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RESULTADOS PISA 2018

2.7 A Sociedade de consumo em Bauman e considerações sobre o capital social em Bourdieu

Pois, esse excesso de informação, acaba por desmotivar e até amedrontar o estudante a aceitar 68 o ensino proposto pelo professor.

Assim, o professor está ou é constantemente forçado a se reinventar, é uma tarefa que precisa ser executada permanentemente porque os arredores sempre mudam, as oportunidades sempre se renovam e isso reflete na forma como o professor se posiciona em sua prática.

Neste sentido, buscaremos a seguir compreender as funções e o funcionamento social nas sociedades contemporâneas e as relações mantidas nos diferentes grupos sociais com a escola e o saber.

2.7 A Sociedade de consumo em Bauman e considerações sobre o capital social em

devem dar reputação e nobreza a qualquer produto, e não o produto dar identidade à 69 marca, como no passado (SILVA, 2014, p. 30).

Sobre este arranjo social, Silva (2014, p.30.) nos adverte para o posicionamento crítico que devemos ter em relação à ostentação de uma marca, pois as agências de publicidade deixaram de ser apenas mediadoras de vendas de determinado produto e se tornaram especialistas nos aspectos mais profundos das grifes, fazendo-nos acreditar que elas podem fornecer não só qualidade, mas também identidade e status social. Nesta perspectiva, a Educação Matemática Crítica assume um papel de esclarecimento social, ajudando a construir cenários que promovam a discussão de valores humanos na formação do professor de Matemática.

A cultura predominante da sociedade de consumo é desfrutar agora e pagar depois, tudo endossado pelo poder de convencimento do mercado financeiro, que impõe o desejo de conquista imediata como passaporte para alcançar a felicidade. De acordo com Bauman (2008), os bancos e administradoras de cartão de crédito determinam que as pessoas podem conviver com financiamentos e insistem para que todas tenham cartões e façam empréstimos. Tudo isso, porque as minorias (os Bancos) se habituaram a viver e lucrar dos juros pagos pelos empréstimos e, uma pessoa sem dívidas, é inútil para o banco, ela não dá lucro. Segundo o autor, a sociedade de consumidores:

[...] representa o tipo de sociedade que promove, encoraja ou reforça a escolha de um estilo de vida e uma estratégia existencial consumistas, e rejeita todas as opções culturais alternativas. Uma sociedade em que se adaptar aos preceitos da cultura de consumo e segui-los estritamente é, para todos os fins e propósitos práticos, a única escolha aprovada de maneira incondicional. Uma escolha viável e, portanto, plausível – e uma condição de afiliação (BAUMAN, 2008, p. 71).

Para Bauman (ibid.), na sociedade de consumo, as pessoas não são apenas aquelas que compram com a intenção de satisfazer os desejos, mas aquelas que precisam se sentir celebridades no sentido de despertar a admiração e inveja nos outros. Para o autor, essa manifestação confirma a transformação das pessoas em mercadorias, pois elas se mostram em suas redes sociais, exibindo suas ações de consumo: comendo, comprando, viajando, festejando, vestindo e muito mais, com a intenção de provocar desejo em outras pessoas.

Assim, a mensagem da sociedade de consumo é enviada para todos nós, não apenas para algumas pessoas. Qualquer cidadão comum hoje assiste a comerciais na TV e é inundado por tentações, as quais ele possa comprar ou não. Então, o que fazer contra tais fortalezas do consumo? Em primeiro lugar, não se pode negar que essas mensagens estimulam desejos e vontades, levando-nos a crer não só na qualidade do produto, mas também no status social que

agrega; segundo, muitos não têm recursos para consumir esses desejos; e terceiro, aqueles que 70 se sentem aguçados com essas mensagens, podem ultrapassar os limites para a satisfação pessoal, como se endividar ao extremo e, ainda, comprometer a harmonia familiar para se sentir pertencente ao grupo que ostenta uma marca como se fosse uma identidade.

As palavras de Silva (2014, p. 35) resumem de modo preciso o comportamento inconsequente com que nossa sociedade tem praticado suas ações cotidianas, [...] “consumimos impulsivamente, sem nenhuma reflexão prévia, e compramos aquilo de que não necessitamos, que usaremos poucas vezes ou por muito pouco tempo, a fim de exibir para quem não conhecemos”.

