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RESULTADOS PISA 2018

4.5 A Educação Financeira e as condições de sua existência

respeito pelo direito de aprender dos licenciandos e compromisso com a sua 130 aprendizagem como valor em si mesmo e como forma de propiciar experiências de aprendizagem exemplares que o professor em formação poderá vivenciar com seus próprios estudantes no futuro; IV - reconhecimento do direito de aprender dos ingressantes, ampliando as oportunidades de desenvolver conhecimentos, habilidades, valores e atitudes indispensáveis para o bom desempenho no curso e para o futuro exercício da docência; V - atribuição de valor social à escola e à profissão docente de modo contínuo, consistente e coerente com todas as experiências de aprendizagem dos professores em formação; VI - fortalecimento da responsabilidade, do protagonismo e da autonomia dos licenciandos com o seu próprio desenvolvimento profissional; VII - integração entre a teoria e a prática, tanto no que se refere aos conhecimentos pedagógicos e didáticos, quanto aos conhecimentos específicos da área do conhecimento ou do componente curricular a ser ministrado; [...] (BRASIL, 2020, p.4).

Analisando esses princípios no contexto do licenciando em Matemática, percebemos na educação financeira uma forma de colaborar como tema integrador entre a formação e a prática docente, estando em consonância com os conteúdos da BNCC e descortinando possibilidades de práticas educativas interdisciplinares, que aproximam o saber matemático das reflexões sociais, envolvendo questões da sociedade em relação a consumo, preservação ambiental, desigualdade financeira na distribuição de renda, assimetria dos juros praticada no Brasil por instituições financeiras, malefícios de alimentos ultraprocessados para a saúde, inflação e perda do poder de compra do dinheiro, pagamentos de tributos e impostos e o seu retorno na forma de políticas públicas para os cidadãos.

Diante do escopo que foi apresentado, vamos analisar no próximo item a educação financeira e as condições de sua existência, haja vista que os documentos observados permeiam orientações que colaboram para a formação autônoma e crítica do estudante por meio situações que contemplam o seu letramento financeiro.

[...] toda introdução de um objeto do saber matemático em um ecossistema didático 131 não é automaticamente viável, e a existência deste objeto na noosfera não garante que seja implementado no sistema de ensino. Existe, assim, uma verdadeira barreira ecológica entre a noosfera e o sistema de ensino (ARTAUD, 1998, p. 121, tradução nossa).

Em virtude disso, defrontamo-nos com o seguinte questionamento: quais são as condições para que a educação financeira “viva” não apenas nos anos iniciais e finais do ensino fundamental, mas também no ensino médio de forma equilibrada?

Podemos considerar parte da resposta desta questão na lei do todo estruturado, apresentada pela primeira vez na tese de Landy Rajoson (1988) e reformulada por Artaud (1998, p. 111) da seguinte maneira: “um objeto não pode viver de maneira isolada; é necessário que ele tome seu lugar no seio de uma organização matemática – organização que pode ser inegavelmente desenvolvida”. De acordo com a autora, o questionamento ecológico estava presente nos primeiros estudos sobre os processos transpositivos, quando destaca:

A teoria da transposição didática identificava assim três grandes conjuntos de condições que permitiam aos matemáticos de existir no sistema de ensino.

Primeiramente, a matemática ensinada deveria ser compatível com seu meio social, em particular com a esfera de produção da matemática de um lado, e com a instituição dos “pais” pelo outro. Em seguida, a matemática ensinada deveria poder ser apresentada sequencialmente, as noções matemáticas se sucedendo sobre o eixo temporal linear do tempo didático (cronogênese). Enfim, elas deveriam definir duas relações institucionais, uma em posição de professor, e a outra em posição de aluno (topogênese) (ARTAUD, 1998, p. 104).

