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O problema ontológico do método

A DIMENSÃO SUBJETIVA DA REALIDADE: FUNDAMENTAÇÃO ONTOLÓGICA E DECORRÊNCIAS METODOLÓGICAS

1.2 O problema ontológico do método

O que permitiu esta inversão da dialética hegeliana e possibilitou que se transformasse em base de uma teoria revolucionária é a apreensão ontológica da realidade social como totalidade concreta produzida pela práxis humana (LUKÁCS, 2003). A correta compreensão desta definição passa, por sua vez, pela delimitação clara do ser social como uma forma específica de ser que simultaneamente se identifica e se distingue em relação às formas de ser que o precedem, das quais se deriva e nas quais se sustenta. Passamos, assim, a apresentar os fundamentos ontológicos do materialismo histórico-dialético conforme discutidos por Lukács (2009, 2010b, 2012b, 2013).

Ao dedicar seu último esforço intelectual para abordar a ontologia do ser social, Lukács tinha como objetivo combater simultaneamente o teleologismo e o determinismo no interior do pensamento marxista. Contra as interpretações necessitaristas e fatalistas da história, que absolutizavam as ―leis objetivas‖ do desenvolvimento histórico, Lukács buscou resgatar na história sua complexidade e seu caráter aberto, de produto da práxis humana (TERTULIAN, 2009). O recurso à ontologia, no curso deste projeto, decorre, por um lado, do combate à posição neopositivista (que Lukács identifica como tendo proliferado mesmo dentro do marxismo) que expurga a ontologia do campo da ciência e, sobretudo, do reconhecimento de que toda forma de compreensão do mundo, ainda que assim não se reconheça, pressupõe uma ontologia, do que decorre que ―a crítica ontológica é um imperativo‖ (DUAYER; ESCURRA; SIQUEIRA, 2013, p. 19).

A ontologia do ser social deve definir, com precisão, a especificidade desta forma de ser, o que passa pela ―confirmação da unidade geral de todo ser e simultaneamente o afloramento de suas próprias determinidades específicas‖ (LUKÁCS, 2012b, p. 27), pela delimitação de suas categorias gerais e de suas categorias específicas. Para isso, a questão genética ocupa um lugar central no método ontológico desenvolvido por Lukács (pelo que pode ser apropriadamente chamado de método ontológico-genético), que ―se propõe identificar as transições capilares de um nível ontológico mais simples a um nível ontológico mais complexo, fixando com precisão as ligações intermediárias‖ (TERTULIAN, 2009, p. 383).

Neste sentido, ―a ontologia do ser social pressupõe uma ontologia geral‖ na medida em que categorias da ontologia geral permanecem conservadas no ser social como momentos superados (LUKÁCS, 2012b, p. 27).5 Em um arriscado esforço de síntese desta ontologia geral, podemos apontar a formulação de Lukács de que “todo existente deve ser sempre objetivo, ou seja, deve ser sempre parte (movente e movida) de um complexo concreto”, do que decorrem duas consequências principais: “o ser em seu conjunto é visto como um processo histórico” e “as categorias não são tidas como enunciados sobre algo que é ou que se torna, mas sim como formas movente e movida da própria matéria” (LUKÁCS, 2009, p. 226).

A objetividade é o pressuposto ontológico primário, o que significa que todo ser, tudo que existe, é objetivo. É objetivo porque existe ou pode existir como objeto para alguém. Ou como formula Marx nos Manuscritos Econômico-Filosóficos:

Um ser que não tenha nenhum objeto fora de si não é nenhum ser objetivo. Um ser que não seja ele mesmo objeto para um terceiro ser não tem nenhum ser para seu objeto, isto é, não se comporta objetivamente, seu ser não é nenhum [ser] objetivo. Um ser não-objetivo é um não-ser. (...) Um ser não-objetivo é um ser não efetivo, não sensível, apenas pensado, isto é, apenas imaginado, um ser da abstração (MARX, 2004, p. 127 – 128).

Desta forma, mesmo o ser social, única forma de ser no qual a consciência pode exercer algum papel determinante, é estritamente objetivo, ainda que sua objetividade apresente uma forma específica, como discutiremos adiante.

