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Professor reflexivo/investigador: a metodologia de investigação-ação

4. Realização da prática profissional

4.3. Área 4 – Desenvolvimento profissional

4.3.1. Professor reflexivo/investigador: a metodologia de investigação-ação

Atualmente, um dos conceitos mais utilizados e discutidos no universo daqueles que se debruçam sobre a área da educação, especificamente quando se referem às novas tendências no âmbito da formação de professores é a reflexão e o professor como investigador.

Esta perspetiva em torno do professor possuidor de pensamento reflexivo surgiu com Dewey, filósofo da educação, em 1933, o qual defendia a importância do ato de refletir criticamente sobre as práticas educativas e que no ensino reflexivo se levava a cabo “…uma avaliação contínua de crenças, de princípios e de hipóteses face a um conjunto de dados e de possíveis interpretações desses dados” (Oliveira & Serrazina, 2002, p. 3).

Desde então, as potencialidades da reflexão como catalisador de melhores práticas têm sido defendidas por diversos autores (Alarcão, 2001; Roldão, 1999; Schön, 1992; Zeichner, 1993).

Neste contexto, Schön merece especial atenção, por se tratar de um autor que é frequentemente evocado no campo educacional, na medida em que o trabalho que desenvolveu exerce uma influência decisiva na forma como os profissionais de educação entendem, hoje, o conceito de reflexão (Oliveira & Serrazina, 2002).

As ideias preconizadas por Schön, a propósito da reflexão, têm sido abordadas por diferentes autores (Alarcão, 1996; Day, 2001; Oliveira & Serrazina, 2002; Roldão, 1999; entre outros). Neste sentido, estes autores, secundando Schön, afirmam que existem três momentos distintos, essenciais para a prática profissional: a reflexão na ação, a reflexão sobre a ação e a reflexão sobre a reflexão na ação.

Quando o professor reflete na ação fá-lo no próprio contexto onde ocorre a ação (Oliveira & Serrazina, 2002). Como refere Schön (1992), na reflexão na ação, o professor reflete ao mesmo tempo que atua, isto é, procura estar atento a acontecimentos que surgem no contexto da ação e em simultâneo tenta ir reformulando a sua ação em função da reflexão que faz sobre esses acontecimentos. Portanto, este tipo de reflexão faz com que o professor procure rapidamente uma solução e responda prontamente aos problemas que

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vão surgindo (Day, 2001). Ensinar é um modo de reflexão na ação (Oliveira & Serrazina, 2002).

Por sua vez, a reflexão sobre a ação pode ocorrer antes e/ou depois da ação, isto é, o professor pode refletir sobre a ação que ainda vai suceder ou sobre a ação que já sucedeu (Day, 2001). Este tipo de reflexão envolve uma maior ponderação, constitui uma reflexão mais aprofundada, mais cuidada, em que o professor analisa, (re)constrói e (re)formula a prática no sentido de prever e planear o futuro (Day, 2001). De acordo com Alarcão (1996), quando a reflexão sobre a ação ocorre depois da ação, isto é, quando é revista e analisada já numa fase posterior à ação, o profissional de educação faz uma análise retrospetiva da ação. Deste modo, tenta refletir sobre ela e, assim, ao percecionar a ação de modo diferente, toma consciência de aspetos menos explícitos da prática que permitir-lhe-á reformular a sua atuação, no sentido de melhorar o seu desempenho em termos futuros.

Schön (citado por Roldão, 1999, p. 105) sublinha a importância do “…papel da reflexão sobre e na ação como gerador de saber em permanente reconstrução dialéctica”. O mesmo autor afirma, ainda, que se o professor toma consciência desse processo tornar-se-á, efetivamente, competente, isto é “…capaz de agir, analisar e avaliar a sua acção e de modificar fundamentalmente a sua acção em desenvolvimento” (Schön, citado por Roldão, 1999, p. 105).

Por último, a reflexão que ajuda o professor a prosperar no seu desenvolvimento, bem como a construir o seu próprio conhecimento, diz respeito à reflexão sobre a reflexão na ação (Oliveira & Serrazina, 2002). Esta última permite ao professor, já distanciado da ação, analisar e refletir criticamente acerca do momento da reflexão na ação, tendo em consideração os factos sucedidos, a observação realizada e o sentido/significação que atribuiu a esses factos (Schön, citado por Oliveira & Serrazina, 2002). Neste sentido, e de acordo com Oliveira & Serrazina (2002), esta reflexão é orientada para uma ação futura, pelo que ajuda os profissionais a compreenderem novos problemas, procurarem novas respostas e descobrirem soluções para nortear ações vindouras.

Assim, conforme Schön (citado por Oliveira e Serrazina, 2002, p. 4), “o processo reflexivo caracteriza-se por um vaivém permanente entre acontecer e

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compreender na procura de significado das experiências vividas”. Portanto, através da reflexão crítica sobre o que se faz e como se faz pode surgir uma nova forma de compreender determinadas situações que, por sua vez, permite ao sujeito, que reflete, reformular as suas conceções e descobrir novas formas de agir em congruência com a análise/reflexão que vai realizando.

