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LISTA DE SIGLAS

CAPÍTULO 1 24 INTRODUÇÃO

2.1 Um breve histórico sobre a educação financeira

O tema educação financeira vem ganhando bastante relevância no cenário nacional nos últimos anos devido à parceria que o Brasil mantém com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Desde o início dos anos de 1990, diversos representantes da sociedade, de empresas e o governo investem no tema, cada um à sua maneira.

Araujo e Calife (2014, p.1) destacam que nesse período “o assunto educação financeira concentrava-se nas “dicas de investimento” dos especialistas em produtos do mercado financeiro, ensinando como preservar ou multiplicar recursos a partir da compra de títulos dos bancos, títulos públicos ou ações das empresas”.

Assim, percebemos que tais orientações eram e ainda são diretamente voltadas para um público possuidor de recursos para aplicar por certo tempo em produtos disponíveis nas instituições financeiras. A prioridade era preparar pessoas para usar o dinheiro, poupar para consumir, atender às regras do mercado, a bancarização, responsabilizar o indivíduo pelo seu fracasso financeiro e desresponsabilizar os governos e o mercado pela situação das pessoas, sobretudo no que se refere à aposentadoria.

As décadas de 1980 e 1990 revelaram às pessoas um cenário desfavorável para discutir educação financeira, seja na família ou na escola. Foram períodos marcados por altos índices de inflação, associados a baixa bancarização, crédito escasso e pouco acesso à informação.

Segundo Leitão (2012), o brasileiro mal via a cor de seu dinheiro, que circulava rapidamente na troca por produtos necessários para o dia a dia, a fim de evitar a inevitável perda do seu poder de compra.

Evidentemente, estas condições, que só foram resolvidas com o advento do Plano Real, em 1994, contribuíram para o atraso no tratamento mais aprofundado e específico da educação financeira no Brasil.

De acordo com Araujo e Calife (2014), o Plano Real trouxe a melhoria econômica a partir de 1994 e algumas variantes importantes para a prática da educação financeira

começaram a aparecer. Duas delas foram fundamentais neste período: o controle da inflação e 29 a expansão da bancarização. No gráfico a seguir, observamos no período de 2002 a 2012 o crescimento da bancarização dos brasileiros e a estabilização da inflação.

Gráfico 1- Bancarização x IPCA acumulados em 12 anos

Fonte: Febraban e IBGE, adaptado de Araujo e Calife (2014).

A quantidade de brasileiros com bancarização1 no período de dez anos, destacado no gráfico, praticamente dobrou, enquanto o Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA)2 ficou reduzido à metade, no mesmo período. Essa relação entre o crescimento rápido desta bancarização e a redução dos níveis de preços fez com que os brasileiros se sentissem empoderados para consumir sem pensar nos riscos que o endividamento traz para o orçamento doméstico.

Nesta época, ocorreu também a melhoria das condições macroeconômicas no país, geração de empregos formais e, consequentemente, do ganho de renda. De acordo com Araujo e Calife (2014), os investidores começaram a ter mais confiança no país, que adquire estabilidade econômica e cresce os investimentos no cenário nacional em virtude do

1 Consideradas apenas as contas ativas, isto é, conta corrente e conta poupança em uso.

2 Segundo o Portal do IBGE (2021), o IPCA mede a variação de preços de uma cesta de produtos e serviços consumida pela população entre duas datas. Ele aponta a variação do custo de vida médio de famílias com renda mensal de 1 a 40 salários-mínimos.

28 31 32 34

37 40

45 48 50

54 55

12,53

9,3

7,6

5,69

3,14

4,46 5,9

4,31

5,91 6,5

5,84

0 2 4 6 8 10 12 14

0 10 20 30 40 50 60

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Bancarização x IPCA acumlados em 12 anos

Bancarização em milhões IPCA (12 anos)

planejamento orçamentário do governo e, também, por parte das empresas já instaladas ou pela 30 maior atratividade do ponto de vista internacional. Com mais indústrias, surgem mais empregados e o resultado é que o desemprego começou também a cair de forma consistente pela primeira vez em décadas.

Com isso, o crédito se torna também outro elemento percursor na trajetória da educação financeira. Observando os dados disponibilizados pelo Banco Central sobre a série evolução do crédito total, fomos testemunhas de uma transformação econômica, a grande expansão do crédito pelas instituições financeiras na vida dos brasileiros, tornando-se uma constante até hoje.

