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RESULTADOS PISA 2018

2.5 Educação financeira e a formação inicial do professor de Matemática

civil organizada e com vistas à promoção da cidadania e a consolidação de ações educacionais 56 fundamentadas na realidade, comprometida com as diversidades culturais presentes no país.

Diante deste desafio de criar as condições necessárias para formular, implementar e fomentar a educação financeira voltada para os diversos grupos de estudantes, necessitamos também refletir sobre a formação dos futuros professores de Matemática, os quais irão ocupar as salas de aula, com intuito de que se engajem nessa proposta.

estudantes. Aqui vislumbramos a educação financeira como campo fértil para construções de 57 cenários, através dos quais a matemática faça sentido para os estudantes, oportunizando a interlocução entre a matemática mobilizada e construída por eles e aquela fruto da produção humana. Para exemplificar essa possibilidade, trazemos uma atividade que faz parte da sequência didática desenvolvida nas oficinas para coleta e produção de dados e que pode contribuir como um cenário exploratório de investigação, usando a educação financeira.

Inflação!

Você sabe o que é inflação? Descreva o que sabe.

➢ O objetivo da atividade é apresentar a ideia de inflação e índice de inflação como possibilidade de fazer escolhas conscientes ao administrar os recursos financeiros. A atividade também possibilita uma retomada dos conceitos de razão, porcentagem e variação percentual.

➢ Orientações: O valor da tarifa do transporte público ou um quilo de arroz não custam hoje o que custavam há 5 anos atrás. O aumento contínuo e generalizado dos preços é conhecido como inflação. Para entender um pouco mais, assista o vídeo:

https://www.youtube.com/watch?v=ZZEFReskU0Y

➢ Você sabe o que é índice de inflação? Existem diferentes índices de inflação, mas todos se relacionam aos preços de uma cesta de produtos. É um número expresso em forma de porcentagem, que mostra a variação dos preços entre duas determinadas datas.

➢ Em setembro de 2019, um quilo de feijão preto custava R$4,12 e, em setembro de 2020, estava custando R$6,23. Se considerarmos apenas o preço do feijão, qual foi o índice de aumento em 1 ano? Em sua opinião como podemos fazer esse cálculo?

➢ Carlos tem acompanhado nos telejornais notícias sobre a inflação e está preocupado.

Percebeu que os produtos que comprava com um determinado valor no ano anterior, não consegue mais comprar neste ano. A tabela abaixo mostra os preços de alguns produtos, complete o que falta:

Tabela 3: Preços de produtos da cesta básica (1) 58 Produto Valor em

set. 2019

Valor em set. 2020

Diferença 𝑫𝒊𝒇𝒆𝒓𝒆𝒏ç𝒂 𝑽𝒂𝒍𝒐𝒓 𝒆𝒎 𝟐𝟎𝟏𝟗

Taxa de aumento Feijão preto (1 kg) 4,12 6,23

Óleo soja (900 mL) 3,45 5,12 Arroz f. fino (1 kg) 2,62 3,70

Alho (1kg) 15,93 24,90

Açúcar Cristal (1kg) 1,63 1,96

Fonte: SEDETA Prefeitura JF7 – Elaborada pelo autor

➢ Encontre a diferença entre o valor total gasto em setembro de 2019 e setembro de 2020 e calcule o índice de inflação, considerando esta diferença.

➢ Quais produtos tiveram aumento de preço acima do índice de inflação?

Em síntese, essa situação coloca em evidência o pensamento matemático dos estudantes em ação e em processo de construção e, também, o saber do professor diante de seu exercício profissional, qual seja um saber interdisciplinar, entrelaçando aspectos da economia doméstica e números (razão, porcentagem e variação percentual) do campo da matemática e, aspectos didático-pedagógicos na elaboração da atividade e, por conseguinte, a mediação da aprendizagem na interação com os estudantes. Isso requer, na formação do professor, a compreensão da matemática enquanto saber de relação com contextos da sociedade.

De acordo com Ponte (2014) é fundamental tanto na formação inicial, como na formação continuada esta articulação entre prática pedagógica e conteúdo. O autor acrescenta que:

[...] para aprender o seu ofício de ensinar Matemática a crianças, jovens ou adultos não basta aprender conhecimentos previamente sistematizados em disciplinas isoladas, é necessário integrá-los tendo em atenção as necessidades decorrentes das situações de prática que o professor é chamado a desempenhar (PONTE, 2014, p.

350).

Isso demanda, na formação do professor, conceber a matemática como domínio do saber e suas aplicações em contextos diversos para legitimá-la como disciplina na escola, compreendendo a necessidade de entender que a matemática é um instrumento de intervenção social para leitura e compreensão da realidade.