Tal como já se fez referência anteriormente, esta perspetiva de formação baseada num paradigma investigativo/reflexivo, que prevê o crescimento profissional a partir da análise/reflexão crítica das questões que emergem da prática, tem sido abordada por diversos autores. Neste sentido, também Zeichner (1993) concebe a prática reflexiva como uma dimensão essencial do trabalho do profissional de educação. A forma de agir do professor, concretamente as escolhas que este faz, possui implicações nos processos de desenvolvimento dos alunos.

Na mesma linha de pensamento, Arends (1995) salienta que um dos atributos mais importantes que carateriza um profissional de educação eficaz, diz respeito à sua capacidade de refletir criticamente sobre os efeitos da sua atuação pedagógica, desenvolvendo, deste modo, uma investigação em torno da sua própria profissão.

Também Day (2001) faz referência à importância da reflexão como elemento preponderante na qualidade da ação educativa. Este adianta que os professores “aprendem fazendo e beneficiam com as situações que combinam a acção e a reflexão” (Day, 2001, p. 160). Para o autor, ignorar o papel da reflexão traduz a incapacidade de compreender o seu potencial para influenciar a qualidade das experiências pedagógicas.

Assim, o processo de reflexão torna-se gerador de mudança e inovação quando o docente, com base nas suas preocupações, reflete sobre si mesmo e sobre as suas experiências educativas (Kortaghen, 2009).

Esta estratégia de formação do docente reflexivo que desempenha a dupla qualidade de professor, cuja função específica é ensinar (DL n.º 240/2001, anexo n.º2, ponto 2, alínea a), e investigador das suas próprias práticas com vista à melhoria das mesmas, surge, no campo educacional, sob o nome de metodologia de investigação-ação.

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De acordo com Moreira (2001, p. 21) há já algum tempo que esta metodologia se assume como uma “…estratégia de formação potencialmente conducente a uma maior autonomia e a um maior profissionalismo docente”.

A metodologia investigação-ação pressupõe a problematização da ação educativa, porque exige que o professor a repense sobre todas as suas práticas. Estas autorreflexões que podem ser realizadas antes, na e após a ação, tal como já foi mencionado anteriormente, consistem em momentos- chave no percurso formativo e profissional do professor, para que este adeque as suas práticas às necessidades e interesses dos alunos.

Este método de investigação caracteriza-se por um processo em espiral, formado por ciclos de planificação, ação, observação e reflexão (Moreira, 2001), como salienta a figura 3:

Figura 3 - Espiral de ciclo de investigação-ação adaptado de S. Kemmis & R. McTaggart (citados por Arends, 1995)

Conforme Moreira (2011), este processo começa com o desenvolvimento, por parte do professor, de um plano de ação/planificação flexível, com base nas necessidades identificadas no contexto. Após elaborada a planificação, o profissional de educação coloca-a em prática intencionalmente, observa para recolher evidências que a permitam avaliar e, posteriormente, essas evidências registadas serão alvo de reflexão.

Esta reflexão faz com que o profissional se debruce sobre os aspetos mais específicos da planificação (como os objetivos) e sobre a sua execução (como as estratégias utilizadas que visam a promoção e desenvolvimento dos objetivos) e servirá de base para a elaboração de uma nova planificação que dará início a outro ciclo (Moreira, 2011). Este processo verifica-se continuamente, isto é, com o tempo vão-se desencadeando novos ciclos de

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ação, cada vez mais rigorosos, contribuindo para a formação de profissionais críticos, capazes de explicar as suas ações e portadores de um discurso pedagógico rico e fundamentado com quadros teóricos de referência e de práticas refletidas.

A investigação-ação constitui-se, de facto, uma metodologia facilitadora da busca constante de saberes e sua renovação (Pourtois, 1981). É efetivamente através de uma prática reflexiva que o professor conseguirá maximizar as suas competências enquanto profissional de educação, tornar-se mais responsável, competente e promotor de mudanças, que provocarão efeitos na qualidade da educação, concretamente no desenvolvimento dos alunos.

Neste sentido, e de acordo com Zabalza (1994), acreditamos que um profissional sustentado neste modelo de ensino reflexivo/investigativo deve possuir um diário/portefólio como estratégia ou dispositivo de formação, onde aglomera todas as suas reflexões/narrativas escritas, que expressam a perspetiva pessoal da sua própria atuação (Zabalza, 1994). Embora a reflexão possa ser concretizada de diversos modos, a escrita é sempre a melhor maneira de estruturar o pensamento, de facilitar a tomada de consciência de situações e de exprimir perceções e emoções (Sá-Chaves, 2005; Zabalza, 1994).

