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Os pobres se tornam um problema

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL SÃO PAULO 2014 (páginas 175-185)

OS PERCURSOS DA PESQUISA

PRINCÍPIOS

4.1 Os pobres se tornam um problema

Nas sociedades medievais europeias, mais especificamente no contexto da transição do modo de produção feudal para o capitalista, localizamos as raízes históricas das práticas sociais orientadas para a questão da pobreza, entendida como questão que demanda alguma forma de atenção pública, mesmo que neste momento ainda distante de uma intervenção estatal ou voltada para o seu enfrentamento.

A análise de documentos eclesiásticos evidencia que se deu, neste contexto, a ampliação do sentido basicamente adjetivo da palavra ―pobre‖ (como em ―um homem pobre‖) para incluir também um sentido substantivo – surgem ―os pobres‖ enquanto designação de uma categoria social específica, ainda que muito diversa: são os ―famintos‖, os ―nus‖, os ―doentes‖, os ―cegos‖, os

―aleijados‖, os ―leprosos‖, os ―feridos‖, os ―velhos‖, ―os idiotas‖, os ―retardados‖, os ―órfãos‖, as ―viúvas‖, os ―humilhados‖, os ―prisioneiros‖, os ―incapazes‖ (MOLLAT, 1989; REZENDE FILHO, 2009). Neste processo, se transformou o sentido positivo anteriormente atribuído à pobreza pela moral cristã, associado à pobreza voluntária da ascese como virtude, para dar lugar, inicialmente, a uma concepção funcionalista (do ponto de vista dos valores religiosos) da pobreza, e posteriormente, a uma concepção de que se trata de um fenômeno social a ser enfrentado, com um sentido negativado.

Em uma forma de sociabilidade em que a divisão social em classes era justificada como desígnio divino, a pobreza era entendida como condição imutável e associada àqueles que não podiam, por algum motivo, dispor do trabalho para seu sustento, devendo o bom cristão, em nome dos princípios da caridade e da solidariedade ao próximo, cuidar dos pobres, atribuindo assim à pobreza, a partir destes valores religiosos, certa funcionalidade: ―sempre devem existir pobres, para que os 'não-pobres' possam assisti-los, qualificando-se como bons cristãos‖ (REZENDE FILHO, 2009, p. 3). Não cabe, neste momento, a formulação de quaisquer ações para a erradicação da pobreza, pois a sua manutenção é afirmada como positivamente necessária para o contínuo exercício da virtude da caridade. É enquanto objeto da caridade que a pobreza se torna questão de interesse público, que pode ser notado, por exemplo, pela instituição do procedimento de matrícula, forma de cadastramento através do qual as paróquias produziam listas de identificação dos pobres a serem assistidos. Cadastros de pobres, mas ainda com outros motivos.

Ao longo da crise do modelo econômico feudal e da gradativa constituição da burguesia, se deu a deterioração geral das condições de vida dos servos, momento em que se fortaleceu o valor da laboriosidade e a pobreza, associada ao não exercício do trabalho, passa a ser negativada, o que se expressa nas transformações dos próprios significados a ela atribuídos: exclusão, indignidade, fracasso, vergonha. Como resultado, prossegue Rezende Filho (2009) em sua análise, se deu ―a multiplicação das Instituições Assistenciais e a difusão da prática da caridade coletiva. A esmola não é mais dada diretamente ao pobre, mas à Igreja, e não mais na forma de víveres, mas em dinheiro‖ (p. 6). Ainda que seja preciso distinguir entre as condições medievais de pobreza e o processo de pauperização produzido sob o capitalismo e ainda que este padrão de práticas

sociais não tenha se configurado como uma ação sistemática e de governo como em uma política pública, consideramos necessário apontar estas raízes por entender que permanecem parcialmente insuperadas. Destacamos ainda que, em sua origem, a própria noção de uma prática de assistência social está diretamente vinculada à questão da pobreza, nesta se justificando e constituindo.

