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Padrão: Facilidade de expressão – inclusão – Senso de solidariedade

LIÇÃO 9 Frase e motivo musical

3.2 PADRÕES DE INTERAÇÃO NAS VÍDEO CONFERÊNCIAS – MÓDULO

3.2.3 Padrão: Facilidade de expressão – inclusão – Senso de solidariedade

Em relação ao padrão “Facilidade de expressão – Inclusão – Senso de solidariedade”, notamos sua ocorrência em seis momentos do módulo 1, três dos quais na vídeo conferência 1. Na observação 6 da vídeo conferência 1, quando foi trabalhada a canção “Pra não dizer que não falei de flores”, de Geraldo Vandré, aconteceu o momento mais significativo desse padrão na referida vídeo conferência, que resultou no seguinte registro:

Facilidade de expressão. O professor recorre principalmente a demonstrações práticas acompanhadas por explicações sobre a batida.

Senso de solidariedade (modelo dos pares). A orientação do professor para que o aluno observe os colegas, um por um, tocando a batida surte um efeito considerável.

Inclusão. Depois de o aluno perceber o problema na batida e melhorar, participa da execução em grupo (inclusive fazendo o dedilhado com Tayrone enquanto os outros dois fazem a batida).

Salientamos que esse padrão, assim como os outros, não pressupõe uma ordem de aparecimento fixa para “facilidade de expressão”, “senso de solidariedade” e “inclusão”. Para ilustrar como a ordem em que os três aspectos apareciam variou bastante, apresentamos a transcrição de alguns trechos relativos à observação 6. Inicialmente, o professor tentou incluir todos no exercício de tocar o dedilhado a ser aplicado na música, mas como percebeu uma dificuldade razoável em alguns, logo fez a demonstração do dedilhado, ou seja, colocou-se como modelo.

Giann: Quantos conseguiram tocar a música? (Todos os alunos levantam a mão). Todos quatro conseguiram as duas bases? (dedilhado e batida).

Erico: É (deu uma entoação que denotava incerteza, como quem diz que não está seguro disso). Giann: [Inclusão] Vamos ver o dedilhado nela. Vamos ver o dedilhado nesse andamento aí, olha. (os alunos já começam a dedilhar; alguns apresentam dificuldade). Para aí um pouquinho. Eu vou ver se vocês já sabem mesmo. Vou fazer um teste. [Facilidade de expressão] Nesse andamento aqui, olha (o professor toca a seqüência com o dedilhado duas vezes. Depois também conta junto: 1, 2, 3, 4, 5, 6). Vocês já estão trocando bem os dois acordes?

Erico: Já (e os outros balançam a cabeça afirmativamente e todos já começam a acompanhar no andamento que o professor estava tocando há pouco).

Giann: [Inclusão – todos tocam juntos] Aproxima aí (o foco da câmera). Continuem tocando, continuem tocando. Aproxime aí de dois em dois, por favor, a câmera. (depois de escutar a seqüência duas vezes, Giann tenta cantar junto, mas não há como sincronizar. Depois de três tentativas, ele desiste. (...) No geral, postura e posição das mãos está muito boa, de acordo com as orientações anteriores). Pronto. [Inclusão de um aluno] Deixa eu ficar agora só com Teófilo. Parem vocês, que eu não vi Teófilo bem, ele parou um pedaço. Toque aí Teófilo. (Teófilo começa timidamente e não consegue fazer o dedilhado e a troca de acordes sem parar. [Senso de solidariedade] Emanuel o ajuda mostrando como tocar e ele continua tentando enquanto olha para Emanuel. Depois de Teófilo tocar a seqüência cinco vezes, Giann o interrompe). [Inclusão] Pronto, Teófilo, pode parar um pouquinho. Teófilo, é só treinar mais um pouco esse dedilhado pra ficar mais fluente. Faça a posição (...) só pra eu ver a mudança dos acordes. (Teófilo faz a mudança de acordes sem tocar com a mão direita).

No trecho acima, o senso de solidariedade acontece de forma espontânea, quando Emanuel se dispõe a ajudar Teófilo mesmo sem que o professor peça, o que é uma situação comum em aulas coletivas. Em momentos dessa natureza, a melhor ajuda que o professor pode dar é simplesmente deixando a interação entre os alunos acontecer. Na seqüência, o professor pede para a turma inteira tocar enquanto ele tenta cantar junto. Apesar de não ter sido possível cantar junto com os alunos, ele fica satisfeito com a execução dos estudantes:

Giann: [Inclusão] Deixa eu fazer um teste. Eu vou tentar cantar e vocês tocar pra ver se o som chega simultâneo porque eu tô escutando vocês bem. [Facilidade de expressão] Vamos nesse andamento aqui (começa a tocar)... [Inclusão] Só vocês tocando. Podem ir tocando que eu tento pegar vocês.