Vieira & Moreira (2011, p. 42) afirmam a este prepósito que:

“Partindo da observação reflexiva das práticas, da contextualização dos saberes adquiridos (…), ou de processos investigativos vivenciados, o diário serve como veículo de ancoragem teórica e fundamentação para a acção, de modo a que a prática ganhe sentidos renovados e que o professor possa desenvolver a sua auto-direcção na acção”.

Foi partindo deste pressuposto que o EE converteu em palavras as suas ações pedagógicas, os seus pensamentos e a forma como encarava as suas próprias práticas. Isto é, após cada aula lecionada, o EE realizava uma reflexão individual, narrando sobre o seu trabalho na aula. O ato de escrever sobre a sua prática demonstrou-se um poderoso instrumento para o EE, pelo que se notaram importantes repercussões no seu desenvolvimento profissional. Isto porque, o facto de a escrita exigir um processo de análise mais lento obrigava- o a tomar maior consciência daquilo que estava a escrever, garantindo a

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transformação para a qualidade das práticas futuras. Além do mais, para Zabalza (1994, p. 94), “no processo de escrever produz-se um feedback autoproporcionado”, que permite clarificar ideias e modificar e/ou construir pensamentos, evidenciando, uma vez mais, a importância das reflexões na otimização das intervenções pedagógicas.

“Através da escrita reflexiva (…) os professores ganham voz e autoridade na construção do conhecimento profissional” (Vieira & Moreira, 2011, p. 42). A reflexão escrita constitui, de facto, um elemento crucial dos diários de formação (Zabalza, 1994). De acordo com o mesmo autor, os diários assumem-se como uma forma de analisar e descrever os conteúdos da prática, uma vez que incluem o pensamento dos professores no que diz respeito à sua ação nos contextos educativos, e ao modo como este encara a sua atuação. Refere ainda que, o ato da escrita é potenciador da capacidade reflexiva, pois no processo de escrita o profissional de educação “…expõe-explica-interpreta [a] (…) sua acção quotidiana” (Zabalza, 1994, p. 91), que por sua vez lhe permite questionar-se e refletir sobre situações reais da prática e procurar novas possibilidades para uma atuação mais eficaz.

A escrita permite que o professor evolua linguisticamente, assim como lhe possibilita o alcance de um discurso prático e de uma atividade profissional mais consciente, crítica e fundamentada (Zabalza, 1994). Ou seja, através da escrita reflexiva, o professor reencontra-se com a prática, onde vão emergindo questões nomeadamente acerca de "...como foi (...) [e] como deveria ser..." (Sá-Chaves, 2000b, p 24), que depois de refletidas e encontradas as respostas, poderão constituir-se como um veículo promotor de desenvolvimento profissional.

Neste âmbito, podemos inferir que, efetivamente, as reflexões escritas das aulas, que todas aglomeradas formam uma espécie de diário/portefólio formativo, proporcionaram ao EE o contacto com a sua evolução ao longo dos tempos. Dito de outro modo, as reflexões escritas das aulas constituem-se, de facto, como uma memória das aprendizagens do EE no âmbito do EP, visto que evidenciam as suas aprendizagens mais significativas, apresentam competências de autorreflexão e reconstrução das aprendizagens e expõem os pressupostos teóricos que o auxiliaram na compreensão de situações que fizeram parte da sua experiência profissional.

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Sá-Chaves (2005) defende a relevância do papel dos portefólios formativos, que são construídos por sucessivas reflexões escritas sobre a prática, na consciencialização crescente das suas capacidades e saberes.

De facto, as reflexões escritas das aulas tiveram muita utilidade para as ações futuras do EE, promovendo a sua evolução. Isto porque, ao descrever objetivamente sobre aquilo que vivenciou e sobre si próprio, nomeadamente acerca das suas motivações e sentimentos despertados, assumia quase como um sujeito distinto daquele que agiu, dado que só se consciencializava e compreendia alguns aspetos quando os mobilizava para o papel, corroborando com as ideias expressas por Zabalza (1994). Deste modo, o exercício de ciclos de experimentação-reflexão-experimentação-reflexão possibilitou ao EE tornar- se um profissional mais crítico e consciente, potenciando o desenvolvimento da sua autonomia, e, consequentemente, permitiu-lhe melhorar o seu desempenho pedagógico. É, efetivamente, fundamental que o professor faça este exercício (experimentar-refletir-experimentar) caso contrário tornar-se-á um mero técnico acrítico. Assim, torna-se imperativo que o professor seja revelador de um pensamento divergente, reflexivo e crítico. Claramente, deve refletir ao longo dos diversos momentos da sua ação, recorrendo a uma reflexão sobre a ação, na ação e para a ação, de modo a potencializar-se enquanto profissional de educação.

Em suma, um profissional de educação reflexivo é, então, aquele que se assume como investigador na prática e sobre a sua prática, de modo a enriquecer o seu próprio desenvolvimento profissional.

“Esta perspectiva pressupõe que ensinar é mais do que uma arte. É uma procura constante com o objectivo de criar condições para que aconteçam aprendizagens” (Oliveira & Serrazina, 2002, p. 6).