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Outras pesquisas com a temática sociabilidade e televisão

3. ENQUADRAMENTO TEÓRICO-METODOLÓGICO

3.4 Outras pesquisas com a temática sociabilidade e televisão

Como referido no início desta parte, incluímos a referência a alguns trabalhos em proximidade temática com a presente investigação. As pesquisas são oriundas de dissertações e teses sobre o tema e também comunicações científicas apresentadas em congressos ou publicadas em periódicos.

Na proximidade com o Programa de Pós-Graduação ao qual a presente pesquisa se vincula, encontramos o trabalho de Valério Cruz Brittos. Trata-se de uma dissertação de mestrado defendida no ano de 199654 com o título Recepção e TV a cabo: a mediação da identidade cultural pelotense. A temática acompanha o momento de surgimento e oferta da TV por assinatura aos consumidores na cidade de Pelotas. O objetivo geral concentra-se em observar a relação entre a identidade cultural pelotense e o caráter global oriundo do conteúdo disponível nos canais por assinatura. Observando o contexto, essa modalidade de distribuição televisiva era predominantemente constituída de conteúdos audiovisuais norte-americanos ou de outros centros, com poucas exceções. Também a opção pela identidade cultural pelotense é justificada pelo lastro histórico também presente nesta pesquisa. Sobre Pelotas, o autor observa “referentes culturais bem característicos, por sua formação histórica específica com relação ao restante do estado e pelo movimento histórico de crise que vivencia nos últimos tempos” (BRITTOS, 1996, p. 4). As práticas de pesquisa se situam em termos de perceber quais são os elementos da identidade cultural pelotense e os hábitos de consumo envolvendo a



54 A dissertação de Valério Cruz Brittos foi um dos primeiros trabalhos desenvolvidos no PPG em Comunicação

TV a cabo, para observar a imbricação do consumo midiático com os discursos de identidade cultural.

Em termos de resultados, cabe destacar o que o autor observa à respeito da distinção de Pelotas relacionada ao restante do Estado, como já visto, de caráter urbano, com o referencial simbólico europeu que “mantém-se mesmo hoje”, no contexto de uma situação econômica desfavorável. Os pelotenses, conforme foi possível perceber por meio das entrevistas realizadas, consomem os mesmos produtos culturais quanto a maioria dos brasileiros, no entanto demonstram certa diferenciação ante a conhecimentos mais ou menos identificados com o campo erudito. Os traços identitários “são mais idealização que vivência cotidiana, constituem-se em vontade de que assim fosse, porque no passado foi” (BRITTOS, 1996, p. 101). Para observar a recepção de TV a cabo em relação com a identidade, Brittos realizou trabalho empírico com seis famílias que constituíram 17 informantes.

O foco de observação foi a cotidianidade familiar por meio da sociabilidade mediada pela televisão à cabo. O pesquisador descreve a ocupação dos membros da família e as práticas de assistir televisão em casa que, geralmente, acontece nos momentos das refeições, em temporalidades sociais distintas entre cada família. Quanto a relação entre identidade cultural e TV a cabo, o pesquisador observa que, mesmo com a oferta de conteúdo global, há uma valorização dos elementos locais na relação com os conteúdos.

Outro trabalho próximo às temáticas escolhidas é o do pesquisador mexicano Jerónimo Repoll sobre os usos da televisão nos mercados públicos da Cidade do México. Repoll observa um universo de 317 mercados primeiramente a partir de uma pesquisa quantitativa a fim de levantar, em parte do total, os aparelhos de TV e o tipo de consumo desenvolvido nos locais. Em um segundo momento, a pesquisa passa ao trabalho de observação participante para investigar os usos sociais da televisão. Uma das observações no contexto da pesquisa é a de que “uma revisão exaustiva” a partir dos estudos de recepção permite ao autor concluir que “a interação com a televisão se desenvolve no contexto do lugar” (REPOLL, 2010, p. 84)55 e que, também, com o surgimento de novas formas individuais de consumo midiático, como o celular e o computador, a opção única pelo núcleo familiar implicaria em desconhecer as interações com a mídia que ocorrem, por exemplo, através do espaço urbano.

O autor destaca exemplos de investigações que focam na televisão a partir dos espaços urbanos e destaca o reduzido número de trabalhos ou ausência dessa temática em 

55 Tradução nossa. Texto original do espanhol: “la interacción con la televisión se desarrolla en el contexto del

levantamento da pesquisa em comunicação realizada no contexto mexicano. Muito embora, como observa, a recepção e a construção do espaço público seja uma das grandes linhas de pesquisa em recepção, conforme o itinerário expresso por Guillermo Orozco e Rebeca Padilla. No contexto do México, Repoll destaca o trabalho de Sandy Rodríguez com uma observação sobre os espaços públicos do Distrito Federal. No contexto internacional, observa a americana Anna McCarthy com interesse sobre a televisão e suas implicações na experiência do tempo em meio ao trânsito urbano. No contexto latino-americano, é destacada a pesquisa de Grimson e outros autores que se observam a “naturalização” da televisão no espaço urbano de Buenos Aires e o uso da televisão nos trens e metrôs da cidade. Ainda é citado o trabalho, já referenciado acima, de Édison Gastaldo e outros autores sobre a recepção de partidas de futebol nos bares.