Alunos: Tocando em conjunto (Todos tocam, mas Teófilo tem muita dificuldade em acompanhar. Giann tenta cantar, mas eu aviso que não tem como sincronizar e ele pára de tentar. Depois de eles tocarem o trecho equivalente a estrofe e refrão, Giann pede que parem).

Apesar de Teófilo não ter conseguido acompanhar os colegas na execução dos acordes arpejados, esse momento se constituiu no estágio mais significativo da inclusão, pois depois de Teófilo ser orientado individualmente, houve uma oportunidade efetiva para que ele tocasse a música junto com a turma. Nesse trecho identificamos o ápice da dinâmica inclusiva coordenada pelo professor. Logo em seguida, ao corrigir um aluno com dificuldade na levada de Guarânia, o senso de observação mútua e o trabalho cooperativo são fomentados pelo professor:

Giann: [Inclusão] Agora vamos partir pra a batida? Alguém treinou a batida da Guarânia? (Erico e Emanuel já começam a fazer, mas Giann pede que prestem atenção primeiro e começa a fazer a batida. Os alunos tocam junto com ele). Parem um pouco aí. Deixa eu ver de um por um. Vão fazendo de um por um. Pode começar Tayrone (Tayrone começa a tocar. A batida é feita sem dificuldade e Giann simplesmente pede que Erico comece). Erico, só ele agora.

Erico: Executa o que Giann pede (a batida está bem diferente do ritmo solicitado. Ele só faz batidas para baixo, uma por tempo).

Giann: [Facilidade de expressão] Erico, pare aí e preste atenção (Giann toca novamente duas vezes). Erico, só você agora.

Erico: Executa novamente a batida (Apesar de ainda não fazer muito nítido, usa polegar e indicador, o que não foi recomendado, Erico agora faz também as batidas para cima, na metade do primeiro e segundo tempo. Giann o interrompe novamente).

Giann: [Senso de solidariedade] Erico, pare aí um pouquinho. Passe aí pra Tayrone, só pra eu ver uma coisa.

Tayrone: Tocando (faz a seqüência duas vezes).

Giann: Agora pare, Tayrone. Agora faça Emanuel. Preste atenção, Erico! Emanuel: Tocando (executa a batida duas vezes, de forma bem segura). Giann: Agora Teófilo.

Teófilo: Tocando (usa palheta e consegue fazer a batida de maneira nítida, apesar de se atrapalhar um pouco no começo; Giann deixa que ele toque a seqüência quatro vezes). Pode parar, Teófilo. Agora volte aí pra Erico (a câmera). Erico, veja se você consegue agora.

Erico: Tocando (faz o ritmo corretamente, mas as batidas para cima ainda estão um pouco “apagadas”). Pronto, pode parar. Tayrone e Emanuel, pode ser também problema do áudio, mas pra mim ele só acertou agora. Eu tô enganado ou tô certo?

Emanuel e Tayrone: Tá certo. Giann: Agora ele acertou, não foi? Emanuel e Tayrone: Foi.

Giann: [Inclusão] Agora vamos ver os quatro fazendo ao mesmo tempo. Vamos lá os quatro. (...) [Senso de solidariedade] Podem se olhar aí. Comecem aí com Emanuel, todo mundo olha pra Emanuel (pede pra Emanuel contar antes de começar).

Emanuel (Olha para os colegas e conta): 1, 2, 3 (todos tocam a batida). [Inclusão e senso de solidariedade]

Giann: Cantando (Somente Tayrone e Erico tentam cantar ao mesmo tempo).

É interessante notar que, depois de solicitar que três alunos demonstrassem a batida para o colega que estava com dificuldades, o professor também pediu para que eles próprios avaliassem se Erico havia melhorado. Apesar de os alunos estarem ainda em sua primeira semana de curso, já eram estimulados a perceber o que faziam e ajudar o professor a avaliar a situação. Isso pode ser utilizado no ensino presencial, mas nos pareceu algo mais necessário ainda no ensino a distância, inclusive para que o professor seja auxiliado mesmo, já que nem sempre a qualidade de áudio e vídeo permitia perceber muitos detalhes da execução. Em última instância, podemos ver nessa prática um estímulo à co-gestão dos alunos em seu processo de aprendizagem.