A dissolução do modo de vida feudal e a incapacidade da nascente manufatura de absorver a oferta de trabalho tornada disponível pela intermitente e violenta expropriação dos meios de subsistência e dos instrumentos de trabalho da população do campo resultaram em uma massa de ―mendigos, assaltantes e vagabundos‖ que se tornou objeto de legislações voltadas ao controle social da pobreza (MARX, 2013). Como aponta Castel (1998), especialmente na Inglaterra se desenvolveram, a partir do século XIV, intervenções estatais voltadas aos pobres, tendo em comum o objetivo de estabelecer o imperativo do trabalho, dentre as quais se destacam as sucessivas Leis dos Pobres (Poor Laws). Em seu conjunto, se tratava de medidas de caráter disciplinador e moralizante que visavam alguma forma de assistência pública àqueles entendidos como incapazes de trabalhar para o próprio sustento e punir aqueles que, tidos como capazes de trabalhar, não o faziam, como os ―mendigos‖ e os ―vagabundos‖. Como aponta Marx,

Os pais da atual classe trabalhadora foram inicialmente castigados por sua metamorfose, que lhes fora imposta, em vagabundos e paupers [pobres]. A legislação os tratava como delinquentes ―voluntários‖ e supunha depender de sua boa vontade que eles continuassem a trabalhar sob as velhas condições, já inexistentes. (...) A população rural, depois de ter sua terra violentamente expropriada, sendo dela expulsa e entregue à vagabundagem, viu-se obrigada a se submeter, por meio de leis grotescas e terroristas, e por força de açoites, ferros em brasa e torturas, a uma disciplina necessária ao sistema de trabalho assalariado (MARX, 2013, p. 806, 808).

Marx (2013, p. 806 – 808) apresenta um bom resgate histórico desta legislação repressiva. Em 1530, na Inglaterra, determinou-se que apenas ―mendigos velhos e incapacitados para o trabalho‖ poderiam mendigar e desde que tivessem para isso uma licença. Do contrário, a pena era ser amarrado a um carro e açoitado até sangrar, ato seguido de juramento de retornar a sua terra natal e começar imediatamente a trabalhar. Reincidindo, incorria-se na pena de novo açoite e ter metade da orelha cortada. Na terceira ocorrência, pena de

execução. Em 1547, se deu a determinação de que aquele que se recusar a trabalhar se torne escravo daquele que o denunciou e que seus filhos possam ser explorados como aprendizes até a idade adulta. Aquele assim tornado escravo estava sujeito a todo e qualquer tipo de atividade e poderia ser punido caso se recusasse a trabalhar. Em caso de tentativa de fuga, as punições poderiam ser escravidão perpétua, marcação do corpo com ferro em brasa e execução. Havia ainda a previsão de que andarilhos pobres pudessem ser empregados nas localidades em que as pessoas se dispusessem a lhes dar trabalho e comida. Em 1572, determinou-se que mendigos sem licença e maiores de 14 anos ficariam sujeitos a trabalho forçado por um período de dois anos, caso alguém manifestasse interesse de tomá-los. Não havendo interesse, seriam punidos com marcação do corpo com ferro em brasa na primeira ocorrência e execução se reincidentes. Além destes exemplos ingleses, é citada ainda legislação semelhante na França, em que homens tidos por saudáveis, entre 16 e 60 anos, deveriam ser mandados às galés caso não tivessem meios de subsistência nem exercessem qualquer profissão.

A contínua imposição de tais condições produziu a disponibilidade subjetiva para o trabalho assalariado de "uma classe de trabalhadores que, por educação, tradição e hábito, reconhece as exigências desse modo de produção como leis naturais e evidentes por si mesmas‖ (MARX, 2013, p. 808), enquanto as formas de acumulação primitiva de capital, ao separar os trabalhadores e as condições de trabalho, criaram objetivamente a necessidade do trabalho assalariado para uma grande massa de "pobres laboriosos" (ibid., p. 829).

O estabelecimento progressivo do modo de produção capitalista e a absorção crescente de trabalhadores pela indústria em expansão não trouxeram consigo, porém, a melhora nas condições de vida dos ex-servos e camponeses, agora proletários. Se até então a pobreza era uma condição associada àqueles que não podiam ou não queriam trabalhar, uma mudança de perfil ocorreu e a economia tipicamente capitalista fez surgir uma multidão de trabalhadores miseráveis que muito mal podiam garantir sua subsistência. Uma descrição do pauperismo dos operários pode ser encontrada na contundente denúncia feita por Engels (2010) da sua situação na Inglaterra, especialmente na industrial Manchester e na capital Londres, no começo da década de 1840.