Logo, entendemos que essas questões precisam ser bem fundadas na formação inicial do professor para que este possa ter consciência da sua ação educativa na escola, atuando para

7 Disponível em: <https://www.pjf.mg.gov.br/secretarias/sedeta/pesquisas/cesta_basica/index.php>.

Acesso em: 11 set. 2020.

que o desenvolvimento do conhecimento promova a emancipação dos sujeitos, e não sua 59 exclusão social. Segundo Ponte (op. cit.), promover uma prática a partir de ideias que são conhecidas pelos estudantes (conforme atividade anterior), “integrando o conhecimento da Matemática com o conhecimento dos alunos”.

A BNCC para os anos iniciais e finais do Ensino Fundamental (BRASIL, 2017) destaca, em suas orientações, a educação financeira como tema integrador das questões oriundas da realidade do estudante, aproximando o conhecimento científico das ações direcionadas ao consumo, trabalho e dinheiro, sugerindo que o ensino seja adequado aos que ingressam na escola, valorizando e respeitando as experiências e os conhecimentos desses sujeitos.

No estudo realizado por Coutinho e Almouloud (2020), com 85 professores de Matemática da escola básica, para identificar tendências para o consumo responsável e ferramentas para o desenvolvimento do letramento de seus alunos, apontou para a necessidade do desenvolvimento de ações formativas iniciais e continuadas para que os professores recebam apoio didático e pedagógico, a fim de incorporar em suas práticas o desenvolvimento do letramento financeiro de seus alunos.

Neste sentido, existe a necessidade de criar oportunidades de aprendizagem dos conteúdos de educação financeira que potencializam o letramento financeiro dos futuros professores e como utilizá-los em contextos variados da prática docente, principalmente porque a educação financeira é uma área de conhecimento pouco desenvolvida nos cursos de licenciatura em Matemática, conforme manifestação de Moreira (2004),

A matemática acadêmica, predominante nos cursos de licenciatura, distancia os futuros professores dos modos próprios de crianças e jovens da escola básica fazerem matemática, de mobilizá-la e comunicá-la, sendo essa uma etapa fundamental à formação matemática dos alunos (MOREIRA, 2004 apud FIORENTINI; OLIVEIRA, 2013, p. 931).

Tal abordagem reforça a ideia de que a educação financeira é importante para o saber docente e que a matemática escolar não se reduz unicamente ao saber acadêmico e científico.

Por isso, é importante pensar a formação do professor de matemática tendo como referência o profissional que atuará na escola de educação básica. Essa preocupação também é manifestada por Kistemann Jr. (2020), quando destaca:

[...] é preciso compreender a importância da Matemática na tomada de decisões econômicas, transcendendo a mera manipulação de fórmulas nos conteúdos financeiros, de modo que os problemas matemáticos abordados tenham significado para o indivíduo-consumidor e os temas problematizados carecem estar alinhavados em práticas sociais, articulados a dimensões da cultura individual e social (KISTEMANN JR., 2020. p. 48).

60 Na perspectiva apontada pelo autor, percebemos a necessidade de uma formação matemática do professor que contemple uma abordagem problematizadora e reflexiva, que explore o contexto social usando conteúdos de matemática do ensino básico, tais como estatística envolvida no contexto de taxa e índices de natureza socioeconômica, progressões aritmética e geométrica envolvendo a noção de juros a partir de um contexto relacionado ao empreendedorismo, função exponencial e logarítmica envolvidas no contexto da Matemática Financeira, incluindo ações articuladas com outros temas, como qualidade de vida, consumidor consciente, trabalho e cidadania. Estes são temas que podem auxiliar a formação do professor, explorando a educação financeira.

Ademais, de acordo com a OCDE (2005), a educação financeira deve começar na escola, ou seja, as pessoas devem ser educadas sobre questões financeiras o mais cedo possível em suas vidas. Seguindo este pensamento e conforme mencionado anteriormente, a educação financeira se faz presente em documentos oficiais que norteiam as propostas curriculares na educação básica e, o mais recente, é a BNCC (BRASIL, 2018), para que os jovens possam desenvolver habilidades que são importantes para a vida antes de se tornarem consumidores financeiros ativos. Para que possamos ter ações voltadas para o letramento financeiro do estudante, Campos e Figueiredo (2020) destacam que:

[...] os cursos de formação de professores devam possibilitar que os futuros professores da escola básica possam agregar aprendizagens que deem condições para seus alunos se iniciarem em uma alfabetização financeira. Além disso, entendemos ser importante que também eles próprios assumam a tarefa de agregar em sua formação conhecimentos e aplicações que favoreçam o desenvolvimento de práticas financeiras conscientes (CAMPOS; FIGUEIREDO, 2020, p. 191).

Conforme destacado pelos autores, não é apenas a inserção de orientações sobre educação financeira promovidas pela OCDE e incorporadas nos documentos oficiais que garantirão o êxito das ações educacionais na escola. A formação de professores letrados em habilidades financeiras e conscientes de como proceder em suas práticas são essenciais para criar os espaços que oportunizem a literacia financeira dos estudantes e os conduzam na vida adulta sem a necessidade de ações corretivas.

