• Nenhum resultado encontrado

ÁS CRIANÇAS PALESTINAS

Quanta energia contida se esconde em vossas artérias obrigadas a calar quando deveriam gritar contra a violência e a miséria.

Como nós Sem Terra, a pátria virou um acampamento; violento aos arredores, triste e solitário por dentro.

Penamos em plena guerra, porque nossos povos lutam pela terra. Onde possamos ter um lugar ao sol; plantar nossas lavouras, jogar o futebol. Erguer as nossas casas, dar a elas um quintal; correr em todo o espaço, sem ver monstros de aço que nos causam tanto mal.

O tempo passa triste e devagar, quando não se tem o que comemorar.

Crianças em acampamentos dormem cedo, para evitar que sintam medo. Vocês porém sofrem ainda mais, pois a guerra levou até mesmo os vossos pais que ouviam vossos segredos, e que no aniversário lhes davam alguns brinquedos.

Partiram, não se perderam de vista; considerem-nos heróis e não terroristas. Terrorismo é não poder brincar. Ir cedo para a escola e não a encontrar. Voltar para casa com fome e com sede e não ver aí nem mais uma parede.

Os poderosos no tribunal da história terão que responder: porque guerreiam para ter sempre mais espaço, se seus projetos só acumulam fracassos?

De que vale manchar com sangue humano dos tanques suas esteiras, se não conseguem encher de leite as mamadeiras?

De que valem as armas com os canhões fumegantes, se não sabem construir, parques infantis com suas rodas gigantes?

Que cultura sobrará para as gerações que ainda virão, se o aprendizado está direcionado para ensinar como se manobra um tanque e um canhão?

Por que ensinam às suas crianças que a pátria são suas cores, não os seres humanos, nem as flores?

Por que o mundo se organiza pelo poder e a crueldade e não pela harmonia e a solidariedade?

Não será com ordens e canhões que os exércitos farão calar as multidões. A guerra não trará nenhuma solução, pois, cada país, só será feliz, quando o mundo não tiver nenhuma divisão.

Enquanto isto não chegar é preciso lutar e resistir veementemente. Os povos também são como as sementes, fazem germinar as utopias, para que parte delas se realize um dia.

As sementes representam a história feita, elas anunciam que já houve colheitas, por isto haverá novos plantios. Escolher o lugar e o dia de plantar, eis o desafio.

Se hoje o presente é muito duro, e a liberdade que lhes resta é apenas uma fresta entre o muro, é preciso acreditar que haverá futuro. A imbecilidade jamais conseguiu derrotar a liberdade.

Recebam de nossas mãos solidárias e cheias de sementes, votos de que continuem confiantes e valentes, orgulhosas de estarem resistindo. É sinal que, em meio a esta poeira, o botão desta roseira já está se abrindo.

Cartas de Amor Nº 43

AO PRESIDENTE

Como disse o poeta cubano Nicolás Guillén, “ Tenho”, digamos nós também.

Após quinhentos anos de dor, mortes e prantos, chegou o dia de cantar o canto, sorrir, mesmo com a boca já sem dentes, e dizer: temos agora um presidente.

Um presidente que também sabe sorrir e aprendeu desde cedo a conjugar o verbo repartir. Temos um presidente criado no roçado e que um dia a mudar-se foi forçado. Carregou sobre os ombros o que vivia; deixou alguns irmãos pequenos ali guardados sob a terra seca e fria.

Temos um presidente que bebeu leite de cabra, comeu cuscuz mexido com toucinho; colheu feijão de corda, caçou calangos, pois a seca matara os passarinhos.

Um presidente que aprendeu no desemprego o que é deitar-se à noite e não ter sossego. Um presidente que se envolveu na luta para ali moldar a sua conduta. Liderou greves defendendo o salário, porque também se tornou um proletário.

Um presidente que pagou aluguel, morou em casa apertada, teve, por não poder pagar, a luz e a água cortadas.

Temos um presidente que enfrentou a repressão, foi preso e processado, sabe o que é a dor de um condenado.

Um presidente que foi pouco à escola, mas sabe ler nos olhos de quem pede esmola qual é a razão que gera a fome. Que tem o mesmo nome de nosso poeta Gonzagão, que cantava com o chapéu e o gibão para manter a própria identidade. Um presidente que sabe o que é a verdade e o que significa despejo e sujeição.

Temos um presidente que também sabe chorar e entende que a miséria não se planta, mas que não nasce por conta.

Um presidente que olha nos olhos com quem fala para abrir as portas da consciência e ser aceito. Um presidente que sabe o que é o respeito e também a dura enganação. O que significa um “não”, a traição e a infidelidade. Que gastou toda a mocidade em busca da justiça social e por isso sofreu no tribunal, para voltar a ter a sua liberdade.

Temos um presidente que joga futebol, a diversão de milhões de brasileiros, que gosta da sanfona e do pandeiro, instrumentos comuns no interior, que fala até verter suor para convencer os que ainda vacilam, que entende aqueles que suspiram e o que é querer e não poder ser um trabalhador.

Um presidente que conhece o país, que viu as longas cercas prendendo a terra, que a fome mata mais que a guerra e que a paz sem trabalho não existe. Que é amigo do povo que persiste e enfrenta todo tipo de opressão, que tem o respeito da nação e o apoio de quem luta e resiste.

Temos um presidente que alargou um tanto as alianças, mas que goza dos pobres a confiança. Que saberá separar o joio do trigo para continuar sendo este grande amigo.

Um presidente que ainda não assumiu, por isto a ninguém nunca traiu. E se um dia tiver que fazê-lo, saberá pelos seus brancos cabelos, o lado que deverá seguir. Porque, veja Presidente, os ricos têm recursos, tudo podem fazer; nós só temos você, não deixe nossos lábios pararem de sorrir.

Cartas de Amor Nº 44