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Em nossa sociedade tudo funciona por mensalidade. É só sair às ruas e prestar atenção que, lá se vê gente empilhada em um balcão, para pagar as dívidas do mês, um de cada vez, alimenta o mercado e a extorsão.

Pagando o berço das crianças, o enxoval, as alianças, o terno, e a costureira, a doceira e a parteira; dívidas atuais e atrasadas, vêm todas misturadas, que atormentam, às vezes, a vida inteira.

Pagando a barbearia, o açougue a padaria, o aluguel e o supermercado. O dízimo, a catequese e o batizado; tudo ao mesmo tempo enfileirados.

Pagando o IPTU, o IPVA, o seguro obrigatório, a farmácia e o laboratório.

Pagando a prestação da mesa, do fogão, do sofá e da geladeira, com vontade de comprar uma cafeteira, para de novo voltar ali e pagar.

Pagando a livraria, a papelaria, a venda da esquina, o vestido da menina que já completa 15 anos! Pagando os danos da última enchente que arrancou a porta e o batente.

Pagando o agiota, o par de botas, a luz, a água na casa das loterias, o perfume e outras quinquilharias.

Pagando a assinatura do jornal, o remédio do animal. É anormal, mas muitos deixam adiantado o pagamento do próprio funeral.

Pagando o advogado que encaminhou o divórcio, o consórcio e a academia. Pagando a marmoraria que fez o túmulo de um parente. Pagando o dentista que obturou um dente, o condomínio e a relojoaria.

Pagando o cursinho, o vestibular e a faculdade. A instituição de caridade que liga todo mês; pagando em prestação ou de uma só vez.

Pagando a prestação do arado, do trator, da grade e do pulverizador.

Pagando o adubo e a semente, e até por ser incompetente, o mecânico e o instrutor. Pagando o imposto sindical e a porcentagem do partido.

Pagando a passagem na rodoviária, em várias prestações, para ir em ônibus ou em lotações nos encontros da reforma agrária.

Pagando a viagem da romaria.

Pagando a carpintaria onde se fez uma mesa e duas cadeiras. Pagando a lavadeira que cuidou da roupa e da cozinha. Pagando o açúcar e a farinha e o conserto do liquidificador.

Pagando o atravessador, o fiscal, o policial e até mesmo o funcionário do correio. Pagando de forma ilegal a propina no congresso nacional.

Pagando ao governador para controlar a sua bancada. Pagando o vereador, o Tribunal de Contas e até,

Não é mensal, mas há multas nas cidades, não nos campos silvestres, quando alguém desrespeita a faixa de pedestres.

São os tempos de mercado. Há apenas uma diferença, a saber: pagamos porque somos obrigados, mas há os que não pagam, são comprados, e estão sempre dispostos a receber. São funcionários, de uma velha profissão de mercenários, políticos e mandatários que passam a vida inteira somente a se vender; para não por em risco a glória e o poder.

Cartas de Amor Nº 124

À FRANQUEZA

Para usar da franqueza temos que dizer que faliram os partidos que funcionam como empresas. Estas máquinas gigantes que tornam os “políticos” estúpidos e arrogantes.

Tudo começa na campanha eleitoral onde o município é o curral. Ali se inicia a luta pela democracia parlamentar, a qualquer preço, cada um quer garantir o seu lugar.

Decidida a eleição, está pronta a composição da democracia representativa. Saem os eleitos com suas comitivas diretos para o parlamento, e então começa o ressarcimento.

Apesar das campanhas serem sempre financiadas, por empresas ou por outras fontes arranjadas, como estatais, governadorias e prefeituras, as forças se apresentam com uma “rachadura”: situação e oposição. São na verdade os dois partidos existentes que governam o país daí pra frente. Essas duas forças se articulam e se enfrentam, cobrando do Estado um alto pagamento.

Nesse moinho de palavras e de vento, tagarelar é um grande sofrimento, do “trabalho” em excesso, que precisa de recesso. É assim que a lei emana! Duas vezes no ano fecha-se o Congresso, e no restante, tagarela-se bastante, mas somente na metade da semana.

Terça-feira é para chegar, quarta para descansar e quinta é o dia de retornar. Assim se justifica porque não se faz nada; é que a pauta está “trancada!”

Cada parlamentar tem os seus funcionários, esses não vacilam nem faltam com o erário, representam a base do partido, e, nas claras ou escondidos fazem o papel de “cabo eleitoral”. Cada partido tem os seus ministros e, por insistência, alguma presidência de uma ou outra empresa estatal. Assim é que se forma uma “quadrilha governamental”.

Quando as coisas ficam um tanto críticas, a solução está na reforma política. Fidelidade partidária, financiamento público de campanha, e, prestação de contas controladas. Mas nada muda, a “pauta está trancada”. Pois, terça-feira é para chegar, quarta para descansar, e quinta-feira é para retornar...!

