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Se perguntarmos as sementes por que elas se multiplicam? Responderão que, por terem recebido o destino de sonhar, e um dia verem as bocas cheias de alimento; dirão que devem continuar.

Se perguntarmos às árvores por que crescem e se enraízam? Responderão que receberam a missão de conservar a terra viva, para que as espécies sigam em grandes comitivas, também dirão porque continuarão.

Se perguntarmos ao homem e a mulher, por que vivem? De imediato seríamos surpreendidos por um longo silêncio, pois teriam que desfazer-se das causas mesquinhas e concentrarem-se nas razões mais comoventes: crescer e povoar a terra e viver em harmonia como as plantas e as sementes que cuidam e não matam os seus descendentes.

É por sentir o destino ameaçado que lutamos! É pelos descendentes das espécies que insistimos e resistimos! É pelo amor à vida que sonhamos.

Por nossas mãos não passará a destruição, a violência e a exploração. Nossos filhos aprenderão que conviver é melhor que destruir; cultivar é melhor do que perder, e ver chegar é melhor que ver partir.

De nossos pés não sairão passos confusos, nem nossos corpos estarão desalinhados. Nossos filhos seguirão os rastros da justiça, combaterão a inutilidade e a preguiça e avançarão para o futuro imaginado.

Em nenhuma consciência nascerá a ganância e a prepotência. Nossos filhos aprenderão que a humildade é uma linha de conduta e que cultivar valores é como cultivar flores; espalhar perfume e muitas cores, para fortalecer a luta.

Descobrirão que a facilidade na descida não pode esquecer-se do esforço na próxima subida. Verão que continuar é mover-se pelo desejo de chegar. E seguir, é a definição concreta de persistir.

Desde o alto de nossos objetivos clamamos para a continuidade. Vivemos um tempo de renúncias, de decepções, mas elas não podem ser mais fortes que as razões que gerarão a nova humanidade.

O desejo de vencer deve incomodar os não incomodados. Dificultar os planos dos gananciosos e mal acostumados, que vivem da exploração e da submissão de quem é obrigado a não querer. O desejo e o prazer terão que ser também democratizados.

Embora às vezes no concreto, vemos o inimigo direto, mas não o inimigo principal. A luta contra o capital às vezes se esquece do resgate cultural e nos iguala aos malfeitores. Jamais podemos ser continuadores de causas altamente autoritárias, nascemos e vivemos por razões tão solidárias, que nos leva a sermos libertos como o toque dos tambores.

Continuar é buscar. Esquecer que há um lugar ou um ponto apenas de chegada. A perfeição jamais será alcançada, porque as fraquezas expõem nossos defeitos. Mas temos que tentar de muitos jeitos, evitar os desvios e as decepções. Um dia, as nossas emoções revelarão a integridade dos conceitos.

Sigamos, as vitórias nos esperam, elas pertencem àqueles que prosperam sem renegar os direitos e os deveres. Construamos sem pressa os novos seres, para que estes tenham maturidade, quando utilizarem os prazeres.

Cartas de Amor Nº 155 AO CARNAVAL

Se um ser extraterrestre viesse a terra em dias de carnaval, diria que aqui é o paraíso celestial. Ao ver as multidões festivas e fantasiadas, diria que aqui não precisaria mais nada para a felicidade. Envolveria-se também nesta irmandade e mudaria os planos de suas próximas jornadas.

O carnaval é uma festa onde o mal do desemprego é escondido. O barulho dos tambores enlouquecidos, impede que se ouça os gemidos e as reclamações. Não captam as televisões os atos de barbárie e de violência, de modo que o extraterrestre em sua inocência, diria que seriam de brincadeiras os fogos dos mísseis, das bombas e canhões.

Uma pergunta ao menos se faria, por quê na Quarta-Feira os desfiles vão para as periferias e ali continuam as encenações? Carros de polícia, gente sendo arrastada, correrias pelas ruas e, nas calçadas, corpos caídos ensangüentados? Diria que ali é o inferno para os que não se comportaram, e cometeram ao desfilar, um monte de pecados?

Veria nos jornais, ainda por várias manhãs, as imagens dos blocos e escolas campeãs, e ficaria abismado com as cores. Mas ao deixar de lado a leitura, e sem o rufar dos tambores, escutaria o ronco dos motores. Então retornaria aos centros das cidades e veria, em cada veículo, um ser humano, cheio de cordialidade.

Cordialidade assim organizada: um atrás do outro em silêncio, sem dizer nada, seguindo o desfile de cores e de sinais. Diria que seria o bloco dos normais, educados para soltarem gases poluentes. Fazer subir aos ares em quantidades suficientes, para provocar o sol, e tornar seus raios ainda mais quentes.