Na seção anterior, descrevemos sobre os esquemas de organizações presentes nos PCN, BNCC e CRMG, que mostram como a educação financeira pode ser relacionada com os conteúdos matemáticos. Entretanto, verificamos nas análises de outras pesquisas, que as ações pedagógicas envolvendo o estudo da educação financeira articulada às temáticas de Matemática e contextos diversos, ainda é muito incipiente no sistema de ensino brasileiro. Assim, Artaud (1998) esclarece não ser suficiente que exista no entorno de um objeto uma organização matemática adaptável, mas sim que essa organização matemática atenda às condições didáticas propostas, viabilizando o seu funcionamento de acordo com os diferentes contextos de ensino.

Logo, é muito importante para o estudante de licenciatura em Matemática conhecer as condições didáticas em que a educação financeira é apresentada nos livros didáticos, razão pela qual expomos no item a seguir.

4.5.1 A educação financeira do ponto de vista de pesquisas em alguns livros didáticos de 132 Matemática

O livro didático é um dos principais recursos de consulta utilizado pelos professores nos processos de ensino e aprendizagem, devido à política pública de distribuição de livros realizada por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Deste modo, ele pode trazer algumas evidências de como os conteúdos de educação financeira têm sido articulados pelos autores.

Destacamos algumas pesquisas que analisaram como os conteúdos de educação financeira são contemplados nas sessões de ensino do livro didático e que tipos de contextos são inseridos para favorecer práticas interdisciplinares.

Trindade (2017) fundamentou-se na Teoria Antropológica do Didático (TAD), a fim de analisar as Organizações Matemáticas (OM) e Organizações Didáticas (OD) de livros didáticos do ensino médio aprovados pelo PLND de 2015.

A autora supracitada adotou cinco critérios para analisar a coleção “NOVO OLHAR MATEMÁTICA”, do autor Joamir Souza da Editora FTD, publicada em 2013, São Paulo, composta por três livros do Ensino Médio e constatou que todos os três volumes abordam questões que incluem o consumo e atitudes éticas (primeiro critério). Somente dois livros da coleção, com uma atividade em cada livro, abordam o planejamento financeiro (segundo critério), o que compromete o letramento financeiro do estudante, que precisa compreender sobre o controle dos gastos a partir do salário (entrada de dinheiro). A coleção contempla fenômenos de natureza social, natural, sustentável ou econômica (terceiro critério). O consumo consciente (quarto critério) está contemplado no primeiro e segundo volume, concentrados nas unidades de Matemática Financeira e Estatística. A ausência do conteúdo referido no terceiro volume é preocupante, pois, na fase adulta, o jovem começará a tomar decisões de compra considerando formas de pagamento de acordo com sua condição e necessidade. As reflexões a respeito da conscientização, relevância e importância de reservas de financiamento e investimento (quinto critério) são observadas nos volumes um e dois da unidade Matemática Financeira, destacando que não houve abordagem desse critério no terceiro volume.

A autora esclarece ainda que:

[...] a abordagem dos cinco critérios pertinentes a Educação Financeira apresentados nessa pesquisa, contemplam os assuntos triviais dessa temática, viabilizando a capacidade do aluno de tomar decisões frente a situações financeiras, além de contribuir para a construção do conhecimento matemático em que o aluno conecte os assuntos nos livros com o cotidiano, para assim, ao final do ciclo, tornar-se um cidadão letrado financeiramente (TRINDADE, 2017, p. 127, grifo nosso).

Neste sentido, observamos que os livros analisados pela autora supracitada buscam 133 enquadrar a educação financeira apenas como um tema transversal para promover o ensino de conteúdos de Matemática, subestimando sua potencialidade de articular outros temas e contextos provenientes da realidade para favorecer as práticas interdisciplinares e congregar plenamente os critérios sugeridos por Trindade (2017).

A pesquisa de Azevedo (2019) analisou as atividades dos livros didáticos de Matemática aprovados no PNLD de 2017 identificando as que têm potencial para o trabalho com Educação Financeira. Foram usados livros de 11 coleções de Matemática dos anos finais do ensino fundamental de todos os anos, 6º, 7º, 8º e 9º anos, resultando em 44 livros.

