• Nenhum resultado encontrado

É presumida a lesão a bem extrapatrimonial daquele que surpreende sua cônjuge nua, no leito conjugal, na companhia

No documento 179rdj090 (páginas 159-163)

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005011118170-

3. É presumida a lesão a bem extrapatrimonial daquele que surpreende sua cônjuge nua, no leito conjugal, na companhia

de outro homem.

4. Nossos tribunais têm entendido que o dano moral deve ser fixado em montante suficiente à reparação do prejuízo, levando-se em conta a moderação e a prudência do Juiz, segundo o critério de razoabilidade para evitar o enriquecimento sem causa e a ruína do réu, em observância, ainda, às situações das partes. Constatado que a atividade laborativa da ré não se mostra compatível com a indenização fixada na sentença, deve o valor ser reduzido. 5. Recurso conhecido e parcialmente provido. Sentença reforma- da. (20060510086638ACJ, Relator SANDOVAL OLIVEIRA, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., julgado em 11/12/2007, DJ 03/06/2008 p. 162)

Conforme será demonstrado, o cabimento do dano moral está a depender das circunstâncias concretas da hipótese, não podendo admitir-se sua automática caracterização quando determinada relação conjugal chegou ao término por culpa exclusiva de um cônjuge em descumprir dever conjugal, como a fidelidade.

Nessa seara, é de se consignar hodiernamente a proeminente produção bibliografia advogando no sentido de que o instituto do dano moral não compor- taria restrições, em face do seu status de garantia constitucional. Isso com base no primado do art. 5º, V e X, da CF, em que “é assegurado o direito de indenização por dano material, moral ou à imagem” e “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Nesse sentido, entendem que deve ser admitido amplamente o direito moral em matéria de família, como na hipótese de dissolução conjugal por descum- primento de dever conjugal.

Vejo com olhar precavido essa construção, antevendo não só os efeitos pragmáticos de tal assertiva, como também o comprometimento da natureza do dano moral, como instituto jurídico.

No julgado mencionado da lavra desta Corte de Justiça, o descumprimen- to do dever de fidelidade implicou notória vergonha pública, haja vista a ciência da traição ter ocorrido mediante o flagrante da esposa desnuda com outro no leito conjugal. Nesse prisma, é de se realçar que se nota vínculo imediato entre a dor

moral e o compromisso de fidelidade, ou seja, a ciência da traição, naquelas cir- cunstâncias, associada ao dever de observância da fidelidade recíproca, cominaram em situação vexatória, de vergonha pública imediata, perfazendo os caracteres de dano moral. Ademais, tem-se que a conduta foi dolosa (intenção de prejudicar), ainda que na modalidade eventual, pois, ao trazer o amante para o leito conjugal, assumiu o risco de produzir o dano. Portanto, comprovada a “situação vexatória” e presente o dolo, foi perfeita a caracterização de dano moral.

Na hipótese dos autos, todavia, não se repetem esses elementos indis- pensáveis à caracterização do dano moral.

Na espécie, a ciência da traição deu-se após anos da separação de fato dos litigantes, de maneira que, solvido o vínculo, a aludida situação vexatória deve ser concebida em termos mais detidos, do que aquela conhecida com imediatidade.

Nessa oportunidade, frisa-se que não se está a negar a ocorrência de profundo abalo sentimental, todavia, data venia, há de se considerar que o decurso temporal entre o estado de plena vigência dos compromissos conjugais e a ciência da infidelidade comprometem a intensidade da dor moral. Assim, ao passo que a aferição do grau do abalo é inerente ao juízo de caracterização do dano moral, tenho que, na espécie, não foram preenchidos os requisitos necessários para imputar à violação do dever de fidelidade caráter de dano moral.

Ainda, destaco que, como no caso em epígrafe, o fator tempo é relevante para o exame, torna-se imperioso fazer a seguinte distinção.