De acordo com Skovsmose (2007), aspectos como estes são importantes para o campo de atuação da Educação Matemática, qual seja se preocupar com o que está acontecendo na sociedade e ver a matemática nas situações do cotidiano. Neste sentido, a presença da educação financeira nos programas curriculares de matemática da escola básica, de acordo com a BNCC (BRASIL, 2017), mais a formação inicial do professor de Matemática implementada de ações que potencializem seu letramento financeiro, podem contribuir com o desenvolvimento de práticas formativas para que o professor tenha condições de promover o empoderamento do estudante nas questões financeiras que envolvem decisão com responsabilidade.

Nesta direção, a formação contempla o que o professor não tem e precisaria ter: literacia financeira para o desenvolvimento de práticas pedagógicas, nas quais ele possa se revelar capaz de fazer em seu campo de atuação. Portanto, tornar-se um consumidor consciente implica ser um cidadão melhor, com responsabilidade para enfrentar os desafios de ajudar na preservação dos recursos naturais, colaborar com a diminuição do lixo produzido, incentivando a coleta seletiva e solidarizando-se com campanhas de redução dos níveis de gás carbônico. Todas essas situações dizem respeito à visão que não só julgamos necessária como também desejável de serem incorporadas na formação do professor de Matemática.

Sobre esses desafios do presente, Bauman (2010) adverte que o consumismo não se reduz apenas em acumulação de objetos, “mas em seu gozo descartável” (p. 42). É neste mundo volátil, de mudanças instantâneas e equivocadas, que a Educação Matemática Crítica precisa penetrar, lidar com noções de matemática em diversos contextos e refletir sobre suas aplicações.

Para Skovsmose (2007), o componente reflexivo é muito importante para competência da matemacia e, no que se refere à literacia financeira do estudante de licenciatura, possibilitará o desenvolvimento de habilidades para ler, interpretar e compreender essa sociedade de consumidores.

Contudo, o consumismo é uma realidade em todos os arredores do mundo e melhorar a 71 sustentabilidade do planeta não passa pela ideia do não consumo, pois todos nós precisamos consumir para viver, mas podemos educar as pessoas para o consumo responsável. Segundo Silva (2014):

A melhor saída a todos os consumidores contumazes é transformar-se em consumidores conscientes. Muitos poderão dizer: “Mas não tenho dívidas”, ou:

“Ganho o suficiente para bancar meus luxos e extravagâncias”; porém, a questão não é simplesmente poder gastar, e sim consumir exercendo a responsabilidade de viver em sociedade e pensar no mundo que deixaremos para as próximas gerações. Tendo ou não filhos e netos, todos somos animais de uma mesma espécie e, como seres sociais e racionais, temos o dever de pensar na continuidade da vida humana, seja ela portadora ou não de nossa genética direta. Não podemos esquecer que a história da humanidade também é a história de cada ser humano (SILVA, 2014, p. 36).

Neste sentido, os conteúdos provenientes do letramento financeiro que tratam de finanças, ética e sustentabilidade são fundamentais para que as gerações futuras venham exercer o consumo responsável, escolhendo marcas de empresas reconhecidas por suas práticas de responsabilidade social e ética; dando destinação correta aos resíduos ou o produtos pós- consumo; boicotando marcas de empresas envolvidas em casos de desrespeito à legislação trabalhista, ambiental e de consumo; e, denunciando práticas contra o meio ambiente, contra as relações de consumo e exploração do trabalho infantil às autoridades.

Então, para que consigamos pensar em dispositivos que potencializam o letramento financeiro do estudante de licenciatura em matemática é importante separar o consumo necessário do consumismo proveniente da sociedade de mercado, cujas ações não são para satisfazer, mas provocar sempre o desejo de consumir mais. Para Silva (2014), existem dois tipos básicos de consumo, o primeiro é para atender as nossas necessidades e o segundo está ligado ao nosso imaginário. A autora destaca da seguinte forma esses tipos:

O consumo primário está intimamente relacionado à nossa subsistência; ele seria responsável, primordialmente, pela obtenção de comida, abrigo físico e proteção contra outros predadores e intempéries da natureza [...] é facilmente exercido quando vamos ao supermercado e colocamos no carrinho de compras os alimentos necessários á nossa alimentação, bem como os objetos destinados à nossa higiene pessoal e à manutenção da nossa casa. [...] O consumo secundário, de maneira diversa do primário, não tem por objetivo suprir necessidades essenciais ou reais, mas sim, e principalmente, aquelas que são criadas e imaginadas por nós. Enquanto as necessidades reais nos garantem a sobrevivência e o conforto vital, as imagináveis costumam nos levar por caminhos tortuosos de sedução, manipulação e desejos insaciáveis. Nesse contexto, de sobrevivência satisfeita, a busca cerebral se volta para a satisfação de desejos socialmente valorizados dentro de um sistema econômico que visa o ter individual, e não o ser humano como um ser coletivo e comprometido com a espécie como um todo. Nesse contexto, somos impelidos a comprar; caso contrário, nos sentimos como se estivéssemos fora do contexto da beleza, poder e prazer. [...]

sensação desagradável de exclusão, de não pertencimento (SILVA, 2014, p. 42-43, 72 grifos nosso).