Na fase quantitativa da pesquisa de Repoll, houve atenção ao número de aparelhos presentes nos estabelecimentos dos mercados, na quantidade de locais de venda e consumo dos produtos, nos televisores que ficam voltados ao público, nos aparelhos que ficam apenas ligados e, por fim, na quantidade de comerciantes, consumidores, garçons e cozinheiros que ficam vendo a televisão. Há uma semelhança com o contexto desta pesquisa no sentido da identificação desses papéis sociais nos estabelecimentos: frequentador, funcionário cozinheiro ou garçom e proprietário. Na etapa qualitativa foram realizadas doze observações participantes, a partir de três tópicos: espaços, sujeitos e práticas sociais, este último com especial atenção aos usos sociais da televisão.

Os locais específicos de observação foram os de preparo e consumo dos alimentos “já que nestes se observou a maior quantidade de sujeitos interagindo com a televisão durante a primeira etapa da investigação” (REPOLL, 2010, p. 90)56. Os períodos de observação tiveram duração de duas a quatro horas que permitiu ao pesquisador apreender as características dos locais e ter um panorama suficiente dos sujeitos, fluxos e práticas ocorridas. A maioria dos televisores na fase quantitativa estavam virados para os consumidores, mas alguma parcela era colocada “de costas” para os clientes, à serviço dos trabalhadores do local. Também, grande parte dos aparelhos cerca de 76% estava sintonizada nos quatro maiores canais abertos do México. Quanto aos programas preferidos a maioria absoluta se dedicava aos jogos de futebol, sucedidos de filmes, telenovelas e outras programações. Quanto aos públicos que assistiam televisão, a maioria era constituída pelos comerciantes sucedida pelos consumidores e, por último, os cozinheiros e garçons.



56 Tradução nossa. Texto original do espanhol: “ya que en éstos se observó la mayor cantidad de sujetos

Quanto aos usos sociais da televisão, algumas observações oriundas da participação nos locais são apresentadas. A imagem da Virgem de Guadalupe é recorrente em todos os mercados observados e as estruturas de organização do espaço são bastante comuns. Repoll observa os tipos de cozinha dos estabelecimentos, o padrão das mesas, geralmente fornecidas pelas marcas de refrigerantes ou cervejas. Também a pesquisa dedica atenção às condições de recepção da televisão: lugares onde não se pode ver o aparelho e o papel do som que, pela retórica televisiva, não obriga o espectador ao acompanhamento visual de forma a permitir que cozinheiros, garçons e pessoas que estejam distantes da tela possam compartilhar das informações. As interações com a mídia acontecem, como o consumo dos alimentos, de forma rápida e fragmentária para os consumidores. Para os funcionários e comerciantes, no entanto, o contato televisivo pode significar uma pausa na rotina de trabalho, ou um pequeno intervalo de descanso. O consumo da televisão é visto pela maioria como uma prática naturalizada e totalmente integrada ao cotidiano dos estabelecimentos: “simplemente la vemos”.

Cabe destaque também ao trabalho da pesquisadora brasileira Roseli Fígaro no âmbito dos estudos de recepção, incluindo a categoria de mediações, com a questão do trabalho. Fígaro, em sua tese de doutorado em comunicação concluída em 1999, na Universidade de São Paulo, realiza um estudo empírico para observação do contexto dos trabalhadores metalúrgicos da região do ABC Paulista. De forma específica, a pesquisa recorta na recepção que os trabalhadores fazem da imprensa sindical e da comunicação da própria empresa. O foco é a observação das mediações do processo de comunicação dos operários a partir da realização de entrevistas e do trabalho de observação no campo. O método da pesquisa, assim como Repoll, considera uma primeira etapa quantitativa para levantamento dos hábitos de consumo de mídia dos operários para um posterior trabalho qualitativo feito através de entrevistas em profundidade para observar as mediações no cotidiano. Por meio dos dados quantitativos foi possível definir o recorte na fase seguinte em relação às mídias mais utilizadas no cotidiano dos trabalhadores. A pesquisa demonstrou que “a televisão é de longe o meio mais procurado, seguido dos Boletins e Jornais da Empresa, depois pelo rádio e, em seguida, pelos meios de comunicação do Sindicato” (FÍGARO, 2000, p. 40). No entanto, um dos principais componentes da comunicação, para os operários, advém de sua comunicação interpessoal com os colegas de trabalho, superiores, vizinhos e outros atores que fazem parte de suas relações sociais.