Maior surpresa teria ao ver a agricultura. Estranharia esta tosca cultura da encenação de pobres acampamentos; espalhados ao relento, enquanto outro bloco faz a devastação. E ao ver as árvores mortas pelo chão exclamaria, que capacidade de encenar! Este bloco deviria ganhar, o prêmio de campeão!

Vendo os campos vazios retornaria para as cidades; veria encenações em quantidades como o agonizar de um rio poluído. E diria para si, como os humanos são sabidos! Que poder têm estes moradores! Que até das águas mudam suas cores, para levar o lixo produzido!

Veria as fábricas e lojas funcionando, poucas pessoas nelas trabalhando e milhões desocupadas. Então exclamaria em gargalhadas, que esperteza!! Enquanto uns produzem as riquezas, as multidões passeiam pelas ruas! Mesmo sem ter mulheres nuas, este bloco é o mais perfeito, cada um desfila de seu jeito e é assim que o carnaval continua.

Mas uma coisa certamente não entenderia. Ao visitar os cemitérios ali veria, dezenas de corpos jovens sendo enterrados. Os cortejos silenciosos enfileirados, repetindo esta ação todos os dias. Nas faces nenhum pouco de alegria, sofrimento e amargura na aparência. Dar-se-ia conta de que ali estaria a conseqüência, dos desfiles anteriores sendo agora real a alegoria.

Ah carnaval! Festa popular que não termina. Cada qual leva em sua sina, experiências sonhos e utopias. Chegará o tempo em que as fantasias, as encenações e as diversões organizadas, serão naturalmente adotadas, como forma principal de viver todos os dias.

Cartas de Amor No 156

À REVITALIZAÇÃO

Revitalizar é prolongar. É querer renascer através do refazer. Alcançar um outro patamar na construção da história. Resgatar o que se perdeu no fundo da memória e garantir a continuação. Um passo nunca vem sozinho, há um anterior que nos colocou à beira do caminho, e um posterior, que nos levará à próxima estação.

Revitaliza-se tudo, desde as raízes do couro cabeludo, até as margens dos rios. Revitalizam- se os desafios, os propósitos e as energias. Os fundamentos das velhas utopias e as batidas do próprio coração. A vontade e a determinação, e até mesmo o jeito de pensar. Os passos que começam a cansar e as esperanças de cada geração.

Os combates também são revitalizados. Há alguns em que saímos machucados, com fortes dores e grandes ferimentos. Mas não significa que estejamos derrotados, se neles tenhamos ampliado, as experiências e os conhecimentos.

O que aprendemos recolhemos. Guardamos em nós as sementes de tudo o que fazemos; mas há tempos em que esquecemos de plantar. Então as sementes começam a se estragar e aos poucos vão se dissolvendo. Nos tornamos como um velho armazém, que já não guarda o sonho de ninguém, pelo contrário, fica apodrecendo.

Mas eis que o tempo, velho acompanhante, ao perceber que pouco é como antes, passa a exigir explicações. Nos manda olhar em baixo dos colchões, nos bolsos dos casacos pendurados, para encontrar resquícios do passado, que nos faziam andar em multidões.

Agora, até ir a reuniões, há gente que não se pré-dispõe. Embora diga que também compõe, mas as palavras não viram ações. Como fazer revoluções, se a poeira se acumula nos cantos da consciência? Como derrotar a prepotência se não se pensa dar rumo ao destino? Quando se ignora um prato fino, até o paladar entrou em decadência.

Por isto então revitalizar. Entrar dentro de nós e espanar a poeira da descrença. Para voltar acreditar que a força ainda é imensa, e só com ela se move a intransigência. Somos dotados de grande inteligência, de culturas e grandes invenções. Nascemos para as revoluções e não para morrermos na indigência.

Devemos revitalizar nossas raízes, nelas há povos que viveram mais felizes e há outros que lutam por viver. De nada vale o amanhecer, se despertamos depois do meio dia. A história tem certas manias que só avançam em contradições. Quanto mais choques, mais transformações, quanto mais sonhos, mais ânimo e harmonia.

Revitalize a força da esperança. Coloque em suas palavras um tom de confiança e diga a si mesmo a todo instante: eu como homem ou mulher, não vou fazer o que o império quer, de hoje em diante serei intolerante!

Revitalize o valor da luta, transforme este espírito em conduta e saia em busca de um abraço. Melhor é ser um vulto em movimento, do que se acomodar em meio ao esquecimento, e concordar que somos um fracasso!

Revitalize enfim a sua auto-estima, olhe para baixo e para cima e veja os desafios da humanidade. Revitalize o encanto e a beleza, e acredite que a natureza, nos criou para vivermos em liberdade.

Cartas de Amor

Nº 157

No documento COLETÂNEA CARTAS DE AMOR completa Junho 2006 (páginas 159-162)