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PARTE I – R EFERENCIAL TEÓRICO

3.2 Elementos e Dinâmica do Conflito

A análise dos conflitos define o campo de estudo da conflitologia, sendo diversos seus aspectos definidores. Um deles é o conceito do conflito, ao passo que outro aspecto são as concepções percebidas, ambos temas já apresentados neste trabalho. Contudo, há ainda uma teoria geral que analisa e compreende o conflito em todos os âmbitos da vida, sejam conflitos internacionais ou sociais, interpessoais ou políticos. Nesse sentido, é importante compreender como eles surgem, como se desenvolvem, quais os envolvidos e as relações que possuem entre si, bem como as estratégias e táticas mais utilizadas e suas possíveis consequências ao conflito, em geral, e a seus participantes. Daí serem apresentados a seguir os sujeitos, os aspectos objetivos e a dinâmica do conflito.

3.2.1 Os sujeitos do conflito

Conflitos, principalmente os aqui considerados, sendo excluídos os conflitos psicológicos, ocorrem entre indivíduos, grupos, organizações, instituições e coletividades. Contudo, são as pessoas que devem ser consideradas, pois elas é que estarão sujeitas às decisões e às consequências advindas dessas ações. Assim, mesmo que se possa considerar uma entidade como parte de um conflito, não é possível perder de vista o ser humano que dela faz parte (ENTELMAN, 2002).

Todavia, pode ser difícil identificar partes em um conflito, pois, por exemplo, dentro de um mesmo grupo pode haver tanto objetivos idênticos, quanto incompatíveis entre os envolvidos, assim como compatibilidade com pessoas de fora desse grupo. Pode ainda haver variações quanto a formas de organização ou até mesmo de percepção da existência do conflito, entre outras possibilidades de interação, tal como indica Entelman (2002).

Além disso, as interações possíveis podem levar à fragmentação de um sujeito participante, no caso de uma entidade, organização ou coletividade, em razão de alguns de seus integrantes poderem compartilhar ideais e valores do outro grupo (ENTELMAN, 2002). Daí a importância da identificação dos sujeitos integrantes de um conflito. Mas, talvez o mais importante nessa identificação seja o fato de que o reconhecimento dos sujeitos integrantes de um conflito implica o reconhecimento de sua legitimidade à fala e à discussão (RANCIÈRE, 1996). É por isso que Entelman (2002) considera que processos de desumanização, ou seja, de não reconhecimento de sujeitos, significam a não partilha do conflito.

Assim, reconhecer os integrantes de um conflito e sua legitimidade para integrá-lo significa reconhecer uma igualdade entre os conflitantes e uma vida comum.

Isso não significa, contudo, reconhecer igualdade de condições entre as partes, pois tais situações dependem da organização de cada lado, de aspectos culturais, das relações de poder existentes, do nível de envolvimento de cada um (ENTELMAN, 2002, RANCIÈRE, 1996). Também não significa que se considerem legítimas as ações ou decisões eventualmente tomadas, conforma lembra Deutsch (2004) quando fala que pessoas em conflito consideram suas próprias pretensões mais legítimas e bem-intencionadas que as demais. Mas é a partir dessa identificação que o próprio conflito pode ser reconhecido.

Mesmo entre as partes de um conflito, o tipo de envolvimento pode variar, podendo haver partes principais, secundárias ou terciárias (PASQUINO, 1995). Isso rompe com a ideia de que um conflito vai ser sempre polarizado e as partes serão sempre antagônicas entre si. Ao contrário, a multiplicidade de atores e de níveis de envolvimento cria o que

Para melhor compreensão dessas questões tratar-se-á, a seguir, sobre os aspectos objetivos do conflito.

3.2.2 Aspectos objetivos do conflito

É possível pensar a análise objetiva do conflito como fez Pasquino (1995), ou seja, considerando a dimensão, a intensidade e os objetivos do conflito.

A dimensão relaciona-se ao número de participantes envolvidos, quer seja um número absoluto, quer seja relativo à representação de potenciais participantes, o que tem a ver com a própria identificação dos sujeitos do conflito. É o que apresenta Riskin (2002) quando relaciona o âmbito de um conflito aos problemas principais e acessórios que variam desde um nível bem restrito (apenas aspectos focais e bem delimitados) até o mais amplo.

Nesse sentido, analisar o âmbito do conflito pode significar analisar apenas aspectos pontuais (nível I) ou ainda aspectos emocionais mais profundos até uma dimensão mais ampla, que envolve interesses comunitários ou de instituições que, mesmo não sendo partes imediatas, podem ser aperfeiçoadas ou transformadas a partir do tratamento dado a um conflito (nível IV). Pode-se compreender essa ideia a partir do diagrama abaixo:

Gráfico 1 - Eixo de definição do problema

Fonte: Riskin (2002, s.p)

O gráfico de Riskin (2002) foi criado para a análise de casos submetidos à mediação e não a uma teoria geral do conflito, tendo recebido críticas ao relacionar a mediação a uma avaliação e permitir uma analise muito restrita do conflito. Contudo, ele foi aqui apresentado porque, por meio dele, é possível perceber que os conflitos podem ser analisados desde um âmbito pontual e restrito até a maior complexidade possível, envolvendo uma comunidade.

