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PARTE III – A NÁLISE DOS D ADOS E C ONCLUSÃO

6.3 Conceitos gerais de conflito e de violência

A partir do relato inicial sobre o primeiro dia de contato com o campo e o público alvo da pesquisa foi possível perceber a importância das percepções dos entrevistados sobre os conceitos envolvidos na pesquisa referentes a conflito e violências.

Nesse sentido, o “Projeto Estudar em Paz” vê os conflitos de uma forma positiva e as violências de uma forma negativa, separando essas em direta, cultural e estrutural, o que significa aceitar que o conflito faz parte da vida. Com isso, busca compreender suas causas por meio do diálogo, a fim de prevenir a escalada:

[…] a mediação realmente tem realmente essa questão de transformar o conflito, que não é para construir uma harmonia, mas compreender, aprender, o que está por trás daquele conflito. A proposta do programa é realmente compreender o conflito,

O projeto [tem] esse pressuposto do conflito como positivo, da gente poder transformar esses conflitos de forma que ele não vire uma violência, que o fim do conflito não seja a violência, você trabalhar de que formas você pode conversar, estabelecer o diálogo, enfim, transformar o conflito em algo positivo para que ele não chegue na violência e você explicar o que é uma violência estrutural, o que é uma violência simbólica, a violência psicológica, de que forma essas violências estão presentes na nossa vida, de que forma elas podem impactar na escola, levar as pessoas a pensarem no que elas podem fazer, de que forma eles podem se mobilizar para que isso não se reflita na escola e, se refletir, entender que não é uma coisa dali, mas que acontece no contexto social como um todo e que se reflete dentro do espaço escolar (Júlia. Participante do Projeto).

Contudo, essa não é uma visão partilhada pela escola pesquisada, onde o conflito significa: problema, discussão, brigas, desentendimento e (ou) ausência de acordo, dentro da percepção geral dos entrevistados, ou seja, sem diferenciação entre profissionais e estudantes. A Tabela 22 mostra as principais palavras relacionadas a conflito, apresentadas pela ordem de contagem, seu percentual ponderado e as palavras similares incluídas:

Tabela 22 - Palavras relacionadas a conflito Palavra Contagem %

Poderado

Palavras similares

Problema 170 0,37 Problema, problemas

Brigas 81 0,18 briga, brigas

Bullying 14 0,03 Bullying

Xingando 10 0,02 Xingando

Porrada 9 0,02 Porrada

Xingamento 7 0,02 xingamento, xingamentos

Agressão 7 0,02 Agressão

Pancadaria 2 0,00 Pancadaria

Fonte: Dados da Pesquisa / N’Vivo®

Pela Tabela 22 é possível observar que, para os entrevistados, os conflitos são relacionados principalmente aos problemas enfrentados pela escola, ou as brigas que ocorrem no contexto escolar. Essa concepção negativa não é exclusiva deles. Jares (2002 e 2007), em pesquisa sobre avaliação de projetos relacionados à educação para a paz, menciona a prevalência da concepção negativa em escolas pesquisadas na Espanha. Ortega e Del Rey (2002), ao desenvolver um plano de gestão de conflitos no contexto escolar, consideram necessário “diminuir os conflitos em sala de aula”. Nesse sentido, se algo precisa ser diminuído, excluído, é porque não é bom nem bem visto.

A partir de Arendt (2013), Weber (2004) e Focault (1984) verificou-se que a instituição escolar possui a priori uma concepção negativa de conflito. Por haver um foco na autoridade tradicional e no poder disciplinar, o conflito é visto como uma quebra da ordem que deve ser estabelecida. Sendo assim, são tomadas decisões para seu abafamento, que

acabam por produzir a escalada e o surgimento da violência. Quando isso ocorre, a violência passa a ser confundida com o conflito (PASQUINO, 1995. ARENDT, 2013).

Com relação à violência, foi feito um gráfico comparativo entre as falas recorrentes dos estudantes e dos profissionais da escola pesquisa, conforme demonstra o Gráfico 5.

Gráfico 5 - Comparação entre a percepção de violência entre alunos e professor

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% Coluna B Profissionais da Escola

Fonte: Dados da Pesquisa / Planilha Excel

Assim, verifica-se que a violência, na escola pesquisada, relaciona-se a um amplo espectro de situações, desde criminalidade (drogas, porte de armas), violências subjetivas (brigas, guerra de bolinha, danos ao patrimônio) e objetivas (situação do banheiro e da alimentação dos estudantes). Observa-se também que alunos e profissionais compartilham a mesma percepção de violência subjetiva, mas não de violência objetiva e criminalidade.

Além disso, há, conforme previsto, confusão entre violência e conflito, expressa nas palavras briga, xingamento e bullying, comuns aos dois contextos, ainda que não sejam percebidos da mesma forma por estudantes e profissionais.

As diferenças, em especial quanto ao bullying, quase invisível para os profissionais da escola, serão tratadas nas seções específicas, mais adiante. Assim, os conflitos e as violências foram agrupados em duas grandes seções: na primeira, chamada “Caos Dialógico”, serão discutidos os relacionamentos e a convivência no contexto da escola pesquisada, na segunda, “Violência? Tem muito não”, trata das violências identificadas, de forma a abarcar todas as percepções de conflito e violências encontradas na escola

pesquisada. Após cada seção será apresentada a forma como o “Projeto Estudar em Paz” atuou diante dos conflitos e das violências no contexto escolar.

Antes, porém, é preciso entender que essas categorias não são estanques. Há uma margem de indefinição, pois, como falam Charlot (2002) e Debarbieux (2006), na realidade da escola, os conflitos se mesclam, às vezes, uns sendo causa e (ou) consequência de outros. Essa separação tem apenas uma finalidade didática, mas ela coincide com o diagnóstico de Marta, participante do “Projeto Estudar em Paz”, quando perguntada sobre as situações com as quais ela se deparou no cotidiano de sua experiência:

Ah, então, era muito [conflito] entre aluno e professor ou entre os próprios alunos mesmo, que vem da violência que eles sofrem do lado de fora da escola, dentro de casa e até no caminho para a escola. E a questão estrutural, a falta de estrutura [da escola]. Bem, tinha muito essa questão de brigas, às vezes físicas, e da diferença, do tipo “ah, ela é gorda”. O bullying tinha muito, e a gente percebia que era porque ela [a vítima] não fazia parte do ambiente, dos amigos, daquela pessoa que provocava esse tipo de violência. Com os professores era muito a questão da intolerância. Os alunos reclamavam muito do modo como o professor dava aula e aí o professor não mudava aquela forma, ignorava algumas confusões ali dentro de sala de aula e aí virava aquela bola de neve, até que uma hora explodia porque não há o diálogo entre eles. Então, há as agressões verbais, entre alunos e professor, ofensas e essa questão hierárquica, às vezes, da questão de um certo poder que o professor tem, os abusos.