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RESULTADOS PISA 2018

2.6 A Educação Matemática Crítica e a Prática Docente

poderão potencializar o letramento financeiro do estudante de licenciatura em Matemática. A 63 utilização de gráficos estatísticos (Gráfico 5) provenientes de estudos que retratam os aspectos socioeconômicos tratados sob o ponto de vista de medidas, como a média aritmética, são indícios de variáveis didáticas que aguçam a presença da matemática na perspectiva crítica, que contesta os resultados, mostrando que os valores estampados no gráfico não retratam o contexto real da sociedade.

Um aspecto importante que observamos em relação à formação do professor de matemática na perspectiva de educador matemático foi compreender como inserir esta preocupação de ensino conciliando os conteúdos curriculares de matemática com situações provenientes de educação financeira nas atividades e nos modos de trabalho da formação.

Inicialmente, buscamos orientações nos pressupostos da Educação Matemática Crítica de Ole Skovsmose para pensarmos a prática docente a partir de cenários para investigação.

externo, que elabora as atividades pensando em um estudante hipotético, e não leva em 64 consideração a diversidade de contextos sociais existentes em um país continental como o Brasil.

O autor contrapõe esta proposta de ensino tradicional com uma abordagem de investigação preocupada com:

[...] o desenvolvimento da materacia, vista como uma competência similar à literacia caracterizada por Freire. Materacia não se refere apenas a habilidades matemáticas, mas também à competência de interpretar e agir numa situação social e política estruturada pela matemática. A educação matemática crítica inclui o interesse pelo desenvolvimento da educação matemática como suporte da democracia, implicando que as microssociedades de salas de aulas de matemática devem também mostrar de democracia (SKOVSMOSE, 2008, p. 16).

A partir deste recorte, podemos pensar na educação financeira como instrumento de materacia para o desenvolvimento de ações de cidadania, tendo a Matemática inserida nesse processo de leitura e argumentação de fatos sociais. Por exemplo, a investigação que trata do consumo responsável na hora de pegar um produto na gôndola do supermercado, que aspectos podem ser discutidos para emancipação da responsabilidade: preço mais baixo, melhor qualidade, tradição da marca ou preferência familiar? São fatores que costumam ser levados em conta no momento da compra. Outros contextos que podem contribuir com um cenário para investigação é a leitura e interpretação de tabelas que abordam o contexto de contas de água e energia elétrica para compreensão do cálculo do valor dessas faturas e tabela do Imposto de Renda de Pessoa Física para compreensão do cálculo do imposto de renda numa folha de pagamento.

Estas questões colaboram com cenários para investigação, nos quais o estudante refletirá sobre suas ações no plano social, econômico e ambiental, percebendo as relações de seu nível de consumo e os efeitos na sociedade.

Segundo Skovsmose (2008), um cenário para investigação é:

[...] aquele que convida os alunos a formular questões e a procurar explicações. O convite é simbolizado por seus “Sim, o que acontece se...?”. Dessa forma, os alunos se envolvem no processo de exploração. O “Por que isto?” do professor representa um desafio, e os “Sim, por que isto...?” dos alunos indicam que eles estão encarando o desafio e que estão em busca de explicações. Quando os alunos assumem o processo de exploração e explicação, o cenário para investigação passa a constituir um novo ambiente de aprendizagem. No cenário para investigação, os alunos são responsáveis pelo processo (SKOVSMOSE, 2008, p. 21).

Nesse sentido, a educação financeira constitui um grande potencial para propor um 65 cenário para investigação no ensino de temas como números e estatística. Ela envolve vários contextos sociais que contribuem para aceitação do convite, aumentando as chances de um grupo de estudantes se envolverem em uma exploração acerca dessas temáticas.

Podemos pensar num exemplo de cenário para investigação usando a educação financeira a partir de uma proposta que reflita os números nos altos lucros dos maus hábitos.

Segundo informações do portal do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec, 2021), muitos produtos que comemos são prejudiciais à saúde e bem-estar, sem sabermos. Por isso, há pelo menos seis anos, o Idec defende o direito de saber o que comemos, pressionando os responsáveis por mudanças nas regras dos rótulos dos alimentos.