Nesse sentido, por exemplo, num conflito escolar, um aluno ou aluna A pode estender a perna e, com isso, um aluno ou aluna B tropeçar na escola e machucar-se. A análise desse conflito pode ser apenas pontual (foi um caso isolado e A e B não possuem uma relação próxima), como também envolver aspectos relacionais (há algum fato específico na relação

entre A e B que motivou a ação de A e (ou) impactou B), ou ainda institucional ou comunitário (esses são casos comuns e corriqueiros numa escola que, por sua vez, não sabe ou não quer lidar com a situação). Identificar e diferenciar esses aspectos do conflito permite a escolha de métodos eficazes de sua administração.

É dentro dessa proposta que Santos (1988) fala de relações de vínculo único (uniplexas) e relações de vínculo múltiplo (multiplexas). Aquelas são as relações passageiras, cujos vínculos são estabelecidos com estranhos (SANTOS, 1988), ao passo que essas são as relações contínuas, “em que as pessoas estão ligadas entre si ou com a comunidade circundante por interesses ou valores” (COSTA, 2003). Nesse sentido, o que está em causa é o distanciamento dos participantes do conflito, que influi na própria forma de se lidar com ele, diante de um agir mais ou menos comprometido, positiva ou negativamente, nas relações multiplexas (COSTA, 2003). Nas palavras de Santos (1988, p. 23):

No caso da distinção relações multiplexas/uniplexas o que está em causa é a configuração da distanciação social entre os participantes no litígio e a sua relevância para o processamento deste [...].

É hoje comunmente (sic) reconhecido que as relações multiplexas, quando intensas, comandam todo o contexto da decisão do litígio e de tal modo que o objecto (sic) ostensivo deste representa por vezes a expressão mínima de uma relação antagonística de longa duração entre duas famílias ou grupos [...].

Já a intensidade do conflito relaciona-se ao grau de envolvimento e à de disposição de seus participantes para enfrentar a situação, sua disponibilidade em resistir, perseguindo os chamados fins não negociáveis, isto é, seus reais objetivos (PASQUINO, 1995. ENTELMAN, 2002). Assim, a intensidade de um conflito vai envolver a possibilidade de sua permanência ao longo do tempo. Quanto mais intenso, mais envolvidas as pessoas e mais dispostas a continuar em busca de seus objetivos. Isso não significa, por seu turno, uma relação direta com a escalada, pois é possível que a intensidade do conflito seja alta, com as partes sem interesse de abandoná-lo, mas sua ações desenvolvidas dentro de aspectos cooperativos.

Quanto aos objetivos de um conflito, ou seja, ao que se pretende alcançar com o conflito, os interesses e valores que devem ser atendidos, há, conforme Entelman (2002) três tipos: concretos, simbólicos e transcendentais.

Enquanto os objetivos concretos são apenas posições, como um pedido de separação, a saída de sala de um aluno, uma punição específica, sendo tangíveis, divisíveis e perceptíveis, os demais são mais sutis e complexos, pois se relacionam às emoções e sentimentos. Já os objetivos transcendentes são os valores em si mesmo, como a honra, a

justiça, o reconhecimento, não tangíveis nem divisíveis, mas que estão envolvidos numa disputa (ENTELMAN, 2002; AZEVEDO, A.G, 2003; PASQUINO, 1995).

A importância de se descobrir os reais objetivos de um conflito reside na possibilidade de satisfazê-los e, com isso, transformar efetivamente a situação conflituosa. Isso, no entanto, não raras vezes, é um dos principais desafios na compreensão de um conflito, pois é possível que partes possam se recusar a reconhecer determinado assunto como seus objetivos reais (ENTELMAN, 2002).

Por outro lado, é possível que sejam claros, mas que se relacionem justamente ao que Castoriadis (1982) chama de projeto revolucionário. Ou seja, o objetivo é justamente a transformação social dificultada por aqueles que defendem a manutenção do status quo.

Diante disso, duas são as possibilidades. De um lado, ao descobri-los e buscar seu atendimento, torna-se possível evitar a chamada “litigiosidade remanescente”, ou seja, a permanência das causas de um conflito mesmo diante de um acordo ou solução (AZEVEDO, A.G. 2004). De outro, é possível que o conflito seja regulado, ainda que seus objetivos não o sejam facilmente atendidos, e assim se evite a escalada de violência (ENTELMAN, 2002. GALTUNG, 2003. DEUTSCH, 2004).

Assim, descobrir os reais objetivos de um conflito e atendê-los significa dar fim à litigiosidade ou conflituosidade remanescente, o que pode ser compreendido com a resolução de um conflito. Isso, no entanto, não significa a extinção do conflito em si, em especial no caso de relações permanentes ou de vínculo múltiplo, mas apenas a transformação da relação (PASQUINO, 1995. SANTOS, 1988. COSTA, 2003. BUSH e FOLGER, 2005).

Por outro lado, conflituosidade remanescente pode dar origem ao que foi apresentado como escalada, ou seja, o movimento de aumento de intensidade não do conflito em si, mas das ações de seus participantes, o que pode dar ensejo à violência. Diante disso é que surge a necessidade do reconhecimento do conflito e do estabelecimento de sistemas flexíveis, que o conflito e que, portanto, podem ser mais coesos e fortes. É então que se encontra a relação entre conflito e democracia.