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RESULTADOS PISA 2018

3.2 Ensino de Matemática Financeira na licenciatura em Matemática

Os cursos de Licenciatura em Matemática têm como objetivo principal a formação de professores para atuarem na Educação Básica, conforme o perfil destacado no Parecer do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior (CNE/CES) referente às Diretrizes Nacionais para os cursos de Licenciatura em Matemática, destacando as seguintes características:

visão de seu papel social de educador e capacidade de se inserir em diversas realidades com sensibilidade para interpretar as ações dos educandos;

visão da contribuição que a aprendizagem da Matemática pode oferecer à formação dos indivíduos para o exercício de sua cidadania;

visão de que o conhecimento matemático pode e deve ser acessível a todos, e consciência de seu papel na superação dos preconceitos, traduzidos pela angústia, inércia ou rejeição, que muitas vezes ainda estão presentes no ensino-aprendizagem da disciplina (BRASIL, CNE/CES, 2001, p.3).

Verificamos que o primeiro ponto supracitado destaca a capacidade do professor de atuar em contextos diversos, ou seja, conhecer o entorno do aluno para desenvolver ações compartilhadas, que possibilitem o ensino de Matemática integrado às experiências dos estudantes, e não somente atendendo às especificidades do conteúdo. No segundo ponto, a ênfase é dada à aprendizagem matemática como propulsora da formação cidadã do indivíduo,

sendo este capaz de ler o mundo a sua volta, compreender cenários envolvendo políticas sociais 96 e econômicas, as quais afetam seu bem-estar. E, por último, o terceiro ponto propõe uma visão de formação libertadora que transcenda os preconceitos do indivíduo incapaz, que não possui talento para aprender Matemática.

Observamos, ainda, que as habilidades e competências orientadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) (2001) para os currículos de Bacharelado/Licenciatura em Matemática devem contemplar:

a) capacidade de expressar-se escrita e oralmente com clareza e precisão;

b) capacidade de trabalhar em equipes multidisciplinares;

c) capacidade de compreender, criticar e utilizar novas ideias e tecnologias para a resolução de problemas;

d) capacidade de aprendizagem continuada, sendo sua prática profissional também fonte de produção de conhecimento;

e) habilidade de identificar, formular e resolver problemas na sua área de aplicação, utilizando rigor lógico-científico na análise da situação-problema;

f) estabelecer relações entre a Matemática e outras áreas do conhecimento;

g) conhecimento de questões contemporâneas;

h) educação abrangente necessária ao entendimento do impacto das soluções encontradas num contexto global e social;

i) participar de programas de formação continuada;

j) realizar estudos de pós-graduação;

k) trabalhar na interface da Matemática com outros campos de saber (BRASIL, CNE/CES, 2001, p.4).

Percebemos que essas habilidades e competências orientadas nas DCN (2001) devem permear igualmente as formações do Bacharel e do Licenciado. O documento acrescenta também habilidades e competências próprias do educador matemático. Assim, o licenciando em Matemática deverá possuir as capacidades de:

a) elaborar propostas de ensino-aprendizagem de Matemática para a educação básica;

b) analisar, selecionar e produzir materiais didáticos;

c) analisar criticamente propostas curriculares de Matemática para a educação básica;

d) desenvolver estratégias de ensino que favoreçam a criatividade, a autonomia e a flexibilidade do pensamento matemático dos educandos, buscando trabalhar com mais ênfase nos conceitos do que nas técnicas, fórmulas e algoritmos;

e) perceber a prática docente de Matemática como um processo dinâmico, carregado de incertezas e conflitos, um espaço de criação e reflexão, onde novos conhecimentos são gerados e modificados continuamente;

f) contribuir para a realização de projetos coletivos dentro da escola básica (BRASIL, CNE/CES, 2001, p.4).

Desta forma, o Parecer CNE/CES (2001) orienta que o projeto político pedagógico de um curso de licenciatura precisa ser constituído de modo a integrar esses dois grupos de habilidades e competências. Tornar-se um profissional, um professor de Matemática, é um

processo que depende de equilíbrio das capacidades supracitadas e da formação inicial 97 oferecida pelo curso de licenciatura.

Um estudo realizado pela Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM) e pela Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), divulgado em edição especial no Boletim SBEM (2013), intitulado “A formação do professor de Matemática no curso de licenciatura: reflexões produzidas pela comissão paritária SBEM/SBM”, resultou em um documento que está estruturado em quatro partes, a saber:

Na primeira, temos a apresentação de um breve panorama sobre a formação de professores no Brasil; no segundo tópico, há uma reflexão sobre a licenciatura enquanto espaço inicial de formação de professores para a prática docente escolar em matemática; em seguida, apresenta-se uma reflexão sobre alguns elementos constituintes do currículo da licenciatura em matemática e, por fim, temos a reflexão sobre dezessete temas considerados essenciais para a formação do futuro professor de matemática em um curso de licenciatura. (SBEM, 2013, p. 1).