Estes três elementos associados, bancarização, inflação estabilizada e ampliação de crédito no cenário nacional, desencadeou a necessidade para o brasileiro assalariado de organizar seu planejamento financeiro. Entretanto, conforme bem observado por Araujo e Calife (2014),

[...] o cenário completo que passaria a governar a educação financeira ainda teria a influência de outras “peças”: um nascente debate sobre a importância do comportamento individual na definição da prosperidade financeira e o comportamento efetivamente adotado pela maior parcela dos consumidores emergentes, que diante da possibilidade de resgatar décadas de exclusão econômica usou as melhores condições de emprego e renda e, em especial, o crédito a sua disposição para financiar consumo (ARAUJO; CALIFE, 2014, p. 2)..

Infelizmente, a experiência de financiar o consumo pela oferta de crédito e parcelamento a longo prazo foi colocada em prática sem a devida familiaridade com a educação financeira, apenas desfrutando da oportunidade de comprar pagando parcelas que supostamente caberiam no bolso.

Esta nova realidade impôs aos brasileiros a necessidade de pensar o planejamento financeiro no âmbito individual, doméstico e familiar. Assim começaram a ser debatidas propostas para melhorar o planejamento financeiro das pessoas , surgiram também na literatura obras que atendiam a tal demanda, ainda incipiente por informações sobre como construir um orçamento equilibrado ou superavitário.

Dentre as obras que começaram a discutir o tema educação financeira como forma de autoajuda para elaboração do planejamento financeiro, algumas se tornaram sucesso de vendas, contribuindo para a disseminação do tema no cenário nacional e chamando a atenção da sociedade para discutir o tema com mais intensidade. O livro “Pai rico pai pobre”, dos autores americanos Kiyosak e Lechter (2000), explora a ideia contábil de ativo e passivo para comunicar ao leitor o destino do dinheiro. Os passivos retratam os bens e consumo que geram gastos, ou seja, saída de dinheiro. Já os ativos são as atividades que proporcionam a entrada de

dinheiro. Assim, quando os dividendos gerados pelos ativos superarem os gastos com os 31 passivos, o planejamento financeiro torna-se superavitário. Outra obra de extrema relevância para a educação financeira foi Investimentos – Como administrar melhor o seu dinheiro, de Halfeld (2004), que de maneira clara e didática aborda questões importantíssimas como a compra de imóveis, o orçamento pessoal e os investimentos financeiros. Além disso, fornece recomendações práticas e utiliza casos reais; apresenta análises inéditas sobre os mercados financeiros e ensina um método com o qual você descobrirá para onde está indo o seu dinheiro.

Evidentemente existem outras obras que tratam do tema finanças pessoais com propriedade. Destacamos estes dois livros para exemplificar como a educação financeira começou a ter notoriedade para uma parcela dos brasileiros de maior nível socioeconômico, visto que tal propósito, por tantos anos, ficou muito distante da realidade dos brasileiros de baixa renda, principalmente pela ausência do tema no currículo escolar da Educação Básica e de políticas inclusivas no início dos anos 2000, conforme abordaremos mais adiante.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apud Araujo e Calife (2014, p. 4), “estima-se que só durante o período entre 1993 e 2011 cerca de 60 milhões de pessoas ingressaram na nova classe média”. Essa reorganização numérica propôs a redução da pobreza e o aumento do número de pessoas consumindo com a falsa sensação de que finalmente o desenvolvimento econômico e social caminhavam juntos.

De acordo com os dados do Banco Central do Brasil (BCB, 2021), nos anos 2000 se observa a crescente do saldo total de crédito disponibilizado aos brasileiros (gráfico 2). Pela primeira vez, o crédito impulsionava o consumo no país.

Gráfico 2 - Evolução do saldo total de crédito – 2001 a 2013

Fonte: BCB, elaborada pelo autor 0

500.000 1.000.000 1.500.000 2.000.000 2.500.000

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

R$ (milhões)

Ano

Saldo total de crédito

Saldo total Exponencial (Saldo total)

De acordo com Araujo e Calife (2014), este crescimento não foi completamente 32 planejado e a disseminação das ferramentas de crédito para os consumidores, sem orientação financeira, levou a resultados não satisfatórios para as expectativas das instituições financeiras.

O aumento da inadimplência provocou a desconfiança no mercado financeiro, o qual estava em expansão.

Observando os dados disponibilizados pelo Banco Central a partir de 2005 (gráfico 3), nota-se que o endividamento das famílias segue em franco crescimento até o presente momento, enquanto o comprometimento de renda das famílias se mantém praticamente estável em relação ao Sistema Financeiro Nacional (SFN).

Gráfico 3 - Endividamento das famílias x Comprometimento de renda das famílias x Inadimplência - SNF

Fonte: Elaborado pelo autor3.

