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Ética Animal – Uma Perspectiva Ética Não Antropocêntrica

4. TRADICIONALISMO ÉTICO: UMA APRECIAÇÃO DOS FUNDAMENTOS

4.3. Ética Animal – Uma Perspectiva Ética Não Antropocêntrica

4.3.1. A Ética Animal é uma Ética Ambiental?

Faz sentido esclarecer que são diversas as vertentes ambientalistas no cenário contemporâneo, e não seria possível fazer jus a toda sua completude. Apesar disso, esse capítulo busca contextualizar a crise ambiental juntamente ao comportamento descompromissado do ser humano com outros animais, condicionado pela perspectiva antropocêntrica, embora haja vertentes antropocentristas mais amenas e compassivas.

Particularidades da ética animal a remetem a um âmbito próprio, embora seja por alguns especialistas abordada no campo da ética ambiental, por ambas compartilharem detalhes incisivos. Historicamente, os movimentos de libertação43 e direito44 animal dividem uma origem próxima à ética ambiental (Callicott JB, 2005). E segundo este autor, nos dias de hoje, mesmo depois das diferenciações que ocorreram entre ambas na década de oitenta, as éticas animal e ambiental são consideradas integrantes de um mesmo conteúdo filosófico, ainda que para os leigos.

Todavia, Jamieson (1998) alega que a separação entre os movimentos ambientalistas e os de libertação e direito animal é mais cultural e sociológica em vez de propriamente filosófica, uma vez que o primeiro deles foi educado e influenciado desvencilhado da tradição ética ocidental, enquanto o segundo é adepto, embora mantendo uma postura assumidamente não antropocêntrica, de preceitos como utilitários, kantianos, libertários, aristotélicos, ou seja, aceita prospectos da ética tradicional do ocidente e argumenta através deles.

É certo dizer que há alianças estratégicas entre essas duas “[...] correntes éticas, políticas e sociais [...]”, entretanto, ficam evidentes as divergências entre as agendas quando surgem situações conflituosas e por vezes dilemáticas. Enquanto a ética animal visa valorizar os “[...] indivíduos enquanto seres sensíveis e conscientes [...]” a ética ambiental tende a valorizar “[...] os coletivos ambientais (espécies, populações, ecossistemas, paisagens) [...]”. Dito isso, o que se

43 O movimento (ou Ética) da Libertação Animal apregoa o critério da senciência para sugerir o fim do

preconceito baseado na espécie, denominado especismo, para conferir igualdade de interesses entre animais humanos e não humanos. Singer, Peter. Libertação Animal. São Paulo: Lugano, 2004.

44 O movimento (ou Ética) do Direito Animal manifesta o critério de “sujeito-de-uma-vida”, para exprimir

a consideração e titularidade jurídica de animais conscientes de si. Regan, Tom. The Case for the Animal Rights. Berkeley: University of Califórnia Press, 2004.

questiona é se essas diferenças entres as correntes serão simples “[...] dilemas em situações de fronteiras, inevitáveis [...]”, mesmo em sistemas éticos compatíveis, ou se serão essas correntes efetivamente contraditas (Rosa H, 2003, pp. 68-69.).

Mas Jamieson (1998) e Callicott (2005) muito embora discordem em certos aspectos que tornam as éticas ambiental e animal próximas, há no discurso de ambos filósofos pontos importantes que convergem essas teorias filosóficas de modo relevante. É comum notar que representantes desses movimentos acreditem que o ambiente natural e as espécies silvestres – ou selvagens – devam ser preservados e protegidos, bem como acreditam que animais não-humanos não devam ser torturados. Não é apenas o senso comum e histórico, mas metodologicamente, estão unidos por um sério compromisso ético fundamental que implica preceitos práticos, além de compartilhar a “[...] crença no poder da idéia da ação direta individual para mudar valores sociais e construir uma nova idéia cultural” (Callicott JB, 2005, p. 7)45. Contudo, a barreira entre espécies humanas e não humanas foi rescindida pelos movimentos ambientais e de libertação e direito animal, subindo ao palco da filosofia moral, traçando um compromisso para com todos os seres vivos e ambiente natural. “Deste modo, o que será diferente é a questão da teoria dos valores, não a valorização nem a sua intensidade”(Jamieson D, 2008)46.

Essa união histórica entre ética animal e ambiental, explica-se pela publicação de três importantes textos no início dos anos 1970, que marcaram a aparição de um novo ramo da filosofia profissional, desafiando os padrões tradicionais ocidentais até então. Animal Liberation47; The Shallow and the Deep, Long Range Ecology Movement: A Summary48; Is There a Need for a New, an Evironmental Ethic?49. Mas, nota-se que, apesar da congruência histórica dessas publicações, cada qual patenteia fundamentações distintas entre si. (Callicott J.B, 2005).

45 “[...] both [éticas animal e ambiental] believe in the power of ideas to direct individual action, to change

social values, and to forge new cultural ideals” (Callicott 2005, p. 7).

46 Entrevista conduzida por Julian Baggini para The Philosopher´s Magazine. Tradução de Miguel Moutinho

do original Is Animal Liberation an Environmental Ethic? An Interview with Dale Jamieson. Disponível em: http://arruda.rits.org.br/oeco/reading/oeco/reading/pdf/baggini_2006.pdf. Acesso em: 30 de outubro de 2008.

47 O filósofo Peter Singer publica em 1973 o texto “Libertação Animal” no New York Review of Books,

tratando, sobretudo, da maneira tirana com a qual os seres humanos tratam os animais não humanos, sendo este um dos textos que marcam o início da ética animal.

48 Publicado pelo filósofo e montanheiro Arne Naes no Inquiry, marcando a introdução da “Ecologia

Profunda”, num jornal internacional de filosofia, termo cunhado em 1972, por ele próprio.

49 Publicado pelo filósofo Rychard Sylvan que marcou a visão de uma necessidade e a introdução na

civilização ocidental de uma nova ética, uma ética ambiental não antropocêntrica, na esteira da obra do conservacionista Aldo Leopold.

Mas como ressalta Varandas (2004), está clara a diferenciação das principais teorias de ação das éticas não antropocêntricas – éticas animais, biocêntricas e ecocêntricas – compreendendo cada qual um universo de consideração moral, que diferem em grau de radicalidade e extensão. Tais fundamentações não poderão ser aludidas seguidamente, ainda que brevemente, para uma apreciação mais adequada das teorias não antropocêntricas. Não obstante, a ética animal será apreciada mais profundamente, não irrelevando a importância da abordagem das outras perspectivas éticas ambientais, mas priorizando uma contextualização mais apropriada para o tema principal deste trabalho.

4.3.2. Ética Animal – uma perspectiva ética individualista

Da mesma maneira que existem diversas perspectivas no que tange às teorias de considerabilidade moral de seres não-humanos, há ainda abordagens diferentes quando se trata especificamente da ética animal e do estatuto dos animais no cenário contemporâneo.

A tradição ocidental mostrou-se, desde há muito, propensa a estabelecer dicotomias e, entre as principais destas, pode-se destacar a relação antagônica entre o racional e o irracional, quando este primeiro, cultural e historicamente, é relacionado ao ser humano, e o segundo às demais criaturas – entre elas os animais não-humanos. Outra dicotomia que bem ilustra a relação ser humano e animal é a idéia de que tudo aquilo que não é ‘pessoa’50 é designado como coisa – aquilo que não é humano, incluindo aqui os animais. É desta maneira que é visto o animal não- humano quando se menciona o estatuto dentro de uma abordagem jurídica sobre a atribuição de direitos e no contexto filosófico antropocêntrico a respeito da considerabilidade moral.

Para se ampliar o universo ético para além dos seres humanos, é requerido que sejam questionados os argumentos e critérios que fundam a visão antropocentrada, no qual o ser humano é visto separado e superior ao restante da Natureza, quando lhe é – à espécie Homo sapiens – atribuído estatuto ético privilegiado (Beckert C, 2004).

A ética animal é um sistema ético no qual a consideração gira em torno da individualidade das entidades e não dos seus coletivos, o que a diferencia da maior parte das perspectivas éticas ambientais. É fundada tendo por objetivo elevar o estatuto moral de certos animais onde se pode constatar presença de estados mentais que lhes proporcionam peculiaridades dignas de

consideração, seja tendo por base o sencientismo – a capacidade de sentir dores e prazeres – versão utilitarista de Peter Singer; ou tendo por base o direito dos animais, que pressupõe desejos e interesses conscientes, versão deontológica de Tom Regan.

Deste modo, no capítulo seguinte, serão abordadas duas das principais propostas de ampliação ética pra além dos seres humanos, embora restritas aos animais, e seus diferentes critérios e argumentos. São elas: a Libertação Animal, por Peter Singer; o Direito Animal, por Tom Regan.