Este é nosso grande desafio, criar os mecanismos que favoreçam o letramento financeiro na formação inicial do professor de matemática, considerando esses dois tipos de consumo e, por conseguinte, possibilitar que a prática docente de futuros professores seja promotora de educação financeira nas escolas. Logo, estamos vivendo em um mundo que funciona com as características do consumo secundário, que aliena o cidadão para o consumo compulsivo, então, é papel da escola discutir nos programas de matemática dos anos iniciais e finais do ensino fundamental e ensino médio, conforme as diretrizes curriculares da BNCC (BRASIL, 2017, 2018), a educação financeira para o enfrentamento ideológico do consumismo.

Nesta vertente, Bourdieu (2015) destaca que aspectos como os anteriormente citados constituem uma função social do sistema de ensino e o processo de aculturação é importante para que tenhamos indivíduos aparentemente iguais quanto ao êxito social e escolar. O autor traz uma preocupação com a natureza da cultura, como ela é disseminada e transformada para os meios sociais, entre os quais se incluem, obviamente, os ambientes escolares e como os indivíduos elaboram suas estratégias em busca de ascensão social, ou seja, de que forma a escola consegue contribuir e cooperar com a instrução intelectual das pessoas.

De acordo com o autor, ainda, essas estratégias estão relacionadas com os diferentes tipos de capital. A expressão capital é utilizada pelo autor não apenas no sentido econômico, mas também na análise cultural e social, visando o estudo das desigualdades escolares. Trata- se de mostrar as restrições do capital econômico para legitimar a relação entre nível socioeconômico e êxito educacional, fazendo-se necessária a interlocução com outras formas de capital (social e cultural), com o propósito de construir uma relação que expresse mais confiabilidade na análise das condições que favoreçam os bons resultados educacionais.

Uma das formas de capital cultural considerada pelo autor é a educação escolar, que é tão eficiente quanto o capital econômico na determinação e reprodução das posições simbólicas ocupadas pelos indivíduos ou grupos na sociedade. Entretanto, a distribuição desigual das diferentes formas de capital condiciona cada indivíduo a usar estratégias diferentes para ter acesso, por exemplo, aos níveis de escolarização e formação ou como são excluídos do sistema educacional.

Desta maneira, Skovsmose (2005, p. 71) afirma ser “tentador generalizar que o ensino tradicional de Matemática representa um elemento contra democrático na educação, provendo alguns de habilidades para o domínio da razão e outros com a atitude dócil de serem

‘razoáveis’”. Então, é fundamental que o estudante de licenciatura em Matemática compreenda 73 que o ato de ser professor ou professora na sociedade de consumidores exigirá dele ou dela uma atuação que ultrapasse o ensino da Matemática excludente, que separa e cria incertezas quanto à formação escolar dos indivíduos que buscam ascensão social.

Assim, precisamos fomentar estratégias para que o ensino de matemática nos segmentos escolares não exclua o estudante do acesso à literacia financeira, isso porque ainda observamos que o consumo secundário prepondera na vida de muitas pessoas, conforme destaque de Silva (2014):

[...] A sociedade consumista implica sempre uma produção excessiva, de desperdício, de irracionalidade e de manipulação dos nossos desejos. Somente através dessas características, absolutamente nocivas e irresponsáveis com a natureza, é que o sistema econômico, baseado no lucro sem limites, pode manter seus motores sempre aquecidos e autossustentáveis. Todavia, o que alimenta e sustenta o consumismo é exatamente o que destrói as fontes naturais de matérias-primas (SILVA, 2014, p. 43).

Esta lógica é manifestada em Bourdieu (2015, p. 14), quando afirma que: “A escola segue, pois, excluindo, mas hoje ela o faz de modo bem mais dissimulado, conservando em seu interior os excluídos, postergando sua eliminação, e reservando a eles os setores escolares mais desvalorizados”. Consideramos tal situação uma urgência quanto às nossas ações para colaborar com a formação do estudante de licenciatura em Matemática, inspirando-o a desenvolver um ensino de matemática que abranja a educação financeira, a fim de propiciar às futuras gerações de educandos melhores possibilidades de intervenção como cidadãos na sociedade de consumo.

