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PARTE III – A NÁLISE DOS D ADOS E C ONCLUSÃO

6.2 É uma escola boa

A percepção inicial acerca da escola é positiva. Estudantes e profissionais a consideram um bom lugar para se estar ou para se trabalhar. Observando-se a Tabela 21 é possível perceber isso pela predominância de expressões positivas (boa, legal, gosto) em relação às negativas (ruim, chata, violenta). Cabe esclarecer, nesse ponto, que a palavra “normal” não foi classificada nem como positiva nem como negativa, e sim intermediária.

Tabela 21 - Percepção sobre a escola

Percepção sobre a Escola Número de Respostas

Boa 68 Legal 49 Gosto 42 Ruim 28 Normal 17 Chata 5 Violenta 5

Fonte: Dados da Pesquisa / N´Vivo®

A representação da Tabela 21 pode ser observada pelo Gráfico 4, no qual se demonstra a proporção entre as palavras positivas, negativas e intermediária, com predominância da percepção positiva:

Gráfico 4 - Demonstração da proporção entre percepção positiva, negativa e intermediária Estudantes

Fonte: Dados da Pesquisa/ Planilha Excel

Mas afinal, por que essa é uma escola boa?

Para os estudantes, ela é boa porque “tem perspectivas de melhorias”, “tem o ensino integral”, “tem projetos, como o teatro e a mediação”, “os meus amigos são legais”,

“os professores são gente boa, eu nunca levei reclamação”, “Os professores conversam com a gente”, “A gente aprende”, “Porque eu chego e falo com todo mundo”. Já para Marcos:

Ela é boa no contexto do que o ensino público pode e tem disponível pra gente. Ela é boa [por causa] da convivência entre alunos e professores, da interação, entre os alunos e o resto da escola. Tem projetos e os professores são bons também. [...] É boa a convivência dos alunos e dos professores (Marcos. Estudante).

Os profissionais também consideram que a escola é boa por uma autopercepção positiva: os profissionais veem a si próprios e a seus pares como “compromissados”, dedicados ao trabalho. Há, assim, uma autoestima alta:

[os profissionais] são pessoas compromissadas. Eles realmente procuram fazer seu trabalho (Paulo. Profissional da escola).

O grupo de professores é um grupo muito bom. Os alunos melhoram com essa relação (Meire. Profissional da escola).

Os professores são bacanas e se dedicam a dar ao aluno um caminho, uma meta a atingir (Carlos. Profissional da escola).

Os professores são dedicados mesmo (Mariana. Profissional da escola).

Os professores cooperam um com o outro, os professores se ajudam (Aparecida. Profissional da escola).

Os profissionais também consideram tanto a estrutura escolar quanto as relações com a direção positivas, o que permite o bom desenvolvimento do trabalho:

A estrutura dela eu acho muito boa (Cristina. Profissional da escola).

A direção é tranquila, fala com todo mundo. A coordenação é legal, tranquila, há uma estrutura para a gente realizar o trabalho (Marli. Profissional da escola). A coordenação, a direção, eles amparam bem o professor (Kátia. Profissional da escola).

Nós temos liberdade pedagógica para nos desenvolvermos em sala de aula e uma boa estrutura (Teresa. Profissional da Escola).

Há uma relação horizontal de igual pra todo mundo e a estrutura física da escola é uma estrutura boa. (Paulo. Profissional da escola).

Por fim, para os profissionais da escola, ela é boa em comparação a outras escolas. Existem escolas piores, então, a escola pesquisada é uma escola boa:

Aqui foi a mais tranquila que eu trabalhei até hoje. Não tem nenhuma ocorrência mais grave, a relação professor-aluno é bem mais tranquila, não é uma relação de terror, de hierarquia, não, é uma troca mais tranquila quanto a isso (Cristóvão. Profissional da escola).

Eu considero uma escola ainda bem tranquila, por outras que conheci e por outras que lá passei, é uma escola tranquila. Para mim, assim, eu me sinto muito feliz trabalhando aqui (Luciana. Profissional da escola).

