finalidade demanda algum conhecimento das propriedades objetivas do instrumento, das quais se derivam as possibilidades de atingir o objetivo almejado. A compreensão, por exemplo, de que distintos objetos afiados podem servir à finalidade de matar um animal durante a caça, compreensão que está na base da seleção deliberada para este fim de quaisquer objetos que possuam esta característica, passa pela abstração e generalização de certas propriedades objetivas. Contudo, os seres humanos não apenas empregam instrumentos no processo de trabalho, mas também os produzem. Como aponta Luria (1991), trata-se de uma questão fundamental na medida em que a produção de instrumento é uma atividade que carrega, em si, aquela primeira

característica específica da atividade consciente, a de não atender necessariamente a um motivo biológico. Cita como exemplo a produção de uma ferramenta de pedra. Polir uma pedra é uma atividade que não possui qualquer justificativa biológica direta, pois não atende por si mesma a nenhuma necessidade biológica do indivíduo. Se considerada isoladamente, seria uma atividade que carece de sentido para quem a executa. Seu sentido é adquirido somente no interior do processo de trabalho que compõe: no caso da ferramenta de pedra, sua confecção se justificaria, por exemplo, no seu uso posterior durante a caça. A produção consciente de ferramentas de trabalho pressupõe, desta forma, o conhecimento do seu uso futuro, o conhecimento do processo de trabalho a ser executado. Nesta forma ainda rudimentar de separação entre a ação executada e seu motivo Luria identifica a primeira forma de atividade consciente humana.

O uso deliberado de instrumentos indica ainda outra característica do trabalho: se trata, desde o princípio, de uma atividade social. Como aponta Leontiev, o instrumento é um objeto social, cujo emprego é elaborado socialmente no curso de um processo coletivo de trabalho. Neste sentido, ―dispor de um instrumento não significa simplesmente possuí-lo, mas dominar o meio de acção de que ele é o objeto material de realização‖ (LEONTIEV, 1978, p. 82). Por isso, o uso de instrumentos remete para algo que está além da experiência individual, para a aquisição da experiência acumulada pela humanidade. Isso fica evidente quando a decomposição da atividade em operações parciais, característica presente na confecção intencional de ferramentas, assume a forma da divisão social do trabalho e ainda mais quando esta se torna uma divisão técnica. O desenvolvimento das relações de trabalho levou a formas de divisão entre quem executa cada operação necessária ao alcance do resultado final. No processo de caça, para permanecer no exemplo, alguns passaram a construir as lanças de pedra, outros ficaram incumbidos de assustar a presa e afugentá-la na direção de outros com a tarefa de preparar a emboscada. Luria (1991) destaca como a divisão social do trabalho produziu com isso a necessidade de uma mudança de comportamento que pode parecer paradoxal: a ação realizada não apenas não mais se orienta diretamente pela necessidade biológica imediata como pode inclusive se opor a ela. No caso da caça, assustar e afugentar um animal são ações que contradizem o

comportamento que era requerido antes da divisão consciente das operações. O trabalho social demanda ação orientada a objetivos conscientes, que em seu caráter parcelar somente adquire sentido como momento do processo total. Neste sentido, indica Leontiev (1978), ao passo que não mais coincidia com os motivos biológicos a atividade passou a ser determinada por motivos sócio-históricos. Aí estão as determinações ontológicas mais básicas tanto da intentio recta quanto da intentio obliqua, enquanto formas de apreender subjetivamente a realidade.

Nesta forma ainda embrionária já podemos identificar aqueles elementos que compõem o que Leontiev (1984) denomina de macroestrutura da atividade: a relação entre necessidade e motivo, a relação entre motivo e atividade, a relação entre finalidade e ação e a relação entre condições e operações.

Leontiev (1984) indica que necessidade é o que impulsiona, estimula e dirige a atividade por parte do sujeito, mas que isso ocorre apenas quando a necessidade é ligada a um objeto para sua satisfação. O objeto da atividade, que lhe confere o impulso, é o seu motivo. A imprescindível relação entre necessidade e motivo é o que permite dizer que a objetividade é uma característica básica, constitutiva, da atividade.

