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4 PÁGINAS DE OUTRORA

4.5 Romancistas engajados e jornalistas no front

Com a chegada do presidente Getúlio Vargas ao poder, em 1930, segundo aponta Hallewell (2005, p. 464), aflora uma literatura que já vinha sendo acalentada desde a Semana de Arte Moderna de 1922, ou até antes, nas obras de Lima Barreto e Monteiro Lobato. Condizente com acontecimentos políticos e sociais que “anunciavam uma nova era de consciência nacional, despertando (ou tornando a despertar), nos brasileiros instruídos, uma preocupação nacional pelo país e os seus problemas”. Como o regime fracassou na solução de várias questões, cresceu o interesse por livros de cunho mais crítico sobre as mazelas brasileiras. Mas a produção aos poucos “estancou- se, à medida que um governo cada vez mais intolerante empenhava-se em reprimir qualquer crítica direta ou debate aberto”.

Muitos escritores do período apostaram na ficção política, profundamente mergulhada em aspectos da realidade, como explica Hallewell (2005, p. 464): “O leitor da nova classe média recebia com evidente satisfação obras sobre a decadência da velha aristocracia rural, tais como os romances do ciclo da cana-de-açúcar, de José Lins do

106 Rego (1901-1957) ou os textos de história social de Gilberto Freyre (1900-1987)”. Destaca-se nesse período o trabalho do editor José Olympio (1902-1990).

Enquanto, até 1935, como lembra Hallewell (2005, p. 503) a “ação das autoridades estava quase toda voltada para os jornais, sendo os livros pouco atingidos”, a partir da ditadura do Estado Novo, em 1937, teve início uma grande apreensão de obras literárias em todo território nacional, acompanhada da prisão de escritores como Jorge Amado (1912-2001), Graciliano Ramos (1892-1953) e Rachel de Queiroz (1910- 2003), e até mesmo autores “que tinham opiniões moderadas, como Gilberto Freyre, tiveram seus livros incinerados” (HALLEWELL, 2005, p. 505). Para Bulhões (2007, p. 131), romances como Suor (1934), de Jorge Amado, A bagaceira (1928), de José Américo de Almeida (1887-1980), O quinze (1930), de Rachel de Queiroz, e Vidas

secas (1938), de Graciliano Ramos, entre tantos exemplos, configuram um painel de

denúncias e reconhecimentos das “instituições anacrônicas e opressoras do país”. Não é exagero dizer que todo esse clima de resgate do social do Brasil e dos seus personagens do interior vai acabar deixando marcas profundas no jornalismo praticado em livros em toda segunda metade do século XX e até mesmo em tempos recentes. Autores consagrados na literatura, como Érico Veríssimo (1905-1975) e Antonio Callado (1917-1997) farão suas experiências no campo da não ficção no pós-guerra, demonstração de que é impossível definir o livro-reportagem no Brasil sem entender o pano de fundo da literatura e o envolvimento de tantos escritores com o fazer jornalístico cotidiano.

Pesquisadores como Hallewell (2005, p. 544) apontam uma expansão significativa da produção de livros no Brasil entre 1939 e 1945, correspondente a um interesse maior pela leitura durante a Segunda Guerra Mundial. Ponderando que é difícil chegar a números exatos devido à imprecisão das fontes, ele aposta na produção nacional de “oito milhões de livros em 1939, aumentando para 10 milhões em 1941, e talvez para 15 milhões em 1945”, com decréscimo posterior.

Dois escritores participaram da cobertura da Segunda Guerra Mundial junto ao

front: Rubem Braga (1913-1990), pelo Diário Carioca, e Joel Silveira (1918-2007), dos Diários Associados. Ambos trouxeram registros humanizados sobre cotidiano dos

pracinhas, observando com olhos de cronistas aquela realidade árida. Rubem Braga lançou, em 1945, Com a FEB na Itália; Joel Silveira reuniu as suas impressões sobre as

107 batalhas em Histórias de pracinhas (1945), relançado com um texto extra, em 2005, como O inverno da guerra.

Explicando seu trabalho aos leitores, no corpo do livro de crônicas da guerra, Rubem Braga (1996, p. 13) ressalta que sua ambição, quando foi escolhido como correspondente, era “fazer uma história de campanha”: “Está visto que eu não pretendia fazer uma história que interessasse aos técnicos militares, mas uma narrativa popular, honesta e simples, da vida e dos feitos de nossos homens na Itália”. No entanto, o escritor enfrentou censura, pois logo em seguida lamenta: “Não é de espantar, assim, que este livro de crônicas esteja tão longe de minha ideia primitiva”. Mesmo assim, segundo analisou Batista (2010, p. 272), seus relatos de guerra são um misto de “notas de campo expandidas, diário de bordo, relatório etnográfico, memórias e crônicas”, combinados com um olhar de forte conotação imagética. Ao lado do relato da angústia dos soldados e o horror da guerra, Rubem Braga não deixa de descrever a beleza da primavera na Itália e o sofrimento com o frio.

No primeiro capítulo de O inverno da guerra, intitulado “Não foi um passeio”, Joel Silveira conversa abertamente com o leitor a respeito de suas impressões como cronista-narrador. Conta que ficava irritado quando as pessoas lhe perguntavam se a vida de correspondente na Itália durante o conflito havia sido “um passeio” ou “sopa”, mas, com o tempo, deixou de incomodar-se com o chiste. Joel Silveira (2005, p. 9) reflete que “o diabo é testemunha de que não foi um passeio”, para, em seguida, com um estilo característico, destilar: “Muito pelo contrário: sofremos bastante lá no Apeninos. Medo, frio – muito frio – desconforto, e aquele constante odor de sangue velho e óleo diesel, que é o cheiro da guerra”. No final do mesmo capítulo, Joel Silveira (2005, p. 20) conclui: “Costumo dizer que cheguei à Itália com 26 anos e voltei com 40, embora lá só ficasse mais de oito meses”.

Joel Silveira ficou conhecido por suas reportagens políticas recheadas de sarcasmo e ironia, que lhe valeram o apelido de “víbora” por parte de Assis Chateaubriand. Reuniu seus textos em 19 livros de reportagens e crônicas, como Grã-

finos em São Paulo e outras histórias do Brasil (1946), História de uma conspiração

(1955), com Lourival Coutinho, Nitroglicerina pura (1992), em parceria com Geneton Moraes Neto (1956-2016), além de A milésima segunda noite da avenida Paulista (2003) e A feijoada que derrubou o governo (2004). Mais uma vez, percebe-se que os

108 jornalistas-cronistas tinham grande apreço pelo formato livro e por esse estilo, mais leve e com inserções pessoais na narrativa.