E o pior é que, mesmo estas coisas sendo ditas, o povo ainda acredita.Vota e espera que venha a mudança, e vai seguindo nesta marcha lenta e mansa. E o “moinho de palavras” continua a funcionar: terça-feira é para chegar, quarta para descansar e quinta é para retornar. De novo não se votou nada, porque a “pauta está trancada”.

Mas que diabos é esta pauta que não abre e, fica fechada o ano inteiro? Quem tem a chave, é o presidente, o ministro ou o doleiro? Assim a máquina enferruja por não mover as engrenagens, porque as empresas partidárias só se movem se tiverem vantagens.

Totalitarismo é o Estado no capitalismo. Democracia é uma palavra muito usada, mas para o povo nunca valeu nada. Não distribui terra, não constrói casas, não distribui renda, porque estes assuntos nunca entram na agenda.

E saber que é tão fácil governar, se o Congresso se tornasse uma grande Assembléia Popular reunida umas duas a três vezes por ano. Cada região do país traria seu plano e aprovaria depois de ser escrito. E as coisas mais urgentes? Nos fins de tarde mansos e calmamente, depois do dever cumprido, se pegaria o título de eleitor, sem pagamento, propina ou qualquer espécie de valor, se aprovaria tudo em grandes plebiscitos.

Cartas de Amor Nº 125

À GENEROSIDADE

Na vida, apesar das barbaridades, aprendemos que devemos ter generosidade.

Generosidade, com os aliados e até com os inimigos, não para tratá-los como amigos, mas para que se arrependam de suas perversidades.

Vivemos, na atualidade, uma situação de descredibilidade. Parece que todos estão errados! Há um ranço carregado de vingança e violência. É preciso ter paciência, reconhecer os pontos fracos, mas cuidar-se, para de ódio não cegar-se e cair juntos no mesmo buraco.

Nossa cultura camponesa nos ensina lições interessantes; quando uma ferramenta cortante já não corta, senta-se na soleira ao pé da porta e amola-se até ficar tinindo; e assim vamos indo, até que um dia nos damos conta, que, de tanto usar e amolar, a ferramenta já perdeu as pontas.

Pegamos então a ferramenta com carinho e a encostamos em um cantinho, reconhecendo a sua importância e seu valor. De nós não tirará mais o suor, nem machucará a palma calejada, ficará ali como lembrança ou, para, nalguma emergência ser usada.

A seqüência desta prova é arranjar outra ferramenta nova e reassumir os compromissos. Mudamos então o instrumento, mas não mudamos de serviço.

Às vezes quando chega uma visita, contamos, e se não acredita no que a palavra entoa, vamos até o porão, trazemos a guerreira desbicada, e com a unha fazemos tinir a chapa enferrujada, dizendo: “Era uma ferramenta boa!”

Então, esta simbologia agora fica crítica, porque vamos aplicá-la na política. Mais propriamente, e sem temores, no Partido dos Trabalhadores.

O PT era de lutas e resistência, mas aos poucos foi perdendo a consistência. Piorou o corte de sua lança, quando ampliou as alianças, em busca de ganhar a presidência.

Aqui precisamos considerar um pouco mais para entender o que aconteceu. Quando, inserido nas lutas do passado, mantinha-se o instrumento amolado, e foi assim que o PT cresceu. Mas de repente, as lutas sumiram do semblante, e ao dar de cara com o assaltante, o PT não resistiu e se rendeu.

Pode ter algo ainda de escondido! Sem corte, esta ferramenta imprescindível, não formou quadros por julgar incompatível com o caráter de massas do partido. E, como a maioria das tendências não eram marxistas, fixaram suas táticas na ordem capitalista.

Foi o cerco de sedução, não de aniquilamento, que a burguesia estabeleceu desde o primeiro momento. Mas cá pra nós, depois de tudo analisado, foi a primeira vez na história nacional, que os oprimidos como força social, se organizaram para tomar o Estado.

Agora, o enorme felino geme para morrer! Rasteja, acreditando que ainda pode levantar-se e voltar a correr. Mas como a ferramenta gasta, também perdeu o brio, já não serve para preparar o próximo plantio.

Foi uma bela tentativa que aos poucos levou-nos à deriva. Cabe encostar a ferramenta desgastada e buscar uma nova mais bem amolada. Não precisa ser igual no tamanho e na leveza, mas tem que ser da mesma natureza.

Agora, experientes e muito mais sabidos, precisamos nos colocar do lado do instrumento e não do mato a ser carpido.

O cultivo continua. É preciso preparar-se para a quadra da lua. Deixar de lado as intrigas e as disputas, sem lutas, nas páginas dos jornais. Convidar lutadores de todas as idades e dizer-lhes com generosidade: vamos unidos e não erremos mais!

Cartas de Amor Nº 126

No documento COLETÂNEA CARTAS DE AMOR completa Junho 2006 (páginas 128-131)