Podemos considerar que, no trecho transcrito acima, acontece um “diálogo musical” (SWANWICK, 2003), uma conversação na qual os alunos utilizam não palavras, mas seus violões para expressarem idéias musicais de acordo com aquilo que o professor lhes solicitava. Esse é um tipo de diálogo em que as palavras são acessórias e, por esse motivo, um fórum de discussão ou qualquer outra forma de interação verbal não ensejaria uma compreensão profunda dos pontos em questão. Em momentos assim, marcados por diálogos musicais, muitas vezes sem nenhuma troca de palavras, foi que o senso de solidariedade se estabeleceu de forma mais efetiva nas vídeo conferências.

Por fim, na parte final do trecho transcrito acima, todos foram convidados a tocarem juntos e, ao mesmo tempo, observarem Emanuel. Assim, o professor estava ao mesmo tempo incluindo a todos e, também, fomentando a observação do colega que se destacara, no sentido de ter demonstrado mais segurança no dedilhado. Com base nessas reflexões, chegamos à primeira lição relativa ao padrão aqui analisado:

Lição de Interação 5: Um importante meio de fomentar o trabalho em equipe é estimular a observação mútua entre os alunos, além de permitir que eles se ajudem espontaneamente, por meio de um diálogo musical. Como resultado de uma dinâmica de trabalho colaborativo em sala de aula, o grupo tem melhores condições de executar o exercício ou música em conjunto, ou seja, todos são incluídos na performance.

Uma outra lição relativa ao padrão “Facilidade de expressão – inclusão – senso de solidariedade”, foi evidenciada por meio de observações realizadas nas vídeo conferências 3 e 4. Na observação 7 da vídeo conferência 3, o padrão ocorreu quando se trabalhou a música “Debaixo dos caracóis”, de Roberto Carlos:

Facilidade de expressão. Primeiramente, o professor pediu para escutar a turma e só depois de avaliar o que precisava melhorar é que se colocou como modelo. A variação de estratégias incluiu a solicitação para que os colegas se ajudassem.

Senso de solidariedade. Solicitar que um aluno ajude ao colega, servindo como modelo, parece gerar um nível de interesse e compromisso maior nesse aluno (modelo).

Inclusão. A orientação aos alunos com dificuldade foi muito objetiva, não desviando muito o foco do trabalho em grupo. Ao mesmo tempo, as orientações individuais parecem interessar aos outros alunos.

Na observação 7 da vídeo conferência 4, relativa à música Você, de Tim Maia, também se constatou o mesmo padrão, através do seguinte registro:

Facilidade de expressão: Como um aluno estava com muita dificuldade na batida de Reggae, o professor demonstra uma outra batida, que logo é assimilada. O professor também desmembra a batida em partes para torná-la mais fácil de compreender.

Inclusão. A batida é tocada pelos dois, em conjunto. (aqui a primeira atitude pode até ser de inclusão, já que o professor diagnosticou logo o problema para decidir mudar a batida).

(Emanuel já havia chegado). Interessante que Teófilo, que nesse momento já estava conseguindo essa batida melhor que Tayrone, foi quem cantou. A participação da turma na música, tocando o reggae em conjunto, é facilitada pelo modelo e auxílio de um colega com maior fluência que a média da turma. Esse aluno (Emanuel) funciona como uma espécie de monitor.

No trecho acima, houve pelo menos duas ações que demonstraram senso de solidariedade no grupo. Primeiro, ao perceber que já estava fazendo a batida da música “Você” com segurança, Teófilo se dispôs a ajudar a Tayrone, cantando a melodia, como o professor solicitara. Por mais singela que tenha sido essa participação de Teófilo, certamente contribuiu para que os colegas, inclusive ele próprio, conferissem como a batida sugerida pelo professor (uma alternativa ao ritmo de reggae) se coadunava com a melodia. Cantar a melodia de uma música enquanto se toca o acompanhamento é essencial, na aula de violão, pois assim é possível ter uma compreensão mais integral da música. A segunda ação foi de Emanuel, que acabara de chegar à aula. Nitidamente, sua participação ajudou muito aos colegas na execução do ritmo de reggae: Se antes Tayrone e Teófilo quase não conseguiam executar a batida, quando passaram a observar Emanuel melhoram muito em sua performance. Apesar de não ser possível avaliar com precisão o quanto o Emanuel ajudou a cada um, certamente o sentido do reggae foi melhor compreendido pelos outros dois colegas. Esse ambiente cooperativo foi decisivo para que houvesse inclusão de todos no momento prático final, quando todos tocaram a batida de reggae em conjunto.