O autor destaca que é possível encontrar atividades que atendem aos requisitos para educação financeira em todas as coleções analisadas do PNLD de 2017. Algumas coleções apresentaram bem mais atividade que outras. Entretanto, as atividades encontradas são, em sua maioria, curtas e pouco possibilitam discussões mais profundas sobre a temática. Além disso, apresentamcaráter pouco investigativo que, em sua grande maioria, necessita de um professor atento e bem instruído no que se refere a potencializar o letramento financeiro do estudante.

Também foram constadas pelo autor que a maior parte das atividades está no contexto algébrico e os eixos Geometria, Probabilidade e Estatística, e, Grandezas e Medidas não foram encontrados.

Comungamos com a consideração do autor:

[...] que é de extrema importância que a Educação Financeira esteja cada vez mais presente nas salas de aula, seja por atividades do livro didático ou por atividades postas pelo professor, mas que possibilitem uma visão crítica e atuante das futuras gerações, na perspectiva de construção individual e coletiva de uma sociedade mais justa e menos ingênua, em que mecanismos que sejam midiáticos ou não, pouco influenciem nas tomadas de decisão, que o consumismo deixe de ser a regra e passe a ser exceção e que a EF contribua para um mundo mais sustentável e sobretudo que escolhas sejam sempre feitas de forma consciente (AZEVEDO, 2019, p. 127).

Nesta direção, os livros didáticos apresentam atividades desarticuladas da realidade, havendo a necessidade de construirmos situações de investigação que possam articular a abordagem de temas como saúde, política, ética, consumo e pós-consumo para enriquecer mais ainda as referidas atividades.

Na pesquisa realizada por Kuntz (2019), foram analisadas duas coleções de livros didáticos do ensino médio, a primeira, Contato Matemática, dos autores Joamir Roberto de Souza e Jacqueline da Silva Ribeiro Garcia, Editora FTD; a segunda, Matemática Interação e

T|ecnologia, do autor Rodrigo Dias Balestri, Editora Leya, ambas com três volumes e aprovadas 134 pelo PNLD de 2018.

O autor analisou e identificou a presença de elementos da Matemática Financeira, para discutir como as coleções analisadas buscam atender às orientações dos documentos oficiais (PCN, PCN+ e BNCC) e fomentando a educação financeira. Segundo esse autor, as sessões de ensino das coleções analisadas parecem ainda ter um aspecto técnico (instrumental), já que não foram percebidas articulações com temas que oportunizem reflexões críticas, as quais favoreçam o desenvolvimento da educação financeira, salvo algumas exceções.

Neste sentido, o autor destaca que: “[...] pela recorrência de menções a contextos financeiros ou à Matemática Financeira, tal desenvolvimento seja possível, a depender da forma como o professor utiliza essas menções apresentadas nas coleções” (KUNTZ, 2019, p. 144).

Logo, buscamos favorecer a construção de uma relação com o saber alicerçado na integração disciplinar à vida em sociedade, visando ampliar, para além dos muros da escola, a educação financeira do cidadão, já que tal cenário emana discussões que envolvem diversas práticas sociais, práticas estas que tratam de questões de consumo com impacto nas relações do dinheiro, envolvendo planejamento, sustentabilidade, desigualdade, saúde, comportamento, ética e direitos.

No capítulo a seguir, apresentamos a fundamentação teórica que fornecerá subsídios para as respostas que procuramos.

CAPÍTULO 5 135

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A fundamentação teórica, ora abordada, consiste na aplicação da Teoria das Situações Didáticas (TSD) e nos pressupostos da Dialética Ferramenta-Objeto. A escolha da TSD para guiar a pesquisa, justifica-se em função do problema apresentado, qual seja investigar que variáveis didáticas presentes na aplicação de uma sequência didática potencializam o letramento financeiro do estudante de licenciatura em Matemática, observando as interações estabelecidas entre o professor, o aluno e o saber. Já os pressupostos da Dialética Ferramenta- Objeto nortearão a construção de conceitos de juros na Matemática Financeira e a compreensão do objeto de estudo em diferentes quadros (numérico, algébrico, gráfico e estatístico) e, ainda, em contextos diversos (social, financeiro e empreendedor), usando a perspectiva de cenários para investigação.