Segundo Sá (2012, p. 54), a formação do professor de matemática deve contemplar

“informações que reflitam questões significativas na e (da) sociedade”, ou seja, há necessidade de incorporar em sua preparação para docência na escola básica práticas sociais que estejam articuladas com contextos emergentes dessa sociedade, na perspectiva da educação financeira.

O autor revela que a disciplina de Matemática Financeira pode se relacionar com distintos temas 61 da Matemática clássica, tradicionalmente presentes nos currículos da escola básica, como progressões, proporções, funções, médias, equações polinomiais e logaritmos e acrescenta que:

O licenciando em Matemática, futuro professor, precisa ter clareza sobre os objetivos de seu ensino, assim como refletir sobre o significado da Matemática, para que possa ser um profissional autônomo e socialmente solidário. A Matemática é fundamental para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e esta é uma das justificativas para sua presença obrigatória nos currículos da Escola Básica (SÁ, 2012, p. 29).

Desta maneira, concordamos com o autor quanto à formação do professor de Matemática para atuar na escola básica, devendo este compreender que o ensino não se reduz apenas a repetir conteúdos prontos presentes em livros ou manuais, mas requer articulação com situações problematizadoras e desafiadoras para compreensão das relações envolvendo a matemática e a sociedade. Essa implicação aponta para a formação de um professor crítico em relação às ações pedagógicas, aquele que articula o ensino com os propósitos de letramento.

Este escopo que buscamos para a formação inicial do professor de matemática, identifica-se com os pressupostos traçados por Freire (1996) em relação ao campo de atuação do professor, quando enuncia que:

Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Quando entro em uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar e não a de transferir conhecimento (FREIRE, 1996, p. 25, grifo nosso).

Assim, concordamos que o papel do professor no ensino é o de mediador, aquele que compartilha o espaço e dá voz ao estudante, criando as possibilidades para aprendizagem, sem entregar o quebra-cabeças pronto, mas encorajando os estudantes a se aventurarem na construção do conhecimento. E, conforme Skovsmose (2014, p. 46) esclarece, “podemos convidar, mas nunca obrigar os alunos a participar das atividades em torno de um cenário para investigação. Se o convite vai ser aceito ou não é sempre incerto. Por isso, quando debruçamos sobre os conteúdos que envolvem a educação financeira, vislumbramos uma grande possibilidade para o professor de matemática explorar na aprendizagem desses estudantes, almejando o aceite para um cenário de investigação.

Desta forma, podemos, por exemplo, explorar o contexto de distribuição de renda, índice econômico e Produto Interno Bruto (PIB), mediante as informações estatísticas postas no gráfico a seguir.

Gráfico 5 - Rendimento médio real do trabalho principal das pessoas ocupadas, segundo o 62 sexo e a cor ou raça - Brasil – 20188 (1)

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 20189

E, a partir dos dados apontados no Gráfico 5, propor questões que contribuam para a leitura de fatos sociais que conduzam ao ensino de matemática contextualizados à realidade do estudante, tais como:

➢ Você concorda com os valores apresentados no gráfico? Ou seja, que em 2018, o rendimento médio real do trabalho principal das pessoas ocupadas, segundo o sexo e a cor ou raça, são estes apresentados no gráfico? Justifique sua resposta.

➢ Se você não concordou com os valores apresentados, qual sua hipótese para o IBGE divulgar tais resultados?

➢ Como você pode usar melhor a Matemática para compreender os dados expostos?

Julgamos que esse tipo de atividade contribui para o letramento do professor de matemática por envolver questões que são tratadas no âmbito da sociedade e se manifestam sob um ponto de vista numérico, revelando assimetria quanto à distribuição de renda no país, desigualdade na remuneração salarial envolvendo categorias de gênero e cor ou raça. Ainda, sinaliza a possibilidade de usar a matemática para compreender como tais resultados foram construídos e quais aspectos socioeconômicos estão atrás dos valores encontrados.

Deste modo, tanto na atividade indicada anteriormente sobre inflação, quanto na que acabamos de descrever, percebemos possibilidades para observar que variáveis didáticas

8 Disponível em: < https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101678.pdf>. Acesso em: 11 set. 2020.

9 Nota: Dados consolidados das primeiras entrevistas.

poderão potencializar o letramento financeiro do estudante de licenciatura em Matemática. A 63 utilização de gráficos estatísticos (Gráfico 5) provenientes de estudos que retratam os aspectos socioeconômicos tratados sob o ponto de vista de medidas, como a média aritmética, são indícios de variáveis didáticas que aguçam a presença da matemática na perspectiva crítica, que contesta os resultados, mostrando que os valores estampados no gráfico não retratam o contexto real da sociedade.

Um aspecto importante que observamos em relação à formação do professor de matemática na perspectiva de educador matemático foi compreender como inserir esta preocupação de ensino conciliando os conteúdos curriculares de matemática com situações provenientes de educação financeira nas atividades e nos modos de trabalho da formação.

Inicialmente, buscamos orientações nos pressupostos da Educação Matemática Crítica de Ole Skovsmose para pensarmos a prática docente a partir de cenários para investigação.