Como foi reconhecida a inocorrência de prescrição, conforme decisão no primeiro grau, não há de se questionar a viabilidade de dedução judicial da pretensão reparatória, entretanto é certo que o decurso temporal acaba por forta- lecer a conclusão de que a caracterização do dano moral não se apraz com o abalo sentimental, o qual, remetendo-se a anos anteriores, não se projeta na atualidade com a intensidade exigida para a configuração de dano moral.

Traço esse raciocínio como medida de distinguir a presente hipótese daquela já apresentada, em que foi concedido dano moral a um cônjuge, cuja ver- dadeira paternidade dos filhos nascidos na constância do casamento foi-lhe omitida por anos a fio. Lá, embora a pretensão tenha sido deduzida igualmente depois de finda a relação conjugal, é inconteste que o dano moral perpetrado diferencia-se do dano examinado nessa oportunidade. Direito à ciência da verdadeira paternidade tem seus efeitos gravosos diferidos ininterruptamente no tempo, sem variação de grau. Agora, a dor oriunda de uma traição não se equipara a tanto, pois, ademais, é de se realçar que o vínculo entre pais e filhos é mais estável, e, portanto, apto a uma diferente tutela jurisdicional, do que a relação conjugal, sobremaneira, menos durável. Para tanto, basta lembrar que o ordenamento prevê instrumento para extinguir o vínculo conjugal (divórcio), enquanto que não cabe falar de extinção

da relação pai e filho. Em suma, vislumbra-se manifesta dessemelhança entre os casos.

Portanto, em sendo necessário ao cabimento do dano moral o exame das circunstâncias concretas da hipótese, a meu ver, a infidelidade, por si só, não gera via de regra causa de indenizar. Apenas configurará, como não ocorreu in casu, “quando a situação adúltera causa grave humilhação e exposição do outro cônjuge, aí sim a responsabilidade civil tem vez” (ACJ 2006 05 1 008663-8, Relator SANDOVAL OLIVEIRA, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., julgado em 11/12/2007, DJ, 03/06/2008, p. 162).

Dessa forma, esclareço e repito que essa inteligência respalda-se na cautela que idealmente deveria nortear os juízos de intervenção do Judiciário nas relações privadas. Autorizar a tutela jurisdicional como regra para reparar fracassos ou abalos afetivos é medida que pode acabar franqueando imediatamente ações temerárias e mediatamente o desprestígio do nobre labor judicante.

Eis o perigo da judicialização das relações sentimentais, pois como já dizia Clarice Lispector, “os sentimentos são sempre uma surpresa (...) Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer”.

Sendo assim, a tutela jurisdicional apenas deve socorrer os casos em que o dano, transcendendo o abalo sentimental individual, repercute em status vexatório, situação que não se fez presente na hipótese em colação, o que impõe o dever de reforma total da sentença combatida.

A título de honorários advocatícios, em consideração ao bem em litígio, a moral, cujo valor é inestimável, fixo a verba sucumbencial, em desfa- vor da autora, ora apelada, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, em R$ 500,00 (quinhentos reais). Contudo, atentando-se à peculiaridade da condição da apelada, hipossuficiente e assistida pela Justiça gratuita (fl. 52), embora cabível a condenação nas custas e honorários, no molde sobredito, a exigibilidade desta cobrança resta suspensa, pelo prazo de cinco anos, nos termos do art. 12, da Lei nº 1.060/1950.

Ante o exposto, pelos fundamentos supra, na parte em que conheço,

DOU PROVIMENTO à apelação, para, reformando a sentença combatida, julgar

improcedente o pedido reparatório inaugural. Em conseqüência, condeno à parte autora nas custas e honorários advocatícios arbitrados em R$ 500,00 (quinhentos reais), cuja exigibilidade resta suspensa por força do art. 12, Lei 1.060/50.

É como voto.

Des. Angelo Passareli (Revisor) - Com o eminente Relator. Desa. Carmelita Brasil (Vogal) - Com o Relator.

DECISÃO

Conhecer de parte do recurso, e na parte conhecida, dar provimento; unânime.

No documento 179rdj090 (páginas 159-163)