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PARTE I – R EFERENCIAL TEÓRICO

4.2 Concepções

Six (2001 e 2005), Warat (2001 e 2004), Bush e Folger (2005) e Costa (2003) consideram haver duas concepções de mediação.

A primeira é derivada de uma visão que compreende o conflito uma interrupção na harmonia natural da sociedade, uma patologia que precisa de tratamento. Diante dele, os processos de solução são centrados no apaziguamento, na resolução da disputa e no encerramento da situação conflituosa. Com relação à mediação, ocorre um processo de busca de um acordo, pois o conflito é percebido como problema, concepção encontrada em Riskin (2002) e Moore (1998), por exemplo.

Diante disso, o objetivo da mediação é o alcance de um acordo satisfatório, sendo a atuação do mediador direcionada ao apaziguamento, à construção do consenso e ao término do conflito. Esse modelo é chamado de tradicional, de Harvard, linear-tradicional,

5 Texto original: “La médiation sociale est un processus de création et de réparation du lien social et de règlement des conflits de la vie quotidienne, dans lequel un tiers impartial et indépendant tente, à travers

centrado no acordo, negociada, negociação assistida, centrada na resolução de problemas (SIX, 2001. WARAT, 2004. COSTA, 2003. BUSH; FOLGER, 2005).

Para se obter um entendimento mais claro dessa concepção é preciso considerar sua origem: apesar de ter sido estruturada e espalhada no ocidente a partir da experiência de Harvard, foi adaptada dos comitês de mediação popular chineses, concebidos dentro da escola dos ensinamentos de Confúcio (LUBMAN, 1962. COHÉN, 1966. GINSBERG, 1978. BROWN, 1982).

Nesse sentido, é preciso compreender também a concepção de sociedade dada por Confúcio. Conforme Wilhelm (LAO-TSU, 978), tanto os ensinamentos de Confúcio (551 a.C – 479 a.C) quanto de Lao-Tzu surgiram como formas de lidar com o período de caos e conflitos na China Antiga. No entanto, enquanto esse último via o movimento, a dialética, como a essência de todas as coisas, havendo a necessidade de um retorno à natureza, à simplicidade e a um não agir, para se evitar o caos e o sofrimento, o primeiro considerou que a ordem, a hierarquia e a ritualização da vida seriam o caminho correto para tanto. O ensinamento de Confúcio, assim, relaciona-se à regração social e à necessidade de se viver conforme a cortesia e o decoro à manutenção da harmonia social.

Conforme Bueno (2004) a sociedade harmônica, em Confúcio, viria da possibilidade de que todos seguissem as boas regras sociais e de uma relação de hierarquia baseada no respeito, na cordialidade e no fundamento da autoridade moral. Isso significa que a autoridade (o imperador, o irmão mais velho, o marido) teria o direito (e a responsabilidade) de decidir sobre os interesses do grupo (NADEOU, 2002. LUBMAN, 1967).

A estrutura do pensamento de Confúcio e toda a sua complexidade, inclusive em sua relação com os direitos humanos, não podem ser completamente compreendidas sem uma leitura profunda de seus ensinamentos, o que não é o objetivo do presente trabalho. Contudo, mesmo entre os autores que defendem essa relação, como fazem Bueno (2004), Nadeau (2002), Sim (2004) e Sang Jin (2010), não se nega que esses mesmos ensinamentos são utilizados na instituição de uma sociedade pautada pela busca da eliminação do conflito e da instituição da autoridade (LUBMAN, 1967).

Daí a mediação de conflitos, dentro dessa concepção, ser ritualizada, formalizada, burocrática, com faces processuais específicas e bem delimitadas, com o objetivo de alcançar uma harmonia social.

No entanto, ao se deparar com uma sociedade conflituosa, que rejeita a autoridade e a tradição, que tem entre dentro de sua formação as lutas e as revoluções sociais

recentes, iniciadas pelas revoluções burguesas e constitucionais, bem como uma concepção de conflito como intrínseco à vida humana e social, tal mediação passa a ser questionada.

É nesse sentido que surge a segunda concepção, direcionada ao processo e às possibilidades de manifestação do conflito, ao desenvolvimento da autonomia e da autossuficiência da comunidade em detrimento do poder autoritário.

Dentro dessa vertente, encontram-se Warat (2004 e 2001), Bush e Folger (2005) e Six (2001), para quem a mediação deixa de considerar o acordo um fim em si mesmo e passa a focar a interação humana, a pluralidade, constituindo-se em um processo que enxerga o conflito como oportunidade de melhoria dos vínculos entre os envolvidos.

Isso não significa, contudo, que satisfazer interesses ou alcançar um acordo não seja importante. A questão colocada é que isso só deve se dar a partir da transformação das pessoas e dos conflitos, da compreensão das causas e dos reais objetivos envolvidos (BUSH e FOLGER, 2005). Ou seja, da análise dos elementos envolvidos no conflito.

A mediação, portanto, não pode ser reduzida à busca de um acordo. O acordo é uma norma a ser cumprida, ainda que ela provenha de uma decisão consensual das partes conflitantes — ele põe fim a um litígio, mas resolver o litígio não implica transformar o conflito. A mediação busca tornar o acordo desnecessário, fazendo com que o conflito não gere incompatibilidades ou tentando sanar as incompatibilidades anteriormente estabelecidas. Trata-se, pois, de ajudar as partes a desenvolverem formas autônomas para lidar com as tensões inerentes ao seu relacionamento, e não de buscar acordos que dêem fim a uma controvérsia pontual (COSTA, 2003, s.p).

Para Warat (2004, p. 69) a mediação não tem o objetivo de realizar o acordo, mas de produzir a diferença, a alteridade ou “outridade reencontrada”, ou seja, ela é vista como processo de construção de autonomia das pessoas em conflito. As decisões tomadas são dos próprios envolvidos, cabendo ao mediador direcionar o processo para facilitar o diálogo, a escuta, a compreensão do outro e a promoção da pluralidade e não para um acordo. O mediador não opina nem sugere, mas favorece a criação de um ambiente em que as próprias partes descubram o que desejam realizar:

A mediação consiste em manter integralmente os dois termos [as duas partes]. O mediador é um terceiro que age de tal maneira que os dois termos não somente preservam sua identidade, mas saem da mediação com a identidade reforçada, porque puderam, graças à presença do mediador, se confrontar um com o outro e evitar, nessa confrontação, ser absorvidos um pelo outro, em uma fusão ou uma derrota (SIX, 2001, p. 235).

Isso, no entanto, não significa que a mediação seja o melhor método. Conforme Deutsch (2004) não existe um método melhor ou pior que o outro. A escolha desse modelo relaciona-se ao objeto de estudo, condição necessária para o alcance dos objetivos propostos.