Como se pode notar nas observações, tanto na vídeo conferência 3 quanto na 4, um aspecto bem presente nos momentos em que houve senso de solidariedade, é que quando algum aluno era convidado a ajudar algum colega isso também servia como um estímulo para ele próprio, na medida em que ele se sentia valorizado por ser colocado como um modelo para os outros. Um trecho do diálogo de avaliação dos professores ilustra muito bem como percebemos a importância do auxílio mútuo, ao conversarmos sobre o que aconteceu na música “Debaixo dos caracóis” (observação 7 da vídeo conferência 3):

Paulo: Na sequência, vc deu a dica de montar o acorde de A com os dedos 2, 3 e 4. Vc enfatizou que assim ficaria mais fácil de trocar do A pra o B7.

Giann: Blz. Vou tentar fazer com que eles se ajudem mais.

Paulo: É, acho que ajuda muito fazer com que eles se observem pra tirar dúvidas. Desde que seja algo que eles tenham uma segurança razoável, claro. Vc perguntou se Tayrone estava conseguindo fazer a mudança do A e B7. Aí vc fez exatamente o que a gente estava discutindo há pouco.

Giann: Ok.

Paulo: Como Tayrone estava fazendo a mudança do A pra o B7 muito bem, usando os dedos que vc havia indicado pra Teófilo, então vc pediu pra Tayrone mostrar pra Teófilo como é que estava fazendo. É por aí mesmo, professor!

De fato, um ponto que nos despertou a atenção foi que essa oportunidade dada a Tayrone, de servir como modelo ao colega, parece tê-lo motivado a participar mais ativamente da aula. É o que se depreende pelo que aconteceu um pouco mais adiante, quando Tayrone conseguiu tocar o dedilhado da música “Debaixo dos caracóis”, e continuou executando-o, mesmo depois dos colegas pararem, por dificuldades em conciliar o trabalho das mãos direita e esquerda (dedilhado e troca de acordes). Ao perceber que Tayrone continuara tocando, o professor Giann o elogiou prontamente: “Valeu, Tayrone!”.

Não somente no caso de Tayrone, como também de Emanuel e Teófilo, o que verificamos foi que, à medida que os alunos se sentiam mais responsáveis pelo seu próprio aprendizado e pelo dos colegas, também aumentava o interesse em participar das aulas e se envolver nas tarefas propostas. Dessa forma, chegamos à lição de número 6:

Lição de Interação 6: Quando os alunos são colocados como modelos, sujeitos capazes de auxiliar os colegas, e de compartilharem a responsabilidade pela aprendizagem do grupo com o professor, a tendência é que estes se sintam mais motivados e incorporem o espírito de equipe.

3.2.4) Padrão 4: Facilidade de expressão – Síntese de vários pontos de vista

Para que se chegasse a esse padrão de interação, era necessário que os alunos já demonstrassem um nível de maturidade técnica e musical bastante razoável. Não foi por acaso que identificamos esse padrão justamente numa música muito conhecida da turma: “Que país é esse?”, do grupo Legião Urbana. Na observação 6 da vídeo conferência 2 registramos o seguinte:

Facilidade de expressão. Modelo como técnica e modelo como performance: O professor explica sucintamente e mostra como fazer a batida. Uma breve explicação sobre a técnica e maior tempo para aplicação dessa mesma técnica numa música envolve a turma. A demonstração da segunda batida foi mais sucinta ainda.

Síntese de vários pontos de vista (costura musical). Dar oportunidade para que os alunos toquem o que já sabem, mesmo quando isso não é conteúdo da aula, pode ajudar a tornar a performance mais musical. “Que país é esse?” soou bem melhor quando Erico tocou o solo.

A síntese de vários pontos de vista apareceu ainda de forma bem elementar, mas julgamos relevante apresentar essa primeira experiência mais reflexiva, e de melhor resultado musical, que aconteceu no curso. A transcrição do trecho em que aconteceu o padrão aqui analisado ajuda a compreender melhor o que aconteceu nesse ponto da vídeo conferência:

Giann: Vocês conseguiram fazer a batida, a variação, a segunda variação dela? Erico: Não lembro mais como é. Toca aí.

Giann: (Facilidade de expressão) Assim, olha, para aí um pouquinho (Giann toca a seqüência com a batida três vezes e pergunta se conseguiram. Todos começam a tocar. É difícil distinguir quem está tocando de acordo com o que Giann orientou. Erico começa a fazer o solo da introdução). Giann: Para aí um pouquinho. (Síntese: costura musical) Façam a primeira batida e Erico faça o solo. A primeira batida, a primeira. (todos começam a tocar. Clara3 fica tentando, mas não consegue trocar os acordes. Apesar de algumas dificuldades, principalmente no ritmo, Erico faz o solo várias vezes enquanto os colegas tocam a base. Tayrone começa a cantar também. A performance em grupo demonstra que os alunos têm uma experiência de fruição).