Registrou Engels que os operários habitavam ―as piores casas na parte mais feia da cidade‖ (p. 70). Estes bairros, possuidores de ―má fama‖, eram caracterizados por casas pequenas, concentradas, dispostas de forma irregular, habitadas por diversas famílias que ocupavam todos os espaços possíveis da construção. Três quartos destas famílias, cada uma com uma média de cinco pessoas, habitavam um único cômodo. Nas ruas, esburacadas e sem calçada, acumulava-se lixo e o esgoto corria a céu aberto e, nestas mesmas ruas, se espalhavam as barracas que faziam o comércio de alimento. Entre os casos registrados das condições precárias de habitação dos operários, podemos destacar, a título de exemplo, o de uma viúva que vivia com seus nove filhos em um pequeno quarto dos fundos de uma casa, ―tendo como suas apenas duas cadeiras de vime sem assento, uma mesinha com os pés quebrados, uma xícara partida e um prato pequeno‖ (p. 74). Todos dormiam sobre alguns trapos dispostos no chão, tendo como proteção apenas suas próprias roupas em farrapos. A ocupação de residências nestas condições não era exatamente uma escolha disponível aos operários, que não podiam pagar por habitações melhores, já que sempre haveria alguém disposto a morar ali se aquela família não quisesse, porque todas as moradias próximas ao trabalho eram ruins ou porque sua permanência ali era compulsória. Neste último caso, Engels descreve um sistema de aluguel compulsório: os operários, para ser contratados por uma determinada indústria, tinham de se submeter a morar em casas construídas e alugadas por esta, que lhes cobrava preços abusivos, como forma de máxima exploração de seu trabalho. Para os trabalhadores que não conseguiam sequer dispor destas condições precárias de moradia, a única opção que restava eram as ainda mais precárias condições de abrigo nos albergues noturnos: alojamentos com até seis camas por quarto, cada uma comportando até seis pessoas, ―quantas caibam, sadias e doentes, velhos e jovens, homens e mulheres, sóbrios e bêbados, todos misturados‖ (p. 75). Especificamente em Manchester, Engels aponta outra condição degradante de moradia: os bairros operários haviam sido construídos na pior e mais indesejada localização possível dentro da cidade, lá para onde o vento levava a fumaça das fábricas.

Não menos miseráveis eram as condições de alimentação dos operários. Engels descreve a existência de um perverso mecanismo de pagamento de

salários aos trabalhadores: este se dava todo sábado, em horário intencionalmente determinado de modo que quando os operários chegassem aos mercados, houvesse sobrado apenas os alimentos de pior qualidade, o que poderia significar, por exemplo, comprar carne em decomposição. Além disso, os alimentos vendidos nos bairros operários eram habitualmente adulterados: no açúcar, misturava-se farinha de trigo e sabão; no café moído, misturavam-se legumes baratos triturados; no cacau, misturava-se terra escura banhada em gordura vegetal, etc. Aos operários com os menores salários, geralmente imigrantes, a única alimentação possível era feita exclusivamente a base de batatas. Da mesma forma que ocorria com a habitação, também havia, em alguns casos, a compra compulsória de alimentos. Os industriais criavam armazéns de alimentos, que vendiam as mercadorias com preços abusivos, até 30% acima do habitual, e pagavam o salário dos operários não em dinheiro, mas na forma de vales para serem gastos exclusivamente nestes armazéns. Por fim, aos operários desempregados restava mendigar, esperar doações, roubar ou morrer de fome.

