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Formas de prevenir e lidar com a violência no contexto escolar

PARTE I – R EFERENCIAL TEÓRICO

2.4 Formas de prevenir e lidar com a violência no contexto escolar

A partir do desenvolvido até aqui, percebe-se que a violência na escola é uma realidade. Em qualquer contexto que se vá observar ela pode ser encontrada, influenciando a convivência e a qualidade do ensino, não havendo fórmulas mágicas para se lidar.

Charlot (2002, p. 439) considera que incidentes violentos existem onde há grande nível de tensão, de forma que “uma simples faísca que sobrevenha (um conflito, às vezes menor), provoca a explosão (o ato violento)”. Diante disso, as ações para lidar com a violência devem ser direcionadas às tentativas de diminuir tais fontes de tensão, relacionadas às possibilidades de protagonismo e participação de jovens e à construção da convivência.

Já Debarbieux considera que não há uma causa única para a violência: ela é multicausal, plural, e tanto formas de prevenção quanto de gerenciamento devem considerar esses pontos. Isso significa não ser possível trabalhar, ao mesmo tempo, com todas elas, e sim enfocar ações que possam lidar com os fatores de risco de violência escolar. Fator de risco é um acontecimento ou condição que aumenta “a probabilidade de uma criança ou adolescente desenvolver distúrbios emocionais ou de comportamento” (DEBARBIEUX, 2006, p. 141). São os indicadores que apresentam os grupos sensíveis que demandariam políticas públicas

específicas. Não é uma abordagem determinista, mas probabilística, relacionada a riscos individuais, familiares, escolares ou do meio social.

O problema de se lidar apenas com fatores de risco, em especial os que se relacionam às atitudes individuais, é o de se considerar que relação significa “causação”. Um exemplo disso é a relação entre delinquência e fraco desempenho acadêmico. Fraco desempenho acadêmico é um dos fatores de risco dados por Debarbieux (2006) para a delinquência. Contudo, pode-se questionar se o fraco desempenho já não é uma consequência de violências anteriores que, essas, sim, são as causas da delinquência juvenil. Para demonstrar essa ideia, a Tabela 7 apresenta alguns fatores de risco elaborados pelo autor a partir de pesquisas sobre o tema. Para esta dissertação foram considerados apenas os fatores considerados com “forte efeito de fator de risco” por pelo menos duas pesquisas mencionadas:

Tabela 7 - Fatores de risco para violência entre crianças e adolescentes Fatores de Risco Individual

Temperamento (agressividade) Hiperatividade / déficit de atenção Iniciação precoce à violência Gênero (masculino)

Abuso precoce de drogas e álcool

Fatores de risco familiares Criminalidade parental

Maus tratos / abuso sexual Laços fracos entre pais e filhos Falta de empenho parental

Práticas punitivas excessivas ou flutuantes Fatores de risco associados à escola Insucesso escolar

Problemas disciplinares frequentes Fraco empenho nas atividades escolares

Fatores de risco ligados aos pares Pares delinquentes

Membros de gang

Fatores de risco ligados ao meio social Pobreza

Desorganização comunitária Exposição à violência e ao racismo

Fonte: Debarbieux (2006).

É por isso que, conjuntamente à análise dos fatores de risco, deve-se realizar uma análise contextual, que engloba o ambiente comunitário (vizinhança, serviços públicos, práticas de entreajuda na comunidade, isto é, o “capital social”), a composição sócio- demográfica do grupo escolar e as características institucionais (existência de trabalho colaborativo, forma de gestão, participação real dos alunos nas decisões), além de regras disciplinares e práticas punitivas para se trabalhar as causas da violência (Debarbieux, 2006).

Com isso, é possível elaborar políticas públicas e programas que possam lidar com a violência existente bem como prevenir novas situações ao permitir desenvolver fatores de proteção, que atuam de forma contrária aos fatores de risco.

Nesse sentido, Debarbieux (2006) considera que os mais fortes fatores de proteção contra as violências do contexto escolar são relacionados ao desenvolvimento de um sentimento de pertencimento à comunidade, que surge a partir de um estilo cooperativo de trabalho, da existência de relações fraternas, da liderança positiva dos adultos, do sentimento de justiça na aplicação de regras e punições e da expectativa de sucesso dos alunos.

Com isso, é possível se considerar que o problema da escola atual talvez não seja exatamente como fazer desaparecer a violência, mas como desenvolver fatores de proteção por meio da regulação dos conflitos inerentes à convivência. Daí que pensar também no conflito e não apenas na violência passa a ser importante para a proteção contra a violência no contexto escolar.