Objeto não deve, contudo, ser confundido com coisa, objetividade com fisicidade ou coisalidade, alerta Lukács. Tampouco se deve confundir objetividade com concreticidade. Não apenas o concreto, mas também o abstrato pode ter existência objetiva e real, enquanto complexo parcial que compõe o ser social. ―É a realidade social (...) critério último do ser ou do não-ser social de um fenômeno‖, afirma Lukács (2012b, p. 284), e é uma ―visão primitiva da realidade‖ negar a materialidade e objetividade de ―todos os espelhamentos da realidade que se apresentam imediatamente como produtos do pensamento

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Ao falar de ―ontologia geral‖, cabe o alerta dado por Lessa (2012a) de que esta não é o foco do interesse de Lukács e que delineamentos ontológicos gerais são por ele feitos tão somente na medida necessária para a fundamentação da ontologia do ser social.

(abstrações, etc.)‖ (ibidem, p. 314). Para corroborar esta afirmação, Lukács cita, entre outros, o exemplo da categoria ―trabalho abstrato‖ conforme discutido por Marx.

O modo de produção capitalista, a partir da relação cada vez mais explicitada entre valor de uso e valor de troca, possibilita que o trabalho concreto sobre um objeto determinado seja abstraído em trabalho produtor de valor. Afirmando ser impossível não ver como esse processo de abstração é real no âmbito da realidade social, Lukács argumenta que:

o trabalho socialmente necessário (e, desse modo, ipso facto abstrato) é uma realidade, um momento da ontologia do ser social, uma abstração real de objetos reais, que se dá de modo inteiramente independente da circunstância de que seja ou não realizada também pela consciência. No século XIX, milhões de artesãos autônomos experimentaram os efeitos dessa abstração do trabalho socialmente necessário como sua própria ruína, isto é, quando experimentaram na prática as suas consequências concretas, sem terem a mínima ideia de encontrar-se diante de uma abstração realizada pelo processo social. Essa abstração tem a mesma dureza ontológica da faticidade, digamos, de um automóvel que atropela uma pessoa (LUKÁCS, 2012b, p. 315).

A categoria ―trabalho‖, entendido de forma abstrata como ―trabalho em geral‖ ou ―trabalho produtor de valor‖, e não de forma concreta como forma determinada de atividade de trabalho sobre determinado objeto, é uma forma de pensamento válida socialmente e assim objetiva.6

Na dimensão ontológica, a objetividade é, portanto, a propriedade primária de todo ente e este existe independentemente da consciência que se tem dele – não é sua apropriação subjetiva que lhe garante existência, mas sua objetividade (LUKÁCS, 2012b). Isso não significa, contudo, a negação do sujeito, mas a afirmação de implicação dialética entre o objeto e o sujeito que também é dotado de objetividade: ―tão logo eu tenha um objeto, este objeto tem a mim como objeto‖ (MARX, 2004, p. 128). Ontologicamente, o sujeito se constitui em sua objetivação na práxis social (LUKÁCS, 2012b). Esta é uma questão fundamental para a ontologia do ser social e será retomada adiante na busca de uma definição precisa da relação entre objetividade e subjetividade.

6 Como abordaremos adiante, esta sua validade decorre sobretudo de se tratar de uma abstração ontologicamente razoável, que capta traços reais, essencialmente fundamentais, dos objetos abstraídos.

Por sua vez, afirmar a objetividade como propriedade primário-ontológica é afirmar a relação como atributo imprescindível, ineliminável, da constituição de todo ser, não acidental ou fortuitamente, mas como necessidade ontológica, na medida em que objetividade é ser objeto para outrem (FORTES, 2008). A necessária relação entre objetividades tem por consequência a existência de ―uma totalidade dinâmica, uma unidade de complexidade e processualidade‖, afirma Lukács (2012b, p. 304), pois

os elementos, categorias e propriedades do ser aparecem sempre de forma imbricada, suas categorias guardam sempre uma posição específica no interior de um complexo, em suma, estão em constante interação e inter-relação no interior do todo que compõe o ser (FORTES, 2008, p. 77).

A objetividade do ser social e a necessária relação entre suas categorias nos remetem, portanto, à sua totalidade e historicidade. A correta compreensão da totalidade e da historicidade do ser social passa, inicialmente, como aponta Lukács, avançando na delimitação simultânea de sua generalidade e de sua especificidade, pela apreensão da relação entre o ser social e aqueles dos quais depende, se deriva e se distingue – o ser natural orgânico e o ser natural inorgânico.