Nesta perspectiva, é importante que os futuros professores venham contribuir com o desenvolvimento do capital social junto ao grupo de estudantes da educação básica, para que eles consigam ascensão no desenvolvimento escolar.

O capital social é para Bourdieu (2015):

[...] o conjunto de recursos (atuais ou potenciais) que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas, em que os agentes se reconhecem como pares ou como vinculados a determinado(s) grupo(s). Tais agentes são dotados de propriedades comuns e, também, encontram-se unidos através de ligações permanentes e úteis. Assim, o volume do capital social que um agente individual possui depende da extensão da rede de relações que pode e consegue mobilizar e do volume do capital (econômico, cultural ou simbólico) que é posse exclusiva de cada um daqueles a quem está ligado (BOURDIEU, 2015, p. 10).

As licenciaturas em Matemática, a escola e as famílias dos jovens estudantes podem constituir os recursos atuais ou potenciais para que juntos consigam promover o acolhimento, dando ao indivíduo o sentimento de pertencimento a um determinado grupo. Nesta aproximação, professor, estudante e pais podem se beneficiar com as trocas. Ao professor cabe

a conduta de promover o ensino crítico, que promova transformações na vida social do 74 estudante, que o leve a reconhecer as facetas da sociedade consumista a qual pertence, tendo assim o seu trabalho reconhecido e valorizado perante à comunidade e academia; aos pais cabe o incentivo, a valorização da escola enquanto lugar de aprendizagem e formação do estudante e auxílio constante no reconhecimento das práticas educacionais para contribuir com a ascensão social dos filhos e ao estudante cabe enxergar na escola a oportunidade de emancipação social, tornando-se um cidadão responsável para consumir, consciente para agir, tomar decisões e contribuir para a valorização dos direitos humanos, a fim de termos uma sociedade mais justa e menos desigual.

De acordo com Bourdieu (2015), os ganhos que são obtidos pelos indivíduos devido à sua participação nos grupos, lhes permitem apropriar-se dos benefícios materiais e simbólicos que circulam entre membros do grupo. Assim, o autor destaca a relevância do capital social para as interações em diferentes classes e em novas possibilidades de participação em grupos ou redes sociais, como forma de ampliar o rendimento do capital social e o nível de escolaridade do indivíduo por meio de benefícios simbólicos, quais seja cargo, função ou na forma de ganhos salariais.

Assim, os professores de Matemática ocupam uma posição ímpar na reprodução do capital social para o grupo, com a intenção de estimular o letramento financeiro dos estudantes por meio de situações educacionais que valorizem o ensino crítico e sem antolhos, permeando o conhecimento que reaja às contradições e extravagâncias do capital social “tóxico”, que envenena o cidadão, de forma a convencê-lo de que ele precisa de um produto novo para alcançar ou manter a posição social que deseja.

Desta forma, podemos pensar a sociedade de consumidores na perspectiva assumida por Bourdieu (2015) como um espaço de empoderamento, lutas e conflitos, em que escola e sistema econômico se enfrentam com meios e fins diferenciados. A escola precisa lutar contra a desigualdade e injustiça, a favor da diversidade e inclusão para conseguir empoderar as gerações de estudantes a partir do capital social crítico. Por outro lado, na perspectiva de Skovsmose (2005), a educação matemática crítica pode colaborar com a formação dos licenciandos em Matemática, para que eles consigam tanto encontrar acesso à literacia financeira, quanto a experienciar na vida em uma sociedade de consumo.

Diante destas expectativas, apresentaremos a seguir a problematização de nossa pesquisa e sua relevância para o meio acadêmico quanto às potencialidades da educação financeira, as quais contribuem com o letramento do estudante de licenciatura em Matemática.

CAPÍTULO 3 75

A PROBLEMATIZAÇÃO

Neste capítulo, apresentamos resultados sobre algumas pesquisas relacionadas com o nosso tema, destacando um breve estado da arte sobre as pesquisas que envolvem educação financeira no ambiente escolar, sobretudo na formação inicial do professor de Matemática. Para tanto, buscamos a seleção por meio do banco de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e utilizamos como recurso para descrever a revisão de literatura, a construção de mapas conceituais11, com a finalidade de correlacionar as informações. Apresentamos ainda, a questão de pesquisa, os objetivos da investigação e, por fim, a relevância do estudo para o meio acadêmico, em especial, para a licenciatura em Matemática.