3 DO CONFLITO

O ser humano vive em situações de conflito a todo o momento, mesmo em sonhos. O conflito é, assim, intrínseco à vida e, portanto, presente nos vários contextos do cotidiano. Sendo assim, é compreensível que haja vários conceitos e autores a lidar com essa temática.

Pasquino (1995, p. 225), por exemplo, cientista político, conceitua conflito como “uma forma de interação entre indivíduos, grupos, organizações e coletividades que implica choques para o acesso e a distribuição de recursos escassos”, sendo tais recursos tanto bens materiais quanto imateriais, como honra, poder ou prestígio. Dentro dessa conceituação, conflito antagoniza-se à cooperação, outra forma de interação entre indivíduos que, ao invés do choque de interesses, implica auxílio mútuo em busca de um fim comum.

Para Deutsch (2004), dentro da teoria dos conflitos, o conflito pode ser encontrado em ambientes cooperativo ou competitivo, pois apesar de uma competição envolver um conflito, nem todo conflito envolve uma competição.

Dentro da concepção da teoria dos jogos, Almeida (2003) explica que o conflito é uma dada situação em que as partes procuram maximizar seus ganhos, podendo, para tanto, utilizar estratégias de cooperação ou de competição. Na perspectiva expressa pelo autor, se, diante de um conflito, todos os envolvidos buscarem o melhor para si e para os outros, o ganho de todos é superior do que se cada um buscar apenas o melhor para si.

Da mesma forma, Costa (2003) - numa crítica à concepção tradicional do direito acerca do conflito, que o veria como uma disputa de interesses - considera o conflito como tensão a exigir diferentes e específicas formas de enfrentamento. Diante disso, o autor afasta a ideia de conflito como disputa, pois, para ele, tal ideia pode levar à concepção de que todo conflito pode ser resolvido por via de um acordo, o que não seria verdade:

[...] a identificação do conflito com a disputa acerca de um bem (ou de uma determinada combinação de bens) é uma concepção demasiadamente restrita da dimensão conflituosa da vida em sociedade. E a insistência no acordo como forma única de resolução de conflitos é demasiadamente ligada à noção de que os conflitos são aquilo que se precisa anular na sociedade (COSTA, 2003, p. 162).

Já Rancière (1996, p. 12) conceitua o conflito a partir de uma abordagem da filosofia política como um desentendimento, ou seja, uma discussão acerca de um objeto “e sobre a condição daqueles que o constituem como objeto”. O desentendimento se dá, assim, em relação à palavra em si (o objeto) e sobre o direito à palavra (a condição dos que

Os casos de desentendimento são aqueles em que a disputa sobre o que quer dizer falar constitui a própria racionalidade da situação de palavra. Os interlocutores então entendem e não entendem aí a mesma coisa nas mesmas palavras. Há todas as espécies de razão que um X entenda e não entenda ao mesmo tempo um Y: porque, embora entenda claramente o que o outro diz, ele não vê o objeto do qual o outro lhe fala; ou então porque ele entende e deve entender, vê e quer fazer ver um objeto diferente sob a mesma palavra, uma razão diferente no mesmo argumento.

Assim, o lugar privilegiado do desentendimento é a política, vista então como espaço de pluralidade, de igualdade, como “pressuposição da igualdade de qualquer pessoa com qualquer pessoa” (RANCIÈRE, 1996, p. 31). A política, nesse sentido, tem em sua própria racionalidade o desentendimento. Ela existe porque a ordem social não é natural, e sim cultural, daí os seres humanos precisarem viver e conviver em sociedade.

Para o reconhecimento do conflito, assim, é preciso que cada um dos lados envolvidos compreenda que o outro é igual, que ele tem o espaço da fala. Ou seja, que haja o reconhecimento da condição de pluralidade entre os envolvidos. E isso mesmo numa relação de mando e obediência, pois:

[...] para obedecer uma ordem, são necessárias […] duas coisas: deve-se compreender a ordem e deve-se compreender que é preciso obedecer-lhe. E, para fazer isso, é preciso você já ser o igual daquele que manda (RANCIÈRE, 1996, p. 31).

O conflito, então, é um fato, uma contradição, um desentendimento que nasce da interação, da pluralidade, entre iguais. Isso se dá porque ele se relaciona à própria vida em sociedade, à convivência com o outro. Nesse sentido, se está a afastar, a partir de então, qualquer interpretação psíquica acerca do tema, que dê origem ao que Pasquino (1995) vai chamar de conflito intrapessoal. Não que esse conflito não seja importante, mas apenas porque não se relaciona aos aspectos da pluralidade do conflito interpessoal e social. Diante disso, cabe considerar como transformar os conflitos de forma a tornar as relações cooperativas ao invés de competitivas, mas antes necessário é discorrer sobre as concepções de conflito.