Contudo, neste ponto é preciso cuidado para evitar reducionismos tanto no entendimento de necessidade quanto no entendimento da objetividade do motivo. Já apontamos que as necessidades envolvidas na atividade consciente humana não se restringem àquelas de ordem biológica, mas incluem necessidades que podem ser designadas como especificamente humanas. Entre estas, Luria (1991) cita como exemplos a necessidade de comunicação, a necessidade de ser reconhecido ou a necessidade de se sentir socialmente útil. Na mesma direção, ressaltamos o que apontamos anteriormente, ao discutir, a partir de Lukács, como o trabalho cria não apenas novas formas de satisfazer necessidades, mas também cria necessidades novas e cada vez mais sociais, entre as quais a necessidade de conferir sentido à vida. Da mesma forma, é preciso evitar a confusão entre objeto e coisa ou ainda entre objetividade e materialidade, apontada quando iniciamos a discussão da objetividade como o atributo ontológico primário. Neste sentido, Leontiev ressalta que o objeto que se constitui como motivo da atividade ―pode ser tanto material quanto ideal, tanto dado na percepção como existente apenas na imaginação, no pensamento‖

(1984, p. 82) e que a linguagem confere à atividade formas de objetividade não mais imediatamente relacionadas à sua materialidade (LEONTIEV, 1978). Os objetos que constituem motivo para a atividade humana estão necessariamente inseridos na realidade social na qual a subjetividade exerce um papel constitutivo. Neste sentido, não há uma determinação direta e unilateral do objeto sobre o sujeito em sua atividade. O objeto da atividade somente pode se constituir em seu motivo porque é significado como podendo satisfazer a necessidade a qual se direciona. A atividade é a mediação na relação sujeito-objeto. Na atividade de um indivíduo, esta relação é ainda mediada por aquele campo de significações que chamamos de dimensão subjetiva da realidade.

Antes de prosseguir, façamos um pequeno desvio para considerar uma questão de fundo. Não é sem motivo que fazemos esta ressalva, de ser preciso delimitar adequadamente necessidade e objeto, mas para dialogar com os argumentos de que Leontiev, na construção de sua teoria da atividade, teria incorrido em um reducionismo objetivista que o distanciaria do materialismo histórico-dialético e o aproximaria do materialismo mecanicista. É o caso, por exemplo, consideradas as suas significativas diferenças, de Gonzalez Rey (2003, 2007), Van der Veer e Valsiner (2009) e F. Castro (2009). Para Gonzalez Rey, Leontiev teria incorrido em uma tentativa de objetivação do psíquico, desconsiderando a subjetividade. Aponta também que Leontiev, ao enfatizar o aspecto materialista da teoria, teria desconsiderado seu caráter dialético, produzindo com isso interpretações dicotomizadas e unilaterais, por exemplo, entre ser e consciência e entre indivíduo e sociedade. Neste sentido, defende que entre Vigotski e Leontiev houve uma ruptura teórica. Para Van der Veer e Valsiner, esta ruptura se encontraria na substituição da função mediadora dos signos (que identificam ser a posição de Vigotski) para a função mediadora do trabalho (que identificam ser a posição de Leontiev). Tanto Gonzalez Rey quanto Van der Veer e Valsiner interpretam que isto teria ocorrido por adesão ideológica ou capitulação ao stalinismo.

Entendemos, contudo, que estes argumentos, nos quais está presente certo idealismo, não se sustentam. De forma muito sintética, apontamos que estes, ao indicar o que entendem ser uma forma de objetivismo, recaem em um reducionismo de outro tipo, subjetivista. Desconsideram que a relação dialética

entre objetividade e subjetividade tem na primeira o seu momento predominante e que ambas as dimensões, na realidade social, são resultado da atividade transformadora dos seres humanos em sociedade. Consideramos que a análise da atividade em Leontiev preserva esta tensão. Sem ser possível ou necessário fazê-la aqui, uma boa discussão desta polêmica, que aprofunda estes argumentos, pode ser encontrada em R. L. Silva (2013).

F. Castro (2009), por sua vez, chama atenção para a desconsideração que haveria por parte de Leontiev da atividade humana como práxis, especificamente daquela dimensão teleológica que determina a ação do sujeito ―como negação do presente em direção a um futuro que quer que venha e não uma necessidade puramente orgânica ou, tampouco, uma ideia que só relaciona signos linguísticos‖ (p. 184). Considerando a centralidade da práxis, que julgamos estar bem clara na discussão que fazemos aqui, concordamos se tratar de uma dimensão que não pode ser desconsiderada sob a pena de produzir esquemas interpretativos que não apreendem a realidade em seus nexos ontológicos essenciais. Entendemos, contudo, que esta dimensão teleológica da práxis está presente na análise da atividade feita por Leontiev, na qual a necessidade é o presente a ser negado pela atividade que transforma sujeito e objeto. Parece-nos (e admitimos não dispor de elementos suficientes para afirmar isso com maior clareza) que a leitura mecanicista deste processo está presente, na verdade, em algumas apropriações das categorias propostas por Leontiev. De qualquer forma, para encerrar esta digressão, consideramos que sequer seria necessário reafirmar a posição que defendemos, a partir de Marx e Lukács, da centralidade da práxis e da relação entre causalidade e teleologia no ser social. Ao trazer para discussão a análise da atividade feita por Leontiev, entendemos que este explicita com clareza o papel fundante do trabalho e as implicações desta centralidade para a psicologia, apresentando com isso elementos interessantes para compreender como se produz esta dimensão teleológica.