Giann: Aceleraram o ritmo aí, não foi, galera, no final?

3 Cumpre ressaltar que o professor Giann não procurou incluir a aluna Clara nessa atividade porque, ao longo

dessa vídeo conferência, já havia tentado fazê-lo várias vezes sem sucesso. Ela explicou que não havia estudado porque seu violão estava quebrado.

Emanuel: É porque ele é mais acelerado mesmo.

Erico: Se bem que o Legião Urbana tocando é mais lento (do que eles estavam fazendo no final. Erico e Emanuel conversam algo entre si).

Giann: Pessoal, deixa eu falar um coisa pra vocês. Essa música, ela pode ter outras variações de batida, e aí vocês podem testar botando alguém pra cantar, ou mesmo tentando cantar com outras. Acompanha o disco e tal, mas o importante é vocês manterem essa métrica, que a maioria conseguiu.

O trecho transcrito é o ponto culminante no estudo da música “Que país é esse?” e retrata como o professor aproveitou os conhecimentos prévios da turma. Ele escolheu um padrão de batida para que a turma fizesse enquanto Erico executaria o solo. Mesmo com o padrão de batida sendo variado durante a performance, o professor não se preocupou em fazer prevalecer o padrão que havia sugerido. Alguém poderia julgar essa atitude mais como uma mera “economia de tempo” (já que os alunos não conseguem fazer o que eu peço, vamos fazer assim mesmo), mas o fato é que as batidas que os alunos realizaram funcionaram bem. Aliás, é preciso lembrar que o objetivo principal nesse momento da aula era de aprender batidas ou levadas para o ritmo de rock. Por isso não houve muita ênfase na parte do solo nem na melodia cantada. Essas partes funcionaram mais como um complemento, para dar um sentido mais integral à música.

Merece destaque o fato de que a sensibilidade do professor foi decisiva para tornar essa costura musical possível. Mesmo que ainda houvesse problemas técnicos, a música fluiu de forma bastante consistente, possivelmente de modo similar àquele que milhares de adolescentes fazem “Legião Urbana” quando ensaiam em garagens ou tocam pelos corredores de escolas em todo o Brasil. É importante que a sala de aula seja um espaço para experiências dessa natureza, que acolham os saberes dos alunos, considerem sua identidade cultural e aproveitem todo o seu potencial musical. Sabemos de professores que impedem suas turmas de tocar e cantar em conjunto até que todos, ou pelo menos a

maioria, tenham resolvido os problemas técnicos a contento. Definitivamente, essa não é uma postura condizente com a filosofia de ensino coletivo de instrumentos.

A combinação do acompanhamento com a parte do solo, feita por Erico e, por último, com a melodia cantada por Tayrone produziu um resultado musical que demonstrava um real “conhecimento de causa”: Ainda que houvesse dificuldades técnicas, os alunos tinham uma boa idéia de como aquela música deveria soar. A execução da música ao instrumento e cantada, assim como os comentários de Erico e Emanuel, no final do trecho transcrito, revelaram o que Swanwick denomina de “evidência de compromisso pessoal por meio de um engajamento com determinadas obras, intérpretes e compositores” (2003, p.92). No caso dos garotos, realmente havia um nítido engajamento com a música do Legião Urbana.

Nesse padrão, registramos apenas “facilidade de expressão” antes da “síntese de vários pontos de vista”, mas o fato de não aparecerem explicitamente “inclusão” e “senso de solidariedade”, talvez revele apenas que os alunos não precisaram ser incluídos, nem se ajudarem muito para fazer a música, pois a performance fluiu praticamente sem que o professor precisasse intervir. Colocado de outra forma, o nosso argumento é que, para que se alcance um estágio de síntese de vários pontos de vista, especialmente de costura musical, é importante e talvez até imprescindível que haja, antes, algum espaço para facilidade de expressão, inclusão e senso de solidariedade. No entanto, é óbvio que isso dependerá da condição da turma, dos conhecimentos e saberes prévios que cada um já trouxer consigo. No caso da música “Que país é esse?”, só foi possível produzir uma performance musical integrando, em tão pouco tempo, acompanhamento (batida), parte solo da introdução e melodia cantada porque os alunos já conheciam bem a música, mesmo antes do curso e, além disso, certamente já a tocavam e cantavam, ainda que não cantassem de modo muito afinado.

A análise desse padrão nos levou às duas últimas lições deste módulo: