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PARTE I – R EFERENCIAL TEÓRICO

2.2 A Violência no contexto escolar

2.2.2 Aspectos subjetivos

A violência subjetiva, no contexto escolar, pode se configurar na violência à escola, isto é, um ataque à instituição e àqueles que a representam (professores, gestores, funcionários) ou na entrada da violência na escola, ou seja, o ingresso de uma violência que é externa e que passa a acontecer dentro dos muros escolares (CHARLOT, 2002).

O termo violência, para Charlot (2002, p. 437), é reservado “ao que ataca a lei com o uso da força ou ameaça usá-la: lesões, extorsão, tráfico de drogas, insultos graves”. É o que Abramovay et al. (2002. 2005. 2005a. 2009) e Abramovay e Rua (2002) vão chamar de “violências duras”. Não se confunde, portanto, com as transgressões e rebeldias dos estudantes, relacionadas a não realização de trabalhos escolares ou absenteísmo, por exemplo, nem com as incivilidades, isto é, a quebra das regras da boa convivência, como bagunça, xingamento, desrespeito.

Contudo, tal diferenciação é muito mais para fins didáticos. Na realidade da instituição escolar atual, violências ou incivilidades convivem entrelaçados nos comportamentos cotidianos de alunos ou professores, não sendo possível, muitas vezes, dissociar onde começa um ou outro. Isso é considerado por Charlot (2002), que opta por focar as incivilidades, deixando o conceito de violência afeito apenas ao que se relaciona ao crime.

A razão para tanto seria o fato de que as chamadas incivilidades sempre existiram no ambiente escolar, fazendo parte, inclusive, do processo de socialização realizado pela escola. As demais violências não se relacionam diretamente a esse contexto e precisariam ser dele dissociadas.

Debarbieux (2006), por outro lado, considera que todos os atos merecem atenção como violência, desde os delitos qualificados na legislação penal quanto as incivilidades e o “sentimento de violência” expresso pelas vítimas. Para o autor, o estudo da violência escolar inclui as chamadas microviolências, isto é, as incivilidades ou ações cotidianas, não necessariamente criminosas, às vezes até banais, mas que causam sofrimento e se tornam violência pela principal característica de “acumulação, repetição, desgaste e opressão” (Debarbieux, 2006, p. 130).

Há críticas a essa ampliação. Ao se incluir as incivilidades e transgressões comuns à escola como violência pode-se estar impondo uma tentativa de exclusão e abafamento de todo conflito no contexto escolar e justificando ações de pura repressão mesmo a comportamentos que podem ser considerados expressões normais de resistência à instituição e ao processo de socialização (CHARLOT, 2002. FISCHER, 2010).

Assim consideram Debarbieux e Blaya (2002) quando dizem que o reconhecimento dos comportamentos agressivos e violentos dos estudantes tem sido feito por pesquisadores principalmente a partir de incentivos da mídia e de sindicatos de professores. Isso quer dizer que os questionamentos dos autores se dão sobre quem define o que é um comportamento adequado e, ainda, sobre a concentração desse movimento apenas entre os alunos, esquecendo-se que a instituição tem também a capacidade de influir tanto no comportamento quanto no clima em sala de aula.

É nesse sentido que, no Brasil, Scarlato e Silva (2011), em pesquisa sobre o contexto do estudo de teses e dissertações sobre violência escolar entre 2001 a 2009, concluíram que a quase totalidade das investigações (92%) centram-se na violência dos estudantes, havendo poucos trabalhos (8%) que tratam da violência dos professores.

Uma crítica final relaciona-se ainda à possibilidade de a ampliação do conceito colocar como responsabilidade da escola violências que nada tem a ver com a natureza ou as finalidades escolares.

Debarbieux reconhece tais críticas e as sintetiza da seguinte forma:

Se expandirmos a definição de violência, correremos dois riscos: primeiramente, o risco epistemológico de hiperampliar o problema até torná-lo impensável, e em segundo lugar, o risco político de vir a criminalizar padrões comportamentais comuns, ao incluí-los na definição de violência (2006, p. 60).

No entanto, os argumentos do autor são a favor da extensão, situando-se em três eixos: metodológico, de controle e sobre os sujeitos. O primeiro refere-se ao fato de que a violência não é um todo indivisível, mas um fenômeno complexo localizado num espaço- temporal específico, daí a necessidade de se multiplicarem seus pontos de vistas (indicadores) sobre causas, formas de atuação e de prevenção, o que só vem com a ampliação do conceito.

O segundo eixo responde ao risco do aumento da repressão. Quanto a isso, o autor lembra que a violência no contexto escolar é múltipla, complexa, densa e com causas tanto exógenas (bairro, sistema econômico, falhas familiares ou de políticas públicas) quanto endógenas (organização ou desorganização da escola). Diante disso, é possível que, com a compreensão de suas causas sejam mais prontamente desenvolvidas ações de prevenção, mas quem se necessária, a repressão não é algo a ser temido.

Por fim, Debarbieux (2006, p. 85) lembra da necessidade de se olhar para os sujeitos dessas violências, pois, a verdade sobre “um fenômeno social também resulta no significado que os sujeitos – na posição de sujeitos sociais – dão aos eventos e aos ato”. Assim, o autor considera que a história de todas as violências é a história do reconhecimento de suas vítimas. Teria sido assim com o assédio moral ou com a violência doméstica, por exemplo, só surgidas como crime após a consideração da fala de suas vítimas. Por outro lado:

Os levantamentos de vitimização mostram […] como o stress acumulado da microviolência pode ter um efeito tão desestabilizador quanto um único ataque grave, e que a violência é tanto uma questão de opressão diária quanto de atos brutais e espetaculares. Os levantamentos sobre a intimidação por colegas ganham significado com as pesquisas sobre as causas do suicídio entre adolescentes, e a correlação entre as taxas de suicídio e a ocorrência de intimidação há muito já ficou demonstrada (DEBARBIEUX, 2006, p. 74).

Dessa forma, a não ampliação do conceito pode causar o abandono das vítimas e a desconsideração dos efeitos da violência: exclusão, abandono escolar, aumento da gradação, comportamentos de risco e suicídio (DEBARBIEUX; BLAYA, 2002. FISCHER, 2010).

Daí a necessidade da ampliação de forma a englobar as próprias relações de convivência. Pelos mesmos motivos, tanto violências relacionadas a crimes e ofensas à lei, quanto transgressões (comportamentos contrários às normas institucionais da escola) assim como incivilidades (quebras de regras de boa convivência) serão neste estudo consideradas violências no contexto escolar.