Que Leontiev não ignora esta dimensão teleológica da práxis humana pode ser percebido na segunda relação que compõe a macroestrutura da atividade, aquela entre finalidade e ação. Se o motivo exerce a função de impulso da atividade, é a finalidade que exerce a função de orientação da ação realizada, aponta Leontiev (1984) ao distinguir atividade e ação por entender que

estas não coincidem: uma mesma atividade pode engendrar ações diferentes em situações diferentes e, da mesma forma, uma mesma ação pode estar presente em diferentes atividades. Portanto, a ação não é determinada diretamente pelo motivo, mas é ―processo subordinado à representação que se tem de resultado que se deve alcançar, ou seja, ao processo subordinado a um fim consciente‖ (p. 82). Assim, aquelas determinações ontológicas essenciais do trabalho produzem a decomposição daquilo que era unitário no motivo em diversas e articuladas finalidades que requerem diversas e articuladas ações para que se produza o resultado previamente idealizado.

Contudo, se a finalidade pressupõe um sujeito que conscientemente coloca uma intencionalidade à sua ação, esta não é definida arbitrariamente. Como aponta Leontiev, os fins

(...) se dão em condições objetivas. Ao mesmo tempo, a delimitação e tomada de consciência dos fins não é de modo algum um ato que se produz automática e instantaneamente, se não um processo bastante prolongado de aprovação dos fins pela ação e seu reabastecimento objetivo (1984, p. 85, tradução nossa).

Ao apontar a delimitação concreta das finalidades a partir das condições objetivas em que são produzidas, Leontiev indica a terceira relação que compõem a atividade, aquela entre condições e operações. Aponta que a ação, além de seu aspecto intencional (aquilo que deve ser alcançado), possui um aspecto operacional (como deve ser alcançado, por quais meios). Não é o fim em si mesmo que define o aspecto operacional, mas as condições objetivas requeridas para alcançá-lo. Portanto, concretamente, a atividade se define por quais operações, realizadas a partir de determinadas condições objetivas, compõem ações orientadas a determinadas finalidades a partir do motivo da atividade que impulsiona para a satisfação de uma determinada necessidade.

Contudo, a gênese da atividade consciente no trabalho não se limita à produção de instrumentos e à divisão social do trabalho. Envolve também o desenvolvimento da linguagem. Leontiev (1978) aponta que a linguagem se desenvolve no processo de trabalho a partir de duas necessidades que este implica. A primeira é aquela que está na origem do que Lukács denominou pores teleológicos secundários: a necessidade de que os sujeitos dirijam sua ação não apenas sobre a natureza, mas também aos demais participantes do processo de trabalho. O trabalho, enquanto atividade social, faz surgir assim, forçosamente, a

necessidade de formas cada vez mais sofisticadas de comunicação. A outra é a necessidade, ao longo da preparação e da definição da finalidade das ações, de se referir aos objetos e às operações sem que estes estejam sensivelmente presentes. É preciso designar, distinguir, nomear, generalizar os objetos e as operações. Sua conceituação e fixação em palavras é o que permite que a atividade intelectiva adquira relativa autonomia da atividade prática imediata.

Luria (1991) aponta que o desenvolvimento de um ―sistema de códigos que designam os objetos, suas ações, qualidades ou relações e serve de meio de transmissão da informação‖ (p. 80) imprime mudanças essenciais à atividade consciente humana. A primeira é a possibilidade de discriminar objetos, dirigir a atenção para eles e conservá-los na memória, o que cria as condições para lidar com os objetos mesmo em sua ausência. Com isso, ―a linguagem duplica o mundo perceptível, permite conservar a informação recebida do mundo exterior e cria um mundo de imagens interiores‖ (idem). A segunda mudança se refere à possibilidade de assegurar a abstração e a generalização. Com isso, as palavras sintetizam em si toda a grandiosa tarefa de análise e classificação dos objetos que o gênero humano desempenhou ao longo de toda a sua história, o que permite que se transmita a experiência acumulada e que cada indivíduo possa representar o mundo de um modo muito amplo do que seria possível apenas a partir da experiência sensível. É essa mudança que faz da linguagem não apenas uma poderosa forma de comunicação, mas também que se torne o veículo mais importante do pensamento. Outra mudança, diretamente ligada a

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