Trataremos da última parte sobre temas considerados importantes para a formação do futuro professor de Matemática em um curso de licenciatura, as quais fazem parte dos interesses de nossa pesquisa.

Um dos enfretamentos do professor de Matemática na Educação Básica é encontrar conexões entre o saber matemático, frequentemente, dividido de forma linear no currículo do ensino básico e os contextos que contribuem com a aprendizagem do estudante. Assim, percebe-se um dos objetivos do ensino de Matemática na Educação Básica é a formação do estudante capacitado, hábil a integrar a sociedade com habilidades e competências em Matemática aplicada, aquela solicitada pela sociedade e demandas do entorno. Para tais evidências é fundamental que o currículo de licenciatura contemple o saber, que prepare convenientemente o futuro professor, possibilitando-o interagir com as aplicações da referida disciplina de forma mais relevantes para a humanidade, tal como tratamento matemático de situações-problema do mundo real e noções de matemática financeira, que são essenciais ao exercício dos direitos do cidadão.

A pesquisa de Sá (2013) revelou que a disciplina de Matemática Financeira, quando presente nas matrizes curriculares dos cursos de licenciaturas, nem sempre está formatada com a preocupação de formação de professores para a escola básica.

Neste sentido, o estudo de Sá (2013) avaliou projetos político-pedagógicos e matrizes curriculares de cursos de licenciatura em Matemática, assim como documentos da legislação educacional brasileira relacionados à formação de professores nesta área do conhecimento. O autor constatou que a disciplina Matemática Financeira, para alcançar seu objetivo principal de

transcender o aspecto instrumental do currículo de cálculos financeiros, precisa ter um enfoque 98 específico para formação de professores na perspectiva da Educação Matemática Crítica e ministrada por docentes com vivência na escola básica e com preparo específico para tal função.

Assim, queremos corroborar com o viés apontado na pesquisa de Sá, através do qual o autor aponta que a disciplina de Matemática Financeira nos cursos de licenciatura precisa ir além dos cálculos financeiros fundamentados nos objetos matemáticos (porcentagem, juros simples e compostos, descontos e empréstimos, por exemplo), precisa discutir o consumo sustentável, os contornos sociais, emocionais e cognitivos que levam as pessoas a tomarem decisões por impulso, sem criticidade.

Nesta direção, Kistemann Jr. (2020) propõe ir além dos temas sugeridos pela ENEF no contexto brasileiro (planejamento financeiro, economia, serviços financeiros, crédito e juros, investimentos, previdência social, seguros, capitalização, e proteção e defesa do consumidor) e das orientações da OCDE (formar pessoas apenas com habilidades e competências de caráter instrumental, com o propósito de tomar suas decisões e consumir produtos financeiros). Ele propõe uma ampliação desses temas, incorporando outros a essa listagem:

[..] ações éticas de consumo e investimentos, papel dos impostos, ações sustentáveis e uso de produtos que promovam o equilíbrio ambiental, psicologia comportamental e consumo, pobreza e exclusão social, questões de gênero e consumo, empoderamento do consumidor para se defender de empresas que desrespeitem o Código de Defesa do Consumidor (CDC), inclusão das ditas minorias sociais, adequação de materiais para a população surda e cega e com deficiências diversas, temas que problematizem o uso de fontes renováveis de energia, uso de tecnologias e dispositivos para a organização financeira e tomadas de decisão em contexto escolares e extraescolares, mercado de trabalho e o tornar-se consumidor e o papel da economia na vida do cidadão (KISTEMANN JR.,2020, p.46).

Percebemos o quão a proposta de educação financeira precisa ser ampliada nas discussões escolares que envolvem a formação do cidadão crítico, consciente e autônomo para agir em seu entorno em relação às propostas direcionadas pela OCDE e a ENEF, que dão ênfase aos procedimentos instrumentais, os quais apontam que o indivíduo deve aprender desde cedo a lidar com o planejamento financeiro para concretizar sonhos e aspirações durante as diversas fases da vida.

Contrapondo a esse modelo, concordamos com Campos (2020), que acrescenta:

A inserção da vertente comportamental no âmbito da educação financeira precisa ser estudado de forma mais abrangente e aprofundada, principalmente no que se refere à sua inserção na escola básica, buscando estratégias pedagógicas voltadas para isso.

Nesse contexto, a vertente crítica da educação financeira também precisa ser melhor investigada em seus contornos relacionados ao consumismo e ao endividamento. A escola e a academia devem fazer a sua parte para não deixar os cidadãos abandonados

à sua própria sorte, senão corremos o risco de estar apenas enxugando gelo com a 99 ENEF (CAMPOS, 2020, p. 74).