A preferência dos metalúrgicos pelos gêneros da televisão, manifesta-se pelo noticiário, seguido dos programas esportivos. A televisão figura como uma das práticas preferidas nas horas de descanso e lazer. A preferência pelos noticiários, segundo a

pesquisadora, pode ser observada como recorrente tanto na fase quantitativa como na fase qualitativa. Na parte qualitativa, pode ser observado que o trabalho atua como uma mediação fundamental na vida dos metalúrgicos, mesmo nos momentos de cotidianidade familiar, “a leitura do mundo se faz para os operários metalúrgicos mediada pela sua condição particular” (FÍGARO, 2000, p. 41). O contato com os meios, incluindo a televisão, pauta a sociabilidade que os metalúrgicos têm no convívio diário do chão de fábrica.

No contexto de trabalhos com temáticas próximas, cabe também uma observação à pesquisa do campo da antropologia intitulada Televisão e Sociabilidade em Cenas de Migração de Denise Jardim (2010) e outros autores. O propósito da investigação parte da “transversalidade da mídia” que pode ser identificável em diversos campos etnográficos, mas a questão levantada parte de “uma hipótese sobre a importância da televisão como recurso de socialização inicial, nos países de destino, acionada pelos imigrantes como forma de obter pistas da cultura local” (JARDIM, et al, 2010, p. 127). Este recorte acompanha uma preocupação dos pesquisadores com a “invisibilidade da televisão no trabalho de campo antropológico”. Segundo os autores “o significado da televisão e das praticas cotidianas em torno da mesma não ganhavam importância para os pesquisadores durante suas observações de campo” (JARDIM, et al, 2010, p. 129). A comunicação apresenta como estrutura alguns pontos de partida para o debate que propõem, principalmente, exemplos indiciais do trabalho de campo onde é visível a presença do elemento comunicacional.

Uma das ideias sobre a questão é que a televisão oferece ao sujeito migrante “uma espécie de mosaico composto de vários recortes da vida social”. Como uma modalidade de comunicação próxima e direta, a televisão pode significar “uma fonte a ser utilizada na sociabilidade inicial” no sentido de oferecer, sem a necessidade de uma interculturalidade mais interpeladora, um sem número de elementos da prática cultural de uma determinada região, relacionado aos modos de falar, aos interesses específicos, entre outras coisas. As conclusões do trabalho, pela observação aos diários de campo relatados, apontam para uma reflexividade necessária ao pesquisador na condição de etnógrafo em assumir, constantemente o papel do “outro”, transformar-se em outro para que possa observar e participar. A articulação com a mídia, de certa maneira, auxilia o trabalho antropológico ao prover caminhos para a sociabilidade com um determinado grupo a ser estudado, e “é parte importante a considerar” no trabalho de campo (JARDIM, et al, 2010, p. 152).

Por último, cabe fazer nova menção ao trabalho já citado de Édison Gastaldo (2006) para recuperar algumas questões metodológicas que o envolvem. Gastaldo, como vimos, parte da mesma noção de sociabilidade oriunda de Georg Simmel para observar o contexto de bares

onde a transmissão de partidas de futebol faz a mediação com a sociabilidade. O pesquisador observa que o futebol, tal como apresentado, é compreendido como “um produto de mídia” e, portanto, sujeito ao dispositivo imposto pelas lógicas de produção deste campo. A investigação foi feita por meio de etnografia em bares onde comumente há a transmissão de jogos de futebol, durante o período de um ano em quatro locais onde “não foi registrado nenhum evento de briga” (2006, p. 5). O “saber levar na esportiva”, como parte da regra do jogo de não colocar em pauta questões objetivas, foi observado pelo pesquisador que destacou o futebol, o próprio jogo transmitido ao vivo ou mesmo o conjunto de informações produzidas no seu entorno, como um caminho para a sociabilidade masculina.

Quanto aos procedimentos metodológicos, o trabalho consistiu primeiramente em uma observação participante, com a redação de diário de campo, feita pelo pesquisador e mais três assistentes. Após, foram feitas entrevistas com os frequentadores de cada bar. A equipe de investigadores se reunia a cada semana para trocar experiências e “ampliar consideravelmente o campo de possibilidades interpretativas do fenômeno analisado” (2006, p. 6). Isso ocorreu em vista da superação da dificuldade de comparação entre situações acontecidas em campos de trabalho distintos, “uma vez que cada situação é única em suas especificidades, mas pode ser pensada como parte de um fenômeno mais geral”. Gastaldo observa que, no caso da pesquisa, a natureza do fenômeno observado facilita o intercâmbio de experiências entre os diferentes locais e pesquisadores. Além disso, a situação do pesquisador neste contexto não exige, à priori, nenhum procedimento de inserção comunitária específico: “sendo os jogos transmitidos nos bares um evento publico, não existe nenhuma barreira à participação dos pesquisadores, nem um ‘papel social’ a ser negociado” (2006, p. 7). A situação de pesquisador como frequentador de locais públicos, portanto, facilita a pesquisa no sentido de não necessitar uma negociação específica para que a participação seja possível, o que ocorre de forma diferente, por exemplo, em um núcleo familiar.