Ou seja, produtos ultraprocessados como refrigerantes, biscoitos, macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote, molhos prontos, dentre outros, escondem características perigosas em meio às informações técnicas, complicadas e, muitas vezes, enganosas. O resultado é um crescimento assustador nos índices de obesidade, diabetes, doenças do coração, pressão alta, câncer e outras doenças crônicas, conforme gráfico a seguir.

Gráfico 6 - Mortes por doenças crônicas10 66

Fonte: Ministério da Saúde, 2021.

Diante destas informações, os estudantes são convidados a explorar as causas destes valores em seu contexto social através de indagações como:

✓ Quais tipos de gorduras são utilizados nos produtos pela indústria alimentícia e como é o critério de escolha?

✓ O consumidor é informado sobre as reais características de um produto, exibindo alertas na parte da frente das embalagens? Se não, que rotulagem seria adequada?

10 Disponível em <https://idec.org.br/embalagem-ideal>. Acesso em: 08 jan. 2021.

✓ Qual o número de registros no Sistema Único de Saúde (SUS) de pacientes que possuem 67 obesidade, doenças cardiovasculares, câncer, doenças respiratórias e diabetes?

✓ Que setores da indústria têm lucrado com o aumento dessas doenças?

✓ Como a publicidade contribui para seduzir o consumidor?

Estas questões geram oportunidades de envolver as temáticas de números e estatística no estudo de porcentagem, taxas, índices, medidas e gráficos estatísticos, o que os direciona também para os esclarecimentos que não serão os medicamentos que solucionarão os problemas provenientes do excesso de comida industrializada. Aumentar gastos com exames, medicamentos de prevenção e recuperação, tratamentos severos, hospitalizações e cirurgias corretivas é a pior saída para uma causa totalmente conhecida, mas de difícil enfretamento por causa da disputa pelo poder econômico.

Acreditamos que, ser educado financeiramente não consiste somente em aprender a economizar, cortar gastos, poupar e acumular dinheiro. É muito mais que isso. É buscar uma melhor qualidade de vida tanto hoje quanto no futuro, proporcionando a segurança material necessária para aproveitar a da vida dispondo de saúde física quando chegar a época da aposentadoria. Dessa forma, sugerimos envolver a educação financeira numa discussão que aborde a dimensão espacial em dois níveis: pessoal e social, e a dimensão temporal igualmente em dois níveis: presente e futuro.

Logo, um dos principais desafios da Educação Matemática é proporcionar aos estudantes uma aprendizagem na qual eles sejam sujeitos protagonistas de seus conhecimentos.

Para Skovsmose (2014, p. 45), “um cenário de investigação é um terreno sobre o qual as atividades de ensino-aprendizagem acontecem”, ou seja, é pensar em aprendizagem como ação do sujeito na mobilização de estratégias para validar suas afirmações, promovendo um pensamento autônomo, livre de reprodução e modelos prontos.

Portanto, a Educação Crítica tem a preocupação em desenvolver uma educação matemática comprometida com a democracia, contribuindo para promover o pensamento matemático do estudante para agir e refletir sobre as ações do conhecimento na vida em sociedade. Os estudantes hoje confrontam o mundo por meio da comunicação eletrônica e, com certeza, isso lhes oferece uma liberdade que a sala de aula não oferece, com os variados tipos de acesso. Esta sensação de liberdade máxima, os conduzem a criar uma identidade própria e um excesso de informação, que gera a dúvida e a incerteza. É nessa linha tênue que o professor tem que atuar, levar o estudante a agir pela razão, orientando-o na construção do conhecimento.

Pois, esse excesso de informação, acaba por desmotivar e até amedrontar o estudante a aceitar 68 o ensino proposto pelo professor.

Assim, o professor está ou é constantemente forçado a se reinventar, é uma tarefa que precisa ser executada permanentemente porque os arredores sempre mudam, as oportunidades sempre se renovam e isso reflete na forma como o professor se posiciona em sua prática.

Neste sentido, buscaremos a seguir compreender as funções e o funcionamento social nas sociedades contemporâneas e as relações mantidas nos diferentes grupos sociais com a escola e o saber.

2.7 A Sociedade de consumo em Bauman e considerações sobre o capital social em