Assim, como sintetiza Engels,

Esses operários nada possuem e vivem de seu salário, que, na maioria dos casos, garante apenas a sobrevivência cotidiana. (...) Qualquer operário, mesmo o melhor, está constantemente exposto ao perigo do desemprego, que equivale a morrer de fome e são muitos os que sucumbem. Por regra geral, as casas dos operários estão mal localizadas, são mal construídas, malconservadas, mal arejadas, úmidas e insalubres; seus habitantes são confinados num espaço mínimo e, na maior parte dos casos, num único cômodo vive uma família inteira; o interior das casas é miserável: chega-se mesmo à ausência total dos móveis mais indispensáveis. O vestuário dos operários também é, por regra geral, muitíssimo pobre e, para uma grande maioria, as peças estão esfarrapadas. A comida é frequentemente ruim, muitas vezes imprópria, em muitos casos – pelo menos em certos períodos – insuficiente e, no limite, há mortos por fome. (...) No melhor dos casos, uma existência momentaneamente suportável – para um trabalho duro, um salário razoável, uma habitação decente e uma alimentação passável (do ponto de vista do operário, é evidente, isso é bom e tolerável); no pior dos casos, a miséria extrema – que pode ir da falta de teto à morte pela fome (ENGELS, 2010, p. 115 – 116).

Contudo, a vida fora das fábricas era apenas um desdobramento do que acontecia dentro delas. Homens e mulheres trabalhavam em jornadas de até 16 horas diárias. Relatam-se casos de jornadas de até 30 a 40 horas consecutivas e casos de tortura para trabalhadores que ―fugissem‖. Aos seus filhos restavam as

opções de ficar ―abandonados‖ ou de também ir para as fábricas. Em decorrência disso, há documentação de crianças a partir dos cinco anos de idade cumprindo jornadas de 14 a 16 horas diárias, o que era considerado ―ideal‖ para a operação de máquinas pequenas. Aproximadamente metade dos operários ingleses, neste período, tinha menos de 18 anos de idade. Também era extremamente grave a situação das mulheres operárias (que representavam naquele momento 60% do total nas fábricas), para quem às diversas formas de violência sofridas pelos operários se somava a violência sexual, que se expressa, por exemplo, na manutenção do jus primae noctis [direito à primeira noite] feudal de forma que os industriais detinham o autoproclamado direito de manter relações sexuais com as operárias, não só na ―noite de núpcias‖, mas em qualquer ocasião. Destaca-se ainda a situação das gestantes, obrigadas, sob ameaça de demissão, a trabalhar até o dia do parto (e muitos nascimentos ocorriam no interior mesmo das fábricas), após o qual dispunham de poucos dias (três ou quatro) para retornar ao trabalho em turno completo. O trabalho fabril penoso também repercutia na condição de saúde dos operários. Acidentes como esmagamento e decepamento de dedos e mãos, infecção por tétano e mutilação de braços e pernas eram comuns. Obrigados a permanecer de pé durante todo o expediente de trabalho, sendo o simples ato de encostar ou sentar passível de punição, desenvolviam deformações físicas como problemas ósseos, desvios na coluna e deslocamento dos quadris.

Neste mesmo processo, sob a alegação de que a política de subsídios (na forma de dinheiro ou alimentos) providos aos pobres os desestimulava de trabalhar, tornando-os dependentes da assistência pública25, através da Nova

Lei dos Pobres (de 1834) as poucas e precárias estratégias de assistência foram desmontadas e substituídas por um modelo de institucionalização baseada no trabalho forçado, as workhouses. Como discutem Behring e Boschetti (2011), por trás desta alegação encontrava-se a necessidade de eliminar toda e

25 Engels (2010) transcreve documento de 1833 em que o sistema de subsídios pagos pela ―Caixa dos Pobres‖ é apresentado como ―um obstáculo à indústria, uma recompensa às uniões ilícitas, um estímulo ao aumento da população e que eliminava os efeitos do crescimento da população sobre os salários; que era uma instituição nacional tendente a desencorajar os homens diligentes e honestos e a proteger os indolentes, os viciados e os irresponsáveis; que destruía os vínculos familiares, obstaculizava sistematicamente a acumulação de capitais, dilapidava os capitais existentes e explorava os contribuintes‖ (p. 316 – 317).

qualquer barreira, não importava quão mínima, para o estabelecimento do livre mercado. O modelo das workhouses

marcou o predomínio, no capitalismo, do primado liberal do trabalho como fonte única e exclusiva de renda, e relegou a já limitada assistência aos pobres ao domínio da filantropia (...), deixando à própria sorte uma população de pobres e miseráveis sujeitos à ―exploração sem lei‖ do capitalismo nascente (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 49 – 50).