Não adianta criar cartilhas de orientação sobre finanças pessoais impondo controle de despesas e corte de gastos supérfluos ao cidadão e permitirem que instituições financeiras possam persuadir o comportamento financeiro das pessoas, oferecendo cartões de crédito com limite três ou quatro vezes maior que sua renda, disponibilizando linhas de crédito para torná- lo refém dessas instituições. É preciso, conforme Campos (2020) sabiamente destaca, que a escola discuta tais questões em seu contexto, revelando aos estudantes que vivemos numa sociedade de devedores (conforme destacado nos gráficos a seguir), em que muitas pessoas estão acostumadas a consumirem dívidas. A consequência é o comprometimento da saúde física e psíquica e, até mesmo, de relacionamentos afetivos entre casais, nos quais um esconde do outro seu nível de endividamento.

Gráfico 7 – Percentual de Famílias Endividadas (% do total)

Fonte: CNC, 2022, p.3

Gráfico 8 – Principais tipos de dívidas 100

Fonte: CNC, 2022, p. 10

O Gráfico 7 mostra que o percentual de famílias endividadas é praticamente crescente em todo período, que corresponde mar./21 (67,3%) até mar./22 (77,5%). Esse aumento está diretamente relacionado ao cardápio de produtos financeiros consumidos pelas famílias para se sentirem empoderadas na sociedade, a saber: cartão de crédito, cheque especial, cheque pré- datado, crédito consignado, crédito pessoal, carnês, financiamento de carro, financiamento de casa e outras dívidas de acordo com os indicadores do Gráfico 8.

Essa pesquisa da CNC revela que uma sociedade doente financeiramente em relação às atitudes, comportamento e planejamento precisa de educação financeira e o melhor remédio para se tratar desse mal é a educação pelo consumo sustentável, ético e consciente contra a educação para o consumo, que impõe o endividamento como premissa de conquista de sonhos e desejos em curto tempo.

É exatamente nesse contexto que nossa pesquisa se revela com potencial para corroborar com a queda do números apresentados; logo, potencializar o letramento financeiro de estudantes de licenciatura em Matemática, a fim de iniciarem sua prática docente, conscientes de que existem caminhos na Educação Matemática que podem intervir no modo de educar financeiramente crianças, jovens e adultos.

3.3 Caracterização do termo concepção 101

Percebemos, na revisão de literatura, a polissemia da palavra concepção nas pesquisas em Educação Matemática e a presença de alguns significados em função do contexto teórico.

Silva (2018) utiliza, em sua tese de doutorado, a palavra concepção ao abordar a Teoria das Representações Sociais, quando o sujeito se apropria de um conceito científico. A autora

“investiga se há mudanças ou adaptações feitas em relação ao conhecimento científico dos juros quando ela (a mudança) passa do âmbito do conhecimento sistematizado para o conhecimento produzido pelo senso comum, incluindo aí a escola” (SILVA, 2018, p.79, grifo nosso).

Rolim (2014), ao destacar a dimensão pedagógica do trabalho interdisciplinar e suas contribuições ao processo de ensino e aprendizagem em sua pesquisa, argumenta que, de forma geral, “as concepções” retratam o modo particular de como utilizamos e elaboramos o pensamento sobre nossa experiência e, também, na elaboração comparada com a experiência dos outros, compartilhando ideias.

Em nossa pesquisa, utilizaremos o termo concepção levando em consideração sua definição segundo Artigue citada por Almouloud (2007), em que a autora

define uma concepção como um ponto de vista local sobre um dado objeto, objeto caracterizado por situações que lhe servem de ponto de partida (situações ligadas à aparição da concepção ou para as quais ela constitui um ponto de vista particularmente bem adequado); situações de representações mentais, icônicas, simbólicas;

propriedades invariantes, técnicas de tratamento, métodos específicos (implícitos ou explícitos) (ALMOULOUD, 2077, p. 154).

Nesta direção, tomaremos o uso do termo concepção para as realizações didáticas durante as oficinas de educação financeira, ou seja, observar e analisar as argumentações dos Estudantes de licenciatura e como as variáveis didáticas escolhidas contribuem com o desenvolvimento de habilidades de letramento financeiro para que os estudantes consigam compreender possibilidades de práticas educativas sobre educação financeira, assumindo o papel de futuro professor da educação básica.

Desta forma, destacamos a importância de compreender quais os conhecimentos de domínio da educação financeira mobilizados e articulados pelos estudantes da licenciatura frente ao comportamento e desenvolvimento de atitudes implícitas no contexto financeiro de compra, oferta de crédito e investimento e consumo sustentável.