Diz o senso comum que uma mãe, ao falar sobre seu filho, em especial a um estranho ou a uma estranha, vai descrevê-lo como bonito, inteligente ou saudável. Pode ser difícil, nesse contexto, reconhecer as falhas, até porque elas poderiam ser consideradas as falhas da própria mãe, tanto com relação à educação quanto nos cuidados ministrados. Eu sou, então, a estrangeira que chega e pergunta a uma mãe: o que você acha do seu filho? A resposta inicial, esperada, é exatamente essa: ele é bom, é saudável, é forte, é esperto.

A escola pesquisada é esse filho amado. Ela é “o lugar de trabalho”, para um, ou “lugar de encontro com amigos, de estudo” para outro. Ela tem de ser um bom lugar.

Essa percepção positiva não acontece apenas na escola pesquisada. Outras pesquisas que abordam questões sobre o ambiente escolar também mostram essa percepção, tal como encontrado em Debarbieux (2006) Abramovay et al. (2009), Fischer (2010), Torres et al. (2012) e o IBGE (BRASIL, 2013), que relatam que, em geral, a escola é vista de uma forma positiva, como espaço de sociabilidade (encontro de amigos, relacionamentos profissionais) e onde estudantes e professores sentem-se bem.

Para Debarbieux (2006), tal situação advém de uma percepção social quanto ao valor da educação e do papel da escola para uma dada comunidade. Assim, a escola é vista como boa porque é um espaço de socialização, de encontros, e porque é também percebida como importante para o grupo, para a comunidade ou para a sociedade.

A questão, nesse ponto, é que esse encontro de amigos ocorre num período muito curto do tempo escolar. Qual é o espaço que há para essa interação? Quando os professores podem efetivamente cooperar uns com os outros durante seu trabalho? Em que momento estudantes podem “brincar” com seus colegas de classe ou de escola?

Diante do poder disciplinar, que busca controlar o tempo, o currículo, o pensamento e as ações de estudantes e professores (FOCAULT, 1984 e 1999), o principal ponto positivo da escola, que é ser um espaço de socialização, fica diluído entre todas as atividades escolares previstas. Nesse contexto é que se pode compreender a fala de João, estudante, quando diz que sua escola “é boa e chata ao mesmo tempo”. É boa porque há o encontro, mas é chata, por ser uma escola - a maior parte do tempo há obrigações e a impossibilidade de conversar.

Marcos, estudante, ao se referir à escola expressa “ela é boa diante do que o ensino público oferece”. Carlos, profissional da escola, menciona que ela é “uma escola de uma comunidade carente”, do que se pode supor que ela também é carente. Para Marisa, outra profissional da escola, “é claro que é uma escola pública. Tem deficiências”.

Essa “carência” ou “deficiência” pode ser melhor compreendida pelos pontos críticos da escola pesquisada, apresentados a seguir. Contudo, deve-se lembrar que é uma escola de uma região de vulnerabilidade social, que não possui toda a estrutura mínima de uma escola e com um índice alto de distorção idade-série, conforme visto no capítulo 5.

Já Maria, estudante, considera a escola boa pelas perspectivas de melhorias que existem, mesma percepção de Meire, profissional da escola, para quem “a escola vem melhorando” ou de Cristóvão, também profissional, ao relatar “este ano está mais tranquila”.

A escola pesquisada, então, é boa porque existem outras piores ou porque ela mesma já foi pior. Nesse sentido é boa porque, pelo menos, não é pior. As coisas poderiam ser piores. E “graças a deus” que não são. Ou então ela é boa porque já se está acostumada com ela, conforme Sandra, estudante, para quem a escola é boa porque ela está lá “desde o prezinho” e agora já está terminando o fundamental. Ou seja, ela não estudou em outras escolas, não conhece outras realidades e essa é a escola onde seus amigos estão.

Enfim, é possível perceber que, mesmo dentro de uma percepção positiva dos entrevistados, a escola pesquisada não alcança o conceito do que seria uma “escola boa” mesmo para esses entrevistados, o que quer que eles considerem como tal. É mais uma acomodação a uma situação, uma naturalização das deficiências, o que já foi encontrado em estudos, como o de Torres et al (2012). É o que Gentili (1996 e 2009) chama de “inclusão excludente”: há uma conformação geral em se aceitar que o acesso “às instituições públicas de qualidade” é um privilégio de poucos, não cabendo, portanto, a uma escola pública, de uma comunidade carente, ser “realmente boa”. Assim, há o acesso a todos, mas a “qualidade” é restrita a poucos, que não são os estudantes da escola pesquisada.