Engels descreve estas instituições como possuindo condições ainda mais deterioradas do que aquelas a que estavam sujeitos os operários nas fábricas, de modo a que não se recorresse a elas a não ser em último caso. Nas workhouses, o trabalho realizado era intencionalmente inútil, de modo que estas não concorressem com as indústrias, e sua execução era requisito para que houvesse alimentação. As famílias eram separadas, com alas específicas para homens, mulheres e crianças, sem qualquer forma de comunicação interna ou externa. Entre os casos extremos narrados por Engels, podemos citar uma menina que por ter urinado na cama recebeu o castigo de ficar trancada por três dias na câmara mortuária; internos que receberam a punição de ficar trancados nus, em um canil, por dez dias, sem comer, no período mais frio do ano; o caso de uma mulher grávida de seis meses, acompanhada de seu filho de dois anos, que se dirigiu a uma workhouse e foi mantida trancada na recepção, sem ser acolhida na instituição, por vinte dias, dormindo no chão, tendo seu marido sido preso quando foi solicitar que esta fosse liberada; o relatório de uma inspeção que constatou que os lençóis das camas não eram trocados havia treze semanas, que os internos não trocavam de camisas havia quatro semanas e de meias havia dez semanas, que os pratos e talheres de uso dos internos eram lavados no vaso sanitário. Diante da escolha entre trabalhar em condições degradantes e ser assistido por uma workhouse, Engels relata que muitos trabalhadores preferiam morrer de fome ou cometiam pequenos delitos visando transferência para presídios, onde as condições eram menos precárias. Neste sentido, sintetiza, comparando a situação de vida de um operário inglês com a de um servo feudal de sete séculos antes:

O servo da gleba tinha sua existência garantida pela organização da sociedade feudal, que assegurava a cada um o seu lugar; o operário livre não tem garantia de nada, porque só tem seu lugar na sociedade quando a burguesia depende dele – caso contrário, é como se não

existisse. (...) Em suma, ambos, servo da gleba e operário, estão mais ou menos no mesmo plano e se há alguma desvantagem em sua posição, esta cabe ao operário livre. Ambos são escravos, mas enquanto a escravidão de um é franca, aberta, a do outro é pérfida, hipocritamente dissimulada aos seus olhos e aos olhos de todos (ENGELS, 2010, p. 220).

A transição histórica para o modo de produção capitalista foi, desta forma, marcada pela criação de uma massa de pessoas pobres devido a vínculos precários e instáveis de trabalho que não lhes garantiam sequer a subsistência ou relegadas à condição de serem supérfluas, descartáveis. A revolução industrial produziu assim o pauperismo enquanto ―fenômeno de empobrecimento de massa, durável e permanente, cuja origem não está na ausência de trabalho, mas no próprio trabalho industrial‖ (PAUGAM, 2003, p. 46). Como descreve Castel (1998), a condição dos trabalhadores assalariados era

uma das situações mais incertas e, também, uma das mais indignas e miseráveis. Alguém era assalariado quando não era nada e nada tinha para trocar, exceto a força de seus braços. Alguém caia na condição de assalariado quando sua situação se degradava: o artesão arruinado, o agricultor que a terra não alimentava mais, o aprendiz que não conseguia chegar a mestre... Estar ou cair na condição de assalariado era instalar-se na dependência, ser condenado a viver ―da jornada‖, achar-se sob o domínio da necessidade (p. 21 – 22).

O modo de produção capitalista se mostrou, assim, desde o princípio, sob a contradição explícita de ser modo de produção e acumulação de riqueza e de miséria, com uma intensidade e em um ritmo de expansão nunca vistos. O acirramento da situação de pobreza extrema dos trabalhadores, empregados ou desempregados, se tornou assim um problema que não poderia ser ignorado. Mais do que isso, a condição miserável do proletariado colocava em xeque a concepção segundo a qual o capitalismo representava o mais elevado e último estágio de desenvolvimento histórico na medida em que seria a plena efetivação das leis naturais de produção de riqueza. Por esta razão, a pobreza aparece

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL SÃO PAULO 2014 (páginas 175-185)