A relação de mútua dependência (como unidade ontológica geral) e distinção (pela presença de categorias específicas próprias) entre o ser social, o ser orgânico e o ser inorgânico é assim expressa por Lukács:

O ser social pressupõe, em seu conjunto e em cada um dos seus processos singulares, o ser da natureza inorgânica e da natureza orgânica. Não se pode considerar o ser social como independente do ser da natureza, como antítese que o exclui, o que é feito por grande parte da filosofia burguesa quando se refere aos chamados ―domínios do espírito‖. De modo igualmente enérgico, a ontologia marxiana do ser social exclui a transposição simplista, materialista vulgar, das leis naturais para a sociedade, como era moda, por exemplo, na época do ―darwinismo social‖. As formas de objetividade do ser social se desenvolvem à medida que a práxis social surge e se explicita a partir do ser natural, tornando-se cada vez mais claramente sociais. Esse desenvolvimento, todavia, é um processo dialético, que começa com um salto, com o pôr teleológico no trabalho, para o qual não pode haver nenhuma analogia na natureza. (...) Com o ato do pôr teleológico no trabalho está presente o ser social em si. O processo histórico do seu desdobramento, contudo, implica a importantíssima transformação desse ser-em-si num ser-para-si e, portanto, a superação tendencial das formas e dos conteúdos de ser meramente naturais em formas e conteúdos sociais cada vez mais puros, mais próprios (LUKÁCS, 2012b, p. 286 – 287).

O ser social, portanto, só pode surgir e se desenvolver com base no ser orgânico. Neste sentido, o ser social incorpora, em forma dialeticamente superada, o ser orgânico. Enquanto forma nova e específica de ser, o ser social é, portanto, qualitativamente novo e sua gênese, como a gênese de qualquer forma nova de ser, se dá mediante um salto qualitativo e não apenas pelo acúmulo de categorias de transição. Após o salto, se dá um constante aperfeiçoamento da nova forma de ser: no ser social, as categorias naturais são mantidas como momentos superados na medida em que sua prioridade ontológica é gradualmente diluída com o desenvolvimento de novas categorias de caráter predominantemente social (LUKÁCS, 2009, 2012b). Desta forma, delimitar, em termos ontológicos, as categorias específicas do ser social é expor seu desenvolvimento a partir das formas de ser que o precedem, sua articulação com estas formas, sua fundamentação nelas e sua distinção em relação a elas (LUKÁCS, 2013).

Esta compreensão da especificidade do ser social somente é possível se consideradas sua totalidade e historicidade. Se o desenvolvimento de uma forma nova de ser se dá a partir das formas que o precedem, o salto ontológico é, portanto, fundamentalmente histórico. Se a nova forma de ser que assim se desenvolve mantém as categorias das formas superadas e cria novas categorias específicas, sua adequada compreensão somente se torna possível se tais categorias não forem apreendidas isoladamente, mas sim no interior e a partir da constituição complexa do nível de ser de que se trata.

Antes de aprofundar esta questão, é preciso definir o que possibilita esta constituição da realidade social como uma totalidade histórica, que é exatamente o que distingue o ser social das formas que o precedem: ser produto da práxis humana, ―fruto exclusivo do agir dos homens em sociedade‖ (LESSA, 2012a, p. 61). Compreender a ―especificidade do ser social consiste em entender o papel da práxis em sentido objetivo e subjetivo‖ (LUKÁCS, 2012b, p. 28), o que nos remete à preocupação central de Lukács na apresentação da ontologia do ser social: a precisa delimitação do papel da subjetividade na construção de um tipo específico de objetividade que é o ser social, o que passa necessariamente pela correta colocação do problema da relação, no ser social,

entre causalidade e teleologia 7, entre determinação e liberdade, entre necessidades e alternativas, entre necessidade, possibilidade e contingência.