Segundo o relatório de inclusão financeira do BCB (2015), a inadimplência (dados disponibilizados pelo BCB, a partir de 2011) depende do comprometimento de renda (gráfico 3), ou seja, quanto maior o comprometimento, crescem as chances do devedor atrasar o pagamento. Os imprevistos que provocam a redução da renda também podem afetar a pontualidade dos pagamentos da pessoa ou família, como desemprego, aumento de despesas

3 De acordo com BCB. Os dados são de dezembro de cada ano (salvo de 2020, relativo a setembro.

21,57 24,37

28,91 32,1 34,86 38,77 41,78 44,11 44,68 45,27 44,89

41,94 41,21 42,51 44,88 48,95

17,14 17,81 17,59 18,16 18,84 18,97 21,57 21,1 21,08 20,96 20,44 20,63 19,06 19,16 20 21,26

5,22 5,1 4,06 3,67 4,23 3,95 3,53 3,25 3,49 2,98 0

10 20 30 40 50 60

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020

Endividamento das famílias x Compromedimento de renda das famílias x inadimplência

Endividamento das famílias (%)

Compromedimento de renda das famílias (%)

Inadimplência da carteira de crédito - Pessoas físicas - Total (%)

em virtude de problemas com a saúde. O relatório aponta que outro fator para inadimplência é 33 a falta de planejamento financeiro ou a combinação de falta de planejamento e desconhecimento do crédito contratado. Para o BCB,

O uso do crédito rotativo, por exemplo, que reúne modalidades que cobram juros muito elevados, como cheque especial e cartão de crédito, costumam surpreender os devedores com a velocidade em que a dívida cresce e se torna vultosa, provocando atrasos e inadimplência (BRASIL, 2015, p. 120).

A partir da análise conjunta destes dados, observamos que atrasar ou interromper o pagamento dependerá da renda da pessoa ou família em relação ao seu grau de comprometimento e, também, do tipo de endividamento, conforme citado, cartão de crédito e cheque especial são produtos extremamente caros para se usar no Brasil como forma de crédito pessoal.

Neste cenário, que foi e vem sendo desenhado pelos tropeços e aprendizado dos consumidores em gerir suas finanças pessoais e familiares, abriu-se espaço para discussão da educação financeira em âmbito nacional.

O Banco Central do Brasil “é o órgão regulador e supervisor do SFN e tem como missão assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e um sistema financeiro sólido e eficiente, essencial para o desenvolvimento econômico” (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2013, p. 7).

Nas últimas décadas, esta missão vem sendo cumprida conforme relatamos anteriormente, o BCB conseguiu reduzir a inflação, aumentou a bancarização dos brasileiros e, também, ampliou o crédito. Entretanto, a implementação destas políticas não veio acompanhada de uma proposta de educação financeira para orientação dos cidadãos. A Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF), que será abordada no próximo item, não conseguiu emplacar os resultados esperados pela equipe econômica do BCB, conforme mostrado no gráfico 3, sobre endividamento, comprometimento da renda e inadimplência. Uma mostra que podemos destacar desses números é que, segundo a FECOMERCIOSP (OUT.

2020), o endividamento das famílias está no nível mais alto da história: pessoas físicas devem cerca de R$ 1.111,1 bilhões aos bancos em operações de recursos livres (microcrédito, o cheque especial, crédito consignado, passando pelo caro cartão de crédito).

Dados do Banco Central revelam que o endividamento do brasileiro em outubro de 2020 representava 50,26% da soma dos salários de um ano inteiro, um recorde. Considerando hipoteticamente uma pessoa que em 2020 recebia um salário mínimo (R$ 1.045,00) e

considerando os salários acumulados ao longo do ano, o comprometimento de seus rendimentos 34 atinge 50%, ou seja, 6,5 salários comprometidos com pagamentos de dívidas.

1.045,00 × 13 × 0,50,26 = 6.827,82 ( 6.827,82 ÷ 1.045,00) = 6,5

Tal evidência mostra que apesar da ENEF existir, ela ainda não se impõe no cenário nacional de forma a conscientizar o cidadão sobre o funcionamento do mercado e o modo como os juros influenciam sua vida financeira (a favor e contra), ou seja, a consumir de forma consciente, evitando o consumismo compulsivo, evitar o superendividamento e, por fim, planejar e acompanhar o orçamento pessoal e familiar.

A educação financeira é o meio de prover esses conhecimentos e informações sobre condutas básicas que ajudam a melhorar a qualidade de vida das pessoas e do seu entorno. Este alcance passa pela formação dos educadores em Matemática, os quais estão em exercício e em formação (propósito dessa pesquisa), de se apropriarem das habilidades e competências que consolidem o seu letramento financeiro, possibilitando disseminar conhecimentos no contexto escolar e, consequentemente, sua propagação em diferentes lugares. A seguir, destacamos os desdobramentos da política de implementação da ENEF no Brasil.