Em uma formulação simples do problema, podemos afirmar que a objetividade do ser social se distingue por ser, ainda que estritamente objetiva, ou seja, determinada por relações causais que independem de qualquer forma de consciência sobre sua existência e funcionamento, é uma objetividade continuamente posta e reposta pela realização de atos teleológicos humanos, que pressupõem uma consciência, acertada ou não, das relações causais sobre as quais atua de forma intencionalmente dirigida. Como colocado por Lukács (2012b), ―objetivamente o ser social é a única esfera da realidade na qual a práxis cumpre o papel de conditio sine qua non na conservação e no movimento das objetividades, em sua reprodução e em seu desenvolvimento‖ (p. 28). O ser social se distingue ontologicamente, portanto, por ser ―portador de uma causalidade posta, ontologicamente distinta da causalidade apenas dada da natureza‖, por ser ―uma objetividade que só pode ser fundada por atos teleologicamente postos‖ (LESSA, 2012a, p. 21, grifos no original). Desta forma, a objetividade do ser social não reduz a subjetividade a mero epifenômeno, mas tem nesta o momento constitutivo que a distingue. A delimitação da função exercida pela consciência na constituição da objetividade do ser social será fundamental, por sua vez, para a compreensão das possibilidades de conhecimento da realidade por parte do sujeito que age sobre ela: ―em virtude dessa função singular na estrutura e na dinâmica do ser social, a práxis é também subjetiva e gnosiologicamente o critério decisivo de todo conhecimento correto‖ (LUKÁCS, 2012b, p. 28). Retomaremos adiante esta questão.

Como aponta Lukács (2012b), o que distingue o ser social é exatamente a capacidade teleológica cuja protoforma está no trabalho, isto é, o trabalho é a categoria central para compreender o ser social em sua gênese e especificidade

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Causalidade é ―a relação e a influência intercorrente entre causa e efeito‖ (VAISMAN; FORTES, 2010, p. 44), a ―característica dos processos (...) que operam por si mesmos‖ (DUAYER; ESCURRA; SIQUEIRA, 2013, p. 21), ―um princípio de automovimento que repousa sobre si próprio‖ (LUKÁCS, 2013, p. 48). Teleologia, por sua vez, se refere ―a processos sociais, do ser social que, diferentemente dos processos puramente causais, (...) ocorrem por força de uma decisão da consciência‖ (DUAYER; ESCURRA; SIQUEIRA, 2013 p. 21), processo que ―implica o pôr de um fim e, portanto, numa consciência que põe fins‖ (LUKÁCS, 2013, p. 48). O pôr teleológico é, desta forma, ―uma ação (trabalho), orientada por um fim previamente ideado‖ (VAISMAN; FORTES, 2010, p. 44). O par categorial causalidade-teleologia é o que fundamenta e sustenta toda a reflexão lukácsiana sobre a ontologia do ser social (TERTULIAN, 2009).

ontológica. Todas as demais categorias específicas desta forma de ser (como a linguagem, por exemplo), em suas propriedades e modos de operar, pressupõem o salto ontológico como já acontecido e um ser social já constituído, enquanto o trabalho – entendido como o intercâmbio consciente do homem com a natureza orgânica e inorgânica – tem um caráter claramente intermediário que assinala a passagem do ser biológico ao ser social. ―No trabalho estão contidas in nuce todas as determinações que (...) constituem a essência do novo no ser social. Desse modo, o trabalho pode ser considerado o fenômeno originário, o modelo do ser social‖ (LUKÁCS, 2013, p. 44). No plano ontológico, o trabalho expressa a mudança qualitativa da adaptação passiva e reativa ao processo de transformação consciente e ativo do mundo, processo que também é de transformação do sujeito ao possibilitar uma forma inédita de desenvolvimento dos homens enquanto seres que trabalham (LUKÁCS, 2009).

Aludindo a uma passagem de O Capital em que Marx distingue o pior arquiteto da melhor abelha pela capacidade humana de orientar conscientemente sua ação por antever idealmente seu produto, Lukács (2013) aponta que o salto ontológico possibilitado pelo trabalho decorre de sua posição de intencionalidade – sua teleologia. É a continua realização de pores teleológicos na práxis social, o operar real do ato teleológico, que tem no trabalho sua forma originária e modelo, que, ao fundar uma nova objetividade, autonomiza o ser social do ser orgânico do qual surge.

Lukács (2013) adverte, contudo, para que não se idealize este caráter teleológico do ato humano: não há qualquer pôr teleológico das sociedades na história – não há, em suma, a existência de qualquer teleologia geral – e a práxis humana é o único âmbito possível ―onde se pode demonstrar ontologicamente um pôr teleológico como momento real da realidade material‖ (p. 51). Compreender, adequadamente a teleologia no ser social somente é possível, desta forma, ao relacioná-la à categoria da causalidade, relação que é precisamente o que permite compreender o movimento histórico do ser social em seus limites e possibilidades.

De forma sintética, a relação que Marx identifica entre teleologia e causalidade, na história, é assim expressa:

Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as

circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram (MARX, 2012c, p. 25).

O ser humano faz sua própria história: o que somente é possível pela contínua realização de posições teleológicas, intencionais, conscientes. Mas não o faz de forma absoluta, mas apenas diante das circunstâncias historicamente constituídas com as quais se defronta: a teleologia é um modo de agir que, em cada caso concreto, coloca em funcionamento determinadas séries causais e somente pode movimentar séries causais (LUKÁCS, 2009), não pode existir por si mesma, ―mas apenas no interior de nexos causais determinados‖ (LESSA, 2012a, p. 65). A teleologia, enquanto ―configuração da subjetividade que almeja ser coisa no mundo‖, somente pode se realizar se for ―capaz de pôr a seu serviço, sem transgressão, a lógica específica do objeto específico, ou seja, a legalidade da malha causal de sua constitutividade material primária‖ (CHASIN, 2009, p. 99).

Desta forma, a objetividade do ser social determina as possibilidades concretas da ação humana teleologicamente orientada. Esta determinação, contudo, não elimina o momento teleológico, pois não se trata de rígida determinação geral e inevitável, mas da delimitação do ―horizonte de possibilidades dentro do qual pode se desenvolver o ineliminável caráter de alternativa de todos os atos humanos‖ (LESSA, 2012a, p. 48). Como determinação reflexiva, o ato teleológico atua em retorno sobre a causalidade que o determinou na medida em que permite ―alargar os limites do possível‖ (ibidem, p. 49), fundando uma nova objetividade, causalidade posta, que, dependendo do momento subjetivo, não se torna por isso menos objetiva. Causalidade e teleologia se encontram, portanto, em uma relação de inevitável coexistência que não suprime a distinção ontológica entre elas (LUKÁCS, 2013), que pode ser sintetizada assim:

O seu [do mundo dos homens] ―ser-posto‖ não implica a eliminação da objetividade primária do ser e sua conversão em subjetividade. Pelo contrário, o caráter posto expressa a mediação através da qual a objetividade primária do ser se subordina a dadas posições teleológicas, as quais têm o poder de articular as propriedades da natureza em novas formas e relações, dando origem a uma nova objetividade (o mundo dos homens); mas tendo também o limite de não poder alterar o caráter ontologicamente primário do ser. A causalidade posta continua, portanto, a ser causalidade, não se transmutando em teleologia – todavia, por ser causalidade posta, está articulada a uma nova malha causal cuja origem é necessariamente a atividade

teleologicamente orientada (LESSA, 2012a, p. 64).

Todo ato social, toda práxis social, é, portanto, uma decisão entre alternativas (posições teleológicas futuras) concretas, impelida por necessidades sociais que a pressionam. Neste processo, o sujeito que realiza seu pôr teleológico de forma consciente jamais consegue ver todos os condicionamentos e consequências de sua própria atividade. Na relação entre teleologia e causalidade existe, portanto, uma duplicidade, que Lukács assim expressa:

Numa sociedade tornada realmente social, a maior parte das atividades cujo conjunto põe o todo em movimento é certamente de origem teleológica, mas a existência real delas – e não importa se permanecem isoladas ou foram inseridas num contexto – é feita de conexões causais que jamais e em nenhum sentido podem ser de caráter teleológico. (...) Todo evento social decorre de posições teleológicas individuais, mas, tomado em si mesmo, é de caráter puramente causal. (...) O processo global da sociedade é um processo causal, que possui suas próprias leis, mas não é jamais dirigido objetivamente para a realização de finalidades (LUKÁCS, 2009, p. 230, 235 e 236).

A presença desta duplicidade determina a especificidade do ser social, argumenta ainda Lukács (2012b): os processos e produtos específicos do ser social são objetivamente independentes dos atos individuais, mas simultaneamente dependentes na medida em que apenas tais atos individuais podem fazê-los surgir e prosseguir. Há, portanto, uma relação de indissolubilidade entre atos singulares alternativos e coercitividade social:

Não há alternativas que não sejam concretas: elas jamais podem ser desvinculadas do seu hic et nunc (no mais amplo sentido dessa expressão). Todavia, precisamente, por causa dessa concretude, que nasce de uma indissociável concomitância operativa entre o homem singular e as circunstâncias sociais em que atua, todo ato singular alternativo contém